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sexta-feira 2 de setembro de 2016 | Edição do dia

Um bosque cheio. Vazio de gente grande e suas alturas e medidas. Um homem já formado por seus 7 anos de vida - muito bem caídos, babados, sorridos e chorados - provava a teoria de que as árvores contavam histórias de terror quando era outono e de amor na primavera (ou talvez era o inverso disso...ele ainda não se decidiu). Seu nome ele mesmo que escolheu: Graveto - ou Gravinho pra quem era mais próximo.

Joana chamava ele de Gravinho que a chamava de Joaninha que o chamava pra brincar de chamar passarinho. Ela pousava nele sempre que podia, principalmente quando um botão de flor brincada abotoava a voz dele na antena dela. Eles não se entendiam, brigavam a beça. Gravinho roubava a pinta dela que chacoalhava as folhas dele que pitangava a pata dela que quebrava o galho dele. Ele sempre perdia e ela sempre não queria ganhar. Ambos sempre perdendo de ganhar.

Cada pedaço de dúvida que crescia nos galhos dele, ela respondia com uma batida da asa dela. Essas batidas faziam música de tanta dúvida que Gravinho tinha: Do que é feito uma curva? Quanta casca tem um ovo? Será que toda muda é muda mesmo? Quantas formigas cabem em mim? Quem é o dono das folhas que caem no chão? E das que estão no galho? E das que estão no ar? Quem assopra o vento em mim? Quantos escuros tem uma sombra? Será que Deus é de madeira? O que vem antes num passarinho: o vôo ou o canto? O que será que eles preferem fazer?

Joaninha achava que era cantar e Gravinho também.

Silêncio.

Só havia o som de um avião sem avião - aqueles passaros de metal que berram e passam tão rápido que só dá pra enxergar o contorno do barulho deles - que auxiliava a paralisia daquele instante de consenso.

Ambos se olharam e não entenderam muito bem aquilo que tinha acabado de acontecer. Nunca haviam chegado nesse ponto. Acharam então que existia algo especial acontecendo entre eles e que talvez deveriam dar o próximo passo. Ficaram nervosos. Achavam que não iriam conseguir. Ele olhava pra ela e se descascava de medo. Ela olhava pra ele e chorava cada bolinha de suas antenas, depois colocava de novo, uma a uma, e chorava tudo mais uma vez.

Até que um terremoto de dois segundos - um segundo pra cada um deles - chacoalhou as ideias no ar e colocou a coragem no lugar certo. Foi então que eles fizeram o que haviam combinado apenas com o olhar: ele plantou um pedaço dele em baixo das asas dela e ela o entregou 3 pintas das 11 que ela tinha.

No outro dia ele era meio ela que também era meio ele e eram cada um cada um e, mesmo sendo dois, eram vários e únicos. Eram muitos enquanto poucos. Dois grãos de areia que continham todas as joaninhas e os galhos do mundo. Ali no nada-quase de fora existia o quase-todo de dentro. Talvez fossem mais quando menos: imensos-gigantes-minúsculos-pequenos.

(Talvez os donos das folhas do galho, do ar e do chão sejam as folhas, o galho, o ar e o chão. Ou talvez sejam só as folhas donas delas mesmas. O galho, o ar e o chão são das folhas o que elas sempre são: origem, meio e fim. Folhas secas ou não.)




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