×

LITERATURA | Florbela, uma mulher escreve

Florbela nasceu Flor Bela Lobo, em 8 de dezembro de 1894, no Alentejo. Concebida fora do casamento foi registrada como filha ilegítima de pai incógnito, apesar de ter sido criada na casa do pai, que só a reconheceu em cartório quase dezenove anos após sua morte. Suas primeiras obras datam de 1903.

Gabriela FarrabrásSão Paulo | @gabriela_eagle

terça-feira 31 de março de 2015 | 00:00

E os meus vinte e três anos... (Sou tão nova!)
Dizem baixinho a rir: “Que linda a vida!...”
Responde a minha Dor: “Que linda a cova!”

- Dizeres Íntimos, em Livro de Mágoas –

Florbela Espanca, o nome da poetisa é dito e já é poesia. Podia ser clichê, mas seria bem vindo dizer que a poetisa é flor bela, que espanca com suas dores, angústias e mágoas; e que agora toma as estantes das livrarias com uma nova edição de sua antologia poética.

Florbela nasceu Flor Bela Lobo, em 8 de dezembro de 1894, no Alentejo. Concebida fora do casamento foi registrada como filha ilegítima de pai incógnito, apesar de ter sido criada na casa do pai, que só a reconheceu em cartório quase dezenove anos após sua morte. Suas primeiras obras datam de 1903. Foi uma das primeiras mulheres a frequentar o curso secundário em Portugal - fato que só foi possível através da classe social em que estava inserida; Florbela, apesar de filha ilegítima, foi criada por uma família pequeno burguesa. Esse pioneirismo feminino em sua biografia irá se espelhar em sua obra. Se auto afirmar como mulher em seus versos, mesmo que não tenha sido de forma engajada e sem ter como bandeira a emancipação feminina a coloca como grande nome dessa luta. Além de poetisa, ainda foi contista e colunista de importantes jornais.

Florbela estava entre as 14 mulheres inscritas entre 347 alunos para o curso de direito, que cursou após concluir o curso de letras. Esses dados de uma sociedade no inicio do século XX demonstram o quão difícil e emancipador foi Espanca ter se firmado como poetisa e figura pública ainda em vida muito jovem, mesmo tendo sido em parte marginalizada pelo simples fato de ser mulher. Ser uma mulher escritora, que tinha suas obras reconhecidas era por si só chocante; mas para além disso, Florbela se divorciou duas vezes e casou três vezes causando um grande choque na época em que vivia. Muitos críticos acusam a obra de Florbela de despolitizada - citam, por exemplo, ela não ter nenhuma palavra sua sobre a dita “revolução” de 5 de outubro de 1910 (que constituiu a implantação da República Portuguesa e o fim da monarquia) -, mas o simples ato de ser poetisa no inicio do século e ter tido a liberdade de se divorciar duas vezes alça Florbela Espanca ao exemplo de mulheres emancipadas, que vieram a ser modelo da luta por emancipação de outras mulheres.

A angustia, mágoa e dor que encontramos na obra de Florbela é encontrada também em sua historia de vida. Em 1918, após sofrer um aborto espontâneo começa a desenvolver uma neurose e tem sua saúde fragilizada, a levando a desenvolver alguns problemas de saúde relacionados ao pulmão, além do início de uma depressão. Em 1928, ela tenta o suicídio pela primeira vez e dois anos depois tenta por duas vezes tirar a própria vida em outubro e novembro – mesmo ano de sua obra prima, "Charneca em Flor". No fim desse ano, a duas horas de completar seu 36° aniversário ela consegue dar fim a sua vida com uma alta dose de calmante Veronal.

A nova edição de sua antologia, que chega agora as livrarias, lançada pela editora Martin Claret, se inicia com uma introdução escrita pela livre-docente em Literatura Portuguesa pela UNESP, Renata Soares Junqueira, que chama atenção ao fato de Florbela ter sido marginalizada por ser mulher até pelos poetas portugueses, que se colocavam na postura de romper com o conservadorismo até então vigente. “Florbela era mesmo marginal – porque era mulher e as mulheres não adentraram o espaço restrito aos homens da Geração de Orpheu (...)”

Os primeiros três livros presentes nessa antologia são suas principais obras: Livro de Mágoas, lançado originalmente em 1919; Livro de sóror saudade, de 1923; e sua obra prima, Charneca em Flor. Os últimos três livros presentes nessa compilação são suas obras de quando era mais jovem – o certo é dizer ainda mais jovem, pois o Livro de Mágoas foi editado pela primeira vez quando ela tinha apenas 25 anos ainda.

Os primeiros livros dessa antologia são livros de soneto – poemas escritos em duas estrofes de quatro versos, chamados quartetos, e duas estrofes de três versos, chamados tercetos. Logo nos primeiros versos de Florbela encontraremos os principais sentimentos e sensações de sua obra. Com um eu lírico sempre triste que escreve para um sujeito igualmente triste, capaz de compreender a tristeza que é dita nos poemas, encontraremos no Livro de Mágoas sempre sentimentos angustiantes. Os sentimentos de estar perdida, não sabendo quem se é; a solidão sempre a atormentando; uma dor escrita em letra maiúscula, que não possui um porquê, mas é imensa; e sempre o desejo de querer escapar de tudo isso sendo poetisa, que se não deixará de sentir esses sentimentos e sensações, saberá transformar em arte o que se sente. Esse livro foi escrito quando Florbela tinha apenas 23 anos, e mesmo assim, já carregava um cansaço de quem já estava velha, e a ideia de sua própria morte. A ideia de amor, que aparecerá mais nos próximos livros, aqui aparece como causador de dor, amar dói, mas não amar dói igualmente ou mais.

No Livro de Sóror Saudade, encontraremos, talvez, os versos de Espanca mais conhecidos do público brasileiro; o poema Fanatismo, que foi musicado por Raimundo Fagner no disco Traduzir-se. Os versos que dizem: “Não és sequer razão do meu viver, / Pois que tu és já toda a minha vida/ (...) / Que tu és como Deus: Princípio e fim!”, já mostram o que será o amor nessa obra de Florbela e nos versos que seguirão; o amor é o principal tema, aparecendo escrito em letra maiúscula, o amor é dependência, o ser amado é toda a vida do eu lírico. A melancolia também será um dos sentimentos desse livro, se nos versos Florbela é outono, se lembra de que um dia foi primavera, ao contrário do livro anterior, onde ela dizia que sempre tinha sido triste. Essa contradição demonstra que apesar de sua vida se espelhar em sua obra, ela não é meramente autobiográfica, como um diário de confissões, há um exagero na dor que coloca em seus versos. Nesse livro, mais que no anterior, também encontraremos um erotismo, uma declaração de uma mulher que possui desejos – rompendo completamente com o papel de boa moça que não deseja. Aqui também, em alguns versos teremos a visão da morte da própria poetisa, uma descrição do seu corpo deitado com flores sobre o peito e os olhos roxos fechados.

Esse é apenas um pouco do que se encontra na obra de Florbela, toda sua obra é digna de atenção e belíssima em cada verso, tendo, claramente, seu ápice em Charneca em flor – escrita no momento mais triste da sua vida; essa arte que continua surgindo da tristeza ainda permanece como mistério, apesar de que nem só da tristeza nasce a arte.

Pode parecer simples, mas no momento em que Florbela escrevia se assumindo mulher em seus versos, tendo voz e dizendo o que sentia, e seus desejos, ela se afirmou como mulher capaz de escrever e provou que essa tarefa não era exclusiva a homens. Toda mulher, que se coloca como figura pública faz avançar outras tantas mulheres, e diz, que ao contrário do que a sociedade tem como norma, o espaço destinado a mulher não é apenas o espaço privado; mas, sim, o espaço que ela desejar ocupar. Florbela Espanca nos deixou versos tristes e belos, que ainda hão de povoar muitas pessoas fazendo dela, mesmo depois de 85 anos de sua morte, aquilo que ela sempre quis ser: uma poetisa capaz de tornar suas dores e tristezas em beleza.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias