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FRANÇA | Fim do reinado de Hollande e a ameaça de uma crise institucional

A crise de autoridade do presidente francês François Hollande adquire níveis inéditos na V República, ameaçando crise institucional.

Juan ChingoParis | @JuanChingoFT

quarta-feira 30 de novembro de 2016 | Edição do dia

Enquanto a direita celebra a vitória de seu candidato conservador neoliberal em uma primária massiva, a centro (esquerda) burguesa francesa se desgarra a passos largos, enfraquecendo a níveis inéditos a figura presidencial.

Assim, em poucos dias, observamos um candidato declarado às primárias da “esquerda” social liberal, Arnaud Montebourg ( ex ministro da indústria, que sob o pomposo título de ministro da Recuperação Produtiva, ajudou na realidade a dar continuidade a desindustrialização relativa da França) , chamar os eleitores de direita a votar nele para derrotar o presidente em exercício, se este ousar se propor; depois, o quarto personagem do Estado, Claude Bartolone, presidente da Assembleia Nacional, declarou seu desejo que Manuel Valls dispute com François Hollande, sendo os dois as principais figuras do atual governo; e a continuação, as palavras do mesmo primeiro ministro, ameaçando dar um passo nesta improvável aventura de se candidatar contra o presidente, antes de retroceder sem que nada esteja realmente claro entre o chefe de Estado e o primeiro ministro.

A explicação desta desordem vem do enfraquecimento da figura presidencial, ela mesma ligada a perda de autoridade de Hollande, não só sobre o conjunto dos franceses, mas em especial sobre seu próprio campo político. Hollande não aparece como um candidato natural à reeleição, senão que alguns dentre a maioria governamental querem o impedir de participar no exercício de relegitimação a que estaria disposto a submeter-se (às primárias francesas), inclusive toda uma seção da velha esquerda plural – Europe Ecologie, Les Verts, o Partido Comunista Francês, os radicais de esquerda – já se separou.

Seis meses para as eleições presidenciais: a ameaça de uma crise de regime

A realidade é que o fim do reinado de Hollande ameaça se converter em uma crise do regime. Como disse um ministro nos bastidores: “Estamos em uma crise do regime”, “Temos que retornar a 1976 para reencontrar uma crise de tal magnitude da maioria”, disse outro.

Todos os cenários são ruins e de um risco máximo para o responsável do Eliseo, sede da presidência francesa.

Já é possível que Hollande acabe desistindo de se candidatar para sua reeleição (seria a primeira vez que isso ocorre na V República) e deixando a via livre para seu primeiro ministro, a quem considera um traidor, já que com suas campanhas e manobras o enfraqueceu tanto, quando o havia prometido lealdade. Seja se apresentando as primárias e perdendo como presidente em exercício na primeira ou no segundo turno, outro cenário de catástrofe.

É que este exercício, a princípio não aceito por Hollande e depois acatado para se relegitimar, arrisca se transformar num “Todos contra Hollande”. É assim, que após o encerramento temporal da crise no seio da chapa do centro Hollande/Valls a última segunda feira com a retirada do segundo (falta do apoio no seu próprio campo, prestes a perder a imagem de homem de Estado com a qual sonha se apresentar ao ser o instigador de uma crise de tal magnitude contra a autoridade presidencial), os mais próximos ao presidente tentam uma manobra de última hora para sortear as primárias e que assim Hollande como presidente em exercício possa se apresentar para seu campo sem passar por este calvário. Manobra que foi rechaçada completamente pelo presidente do PS, que vê nas primárias, a última tábua de salvação – talvez ilusória- para reverter parcialmente a acelerada “pasokizacion” do PS.

A ruptura do “povo de esquerda” desestabiliza todos os cenários

O fato novo é a ruptura da própria base social do presidente. Por exemplo, em 2012 (data das últimas eleições presidenciais) o antisarkozismo era de massas no país, mas jamais Sarkozy perdeu o apoio do coração de seu eleitorado que o apoiou de forma fanática até sua derrota por pouco para Hollande. Por isso, as manobras de uma candidatura de Fillon, o então primeiro ministro de “Sarko” naquele momento, não puderam prosperar. Hollande, pelo contrário perdeu o conjunto do apoio do “povo de gauche” (“povo de esquerda”) depois de sua política anti-operária e neoliberal no econômico e no social, da qual a última reforma laboral foi a gota d’agua que transbordou o copo, depois de seu giro para a extrema direita na seguridade social com seu projeto fracassado de reforma constitucional. Um projeto que pretendia retirar a nacionalidade dos cidadãos condenados por terrorismo e incluir na Constituição o estado de emergência, medida as quais somente o regime fascista de Vichy durante a ocupação nazista da França havia se atrevido.

Para onde irá o “povo de gauche” decepcionado? Ninguém ainda sabe, em meio ao triunfo de uma direita dura, abertamente ultra-liberal, desestabiliza os cenários tanto a direita, onde aparece um candidato menos “mundialista” e mais conservador no social que o anterior favorito dos Republicanos (atual nome do partido da direita tradicional na França), ainda que deverá encontrar a forma de chegar ao eleitorado popular que num total de 90% não se dispôs a votar nas primárias da direita e do centro, assim como na da esquerda.

Nesse último espaço político a aparição de Fillon e seu choque thatcheriano sobre os funcionários, a seguridade social e a jornada de trabalho com a liquidação das 35 horas, volta a embaralhar as cartas.

Entoará um último canto do cisne a esquerda social liberal, reforçando senilmente o bipartidarismo? É essa a janela de oportunidade e esperança que ainda mantém Hollande e todos os candidatos da primária da “esquerda”. Será o social democrata reciclado Jean-Luc Mélenchon, quem de forma totalmente personalista e com toques soberanistas de esquerda tomou a ponta e hoje se beneficia – no marco da crise, desavenças e a falta de candidato do PS – de ser o único candidato já instalado à esquerda do PS?

O fato é que no último fim de semana, os militantes do PCF (Partido Comunista Francês) decidiram em uma votação dividida manter finalmente sua candidatura, depois do rechaço prévio dos quadros da organização, confirma-se sua estratégia de se converter num Pablo Iglesias à francesa. Estratégia que encontra resistências à esquerda, já que diferentemente do exemplo espanhol, Melenchon tem todos os vícios reformistas e populistas ( no seu último livro se define como o último miterrandiano, em referência a François Miterrand, líder histórico da esquerda socialdemocrata francesa, responsável em 1981 por legitimar a antidemocrática V República e as demissões em massa pela indústria que impulsionaram a rápida declinação ainda que relativa da França como potência industrial), mas nenhuma de suas virtudes: o antigo ministro da Esquerda Plural do fim da década de 90 é um velho político profissional francês de longa trajetória.

Entretanto, ainda que questionado pela esquerda, poderia ir se impondo pela falta de outra alternativa a esquerda de independência de classe e revolucionária, como seria uma candidatura do NPA, LO e as principais referências da última luta contra a reforma laboral como os casos emblemáticos de repressão estatal aos habitantes dos bairros populares.

De outro modo, a multiplicação de candidatos nesse espaço político prefigura uma forte fragmentação do voto e o resultado de que nenhum candidato chegue ao segundo turno, como já sucedeu nas eleições presidenciais de 2002 após o governo da Esquerda Plural e seu candidato Lionel Jospin.

Se confirmado esse cenário, o que farão os eleitores de esquerda no segundo turno? Votarão no ultraliberal Fillon frente a extrema direita de Le Pen, numa repetição na principal eleição francesa do voto contra sua candidatura e de sua sobrinha, Marion Marechal Le Pen, nas eleições regionais do norte e sul da França frente a dois candidatos de direita dura, um especialmente fascista como Estrosi na região Mediterrânea?

Foi este voto “com o nariz tapado” de uma parte do “ povo de esquerda” nesses candidatos de direita antes da consumação da ruptura com Hollande que resultou na reforma laboral, que impediu que o FN (Frente Nacional) não conseguisse nenhum cargo executivo apesar de sua alta eleição no primeiro turno. Se repetirá esta situação nas eleições presidenciais condenando a FN a ser uma espécie francesa do velho PCI na Itália, ou seja, o primeiro partido em termos de votos, mas excluídos pelos Acordos da Guerra Fria a toda variante de governo? É no que aposta Fillon. O dique de contenção a toda renovação radical pela esquerda ou pela direita que ainda segue sendo o sistema de dois turnos da V República lhe dá confiança de ganhar sua batalha.

Entretanto, ainda que este cenário possa ser o mais provável, nada é totalmente seguro no dinâmico mapa político internacional e nacional, onde a volatilidade política é a nova constante, como mesmo as primárias da direita acabam de demonstrar se evaporando em menos de um mês a candidatura de dois favoritos, incluído um ex-presidente.

Tradução: Yuri Marcolino




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