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CONTROLE OPERÁRIO | FRANÇA: Os trabalhadores devem exigir a produção de respiradores, não de carros

segunda-feira 23 de março de 2020 | Edição do dia

Confrontados com muitos pedidos de direitos de licença no trabalho por ameaça à vida ["droit de retrait", garantido por lei na França], a direção do grupo PSA [importante fabricante de automóveis no país] se viu forçada a paralisar as atividades. Mas nada é definitivo, por ora. O fechamento está previsto até o dia 30 de março, mas a patronal não vai hesitar em forçar a reabertura das fábricas do grupo, como a de Mulhouse, cidade super avançada quanto à crise sanitária na França. Nestas condições, os trabalhadores devem se organizar. Trabalhar, ok, mas segundo as nossas condições e somente para ajudar a resolver a crise sanitária, não para encher os bolsos da PSA.

Artigo publicado originalmente em francês, traduzido por Lina Hamdan, escrito por Vincent Duse, delegado sindical eleito na CGT PSA Mulhouse e membro da direção do NPA

PSA Mulhouse: patronal perigosa para os trabalhadores

Na cidade de Mulhouse estamos na linha de frente da crise, com o nível mais alto da pandemia na França há duas semanas, muitos casos identificados e muitas mortes. É nesta região que as escolas fecharam muito antes do resto do país. Mas como dizem os próprios colegas de trabalho, eles fecham as escolas, mas os "prole" continuam obrigados a trabalhar como se nada tivesse acontecendo.. ao menos até o momento em que conseguimos impor o fechamento da fábrica da PSA. Antes disso, além de pequenas medidinhas, nada havia sido realmente feito para proteger os trabalhadores: nem álcool em gel, nem lenços de limpeza das ferramentas que são utilizadas frequentemente por várias mãos, e o resumo de produção feito antes dos trabalhadores entrarem em seus postos de trabalho eram realizados reunindo 50 lado a lado um do outro.

Mas os trabalhadores não são burros. Após o discurso oficial televisionado de Macron e suas longas falas quanto ao perigo do vírus e os riscos para a saúde, aqueles do setor de logística da montadora vieram me procurar para dizer que eles queriam fazer um pedido de direito de licença [garantido por lei quando se comprova a ameaça à vida do trabalhador]. Um trabalhador havia contraído a doença e estava em terapia intensiva desde o início de março. No entanto, nenhum de seus colegas não havia sido notificados quanto a isso e nenhum fora colocado em quarentena! Um bando de irresponsáveis. Os trabalhadores não queriam continuar a trabalhar com essa angústia enorme, é claro, e tudo isso para a produção de carros. Eles ameaçaram a direção da logística de responsabilizá-la se eles se adoecessem ou se um deles contaminasse alguém de suas famílias. Ao mesmo tempo, vários trabalhadores foram enviados para a casa pelos bombeiros da fábrica por estarem se sentindo mal e tendo febre. Constatamos a cada dia mais casos, sem que a direção tomasse a decisão de paralisar a fábrica.

Foi preciso que a direção central da PSA tomasse a decisão de fechar a planta no dia 17 de março. Em todo o grupo, nacionalmente, o número de pedidos de licença não parava de aumentar e a direção se viu obrigada a fechar a fábrica para evitar ser confrontada com seu fechamento realizado diretamente pelos operários. Mas nada está resolvido. O fechamento está previsto até o dia 30 de março, mas depois disso eles irão tentar forçar a reabertura das fábricas, incluindo a de Mulhouse. É nessas situações que é preciso reagir enquanto classe, pois não podemos morrer para sustentar os lucros do grupo PSA que somam, ainda hoje, mais de 3 bilhões.

Eles podem, facilmente, manter os salários de todos os trabalhadores e trabalhadoras tanto efetivos quanto temporários, através dos lucros do grupo PSA, o que eles se recusam a fazer até agora. Até mesmo os médicos da fábrica vem nos explicar que basta "ficar à distância" e que "tudo vai ficar melhor" ... É claro que é são os médicos da patronal que valida a posição da direção e dizem para aqueles que queriam ouvir que apenas os idosos estavam em risco com relação ao coronavírus. E quando perguntei como explicar, neste caso, que o médico chinês que havia alertado sobre a doença morreu aos 36 anos, eles responderam que ele era um opositor ao regime de Pequim …

Em Mulhouse e na região de Alto Reno estamos vivendo uma catástrofe

A situação na fábrica é igual à do departamento de Alto Reno, na região da Alsácia, onde as crianças estão fora da escola há muito tempo. Isso depois de uma procissão evangélica de quase 2.000 pessoas onde doentes estavam presentes ... Mas isso poderia não ter ocorrido. De qualquer forma, a pandemia se espalhou amplamente na região, com hospitais que já estão superlotados há vários dias com inúmeras situações dramáticas. Em poucos dias, a doença causou tantos estragos que o sistema de saúde da Alsácia não pode acomodar a demanda de terapia intensiva e reanimação. Os cuidadores estão esgotados e já foram obrigados de fazerem uma triagem dos doentes separando os que serão deixados para morrer e aqueles que podem viver ou, pelo menos, esperar que sejam atendidos. Somos confrontados com situações dolorosas de pacientes que morrem sozinhos, mas também mortes "em cadeia": um cuidador de Mulhouse disse que houve três mortes em apenas uma hora em um dia.

O que mais me revolta é que toda essa situação é a conseqüência "lógica" da política de saúde do Estado. Durante anos, nos dizem que precisamos superar números e obter lucros. E hoje nos falta tudo: respiradores, máscaras, álcool em gel, leitos ... Os cuidadores também estão começando a ser afetados. Em Estrasburgo, existem 111 casos de Covid-19 entre os funcionários do hospital. Morrendo para salvar a população ... esta é a "solução" que o governo oferece aos cuidadores e trabalhadores da saúde.

Por todas essas razões, não podemos aceitar que apenas os lucros dos patrões estejam protegidos da crise! Dezenas de bilhões dados de presente para as empresas, mas apenas 2 bilhões pelos nossos serviços de saúde? Como podemos confiar nesse governo que deixa as pessoas morrerem e salva os mercados financeiros?

Para enfrentar a crise sanitária, precisamos exigir um plano único de saúde sob o controle dos trabalhadores da saúde, cientistas e usuários, nacionalizando estruturas privadas de saúde para colocá-las a serviço da luta contra a pandemia. Mas também precisamos exigir a reorganização da produção das fábricas da região para colocá-la também a serviço da luta contra o Covid-19 e sob o controle dos trabalhadores. Mais do que nunca, a sociedade precisa de cuidadores, não de acionistas!

Trabalhar sim, mas sob nossas condições e somente para ajudar a resolver a crise sanitária, não para encher os bolsos da PSA!

O que a crise sanitária do coronavírus coloca em evidência é que o sistema de produção funciona de cabeça para baixo simplesmente porque sua lógica subjacente é obter lucro para uma minoria, a qualquer custo e independentemente dos riscos. É por isso que, apesar das condições de segurança deploráveis e dos riscos óbvios da propagação do vírus, o governo incentiva as fábricas a permanecerem abertas. Por um lado, a lei de emergência sanitária os autoriza a reverter nossas conquistas trabalhistas e nos forçar a trabalhar; por outro, eles tentam comprar nossa saúde com seu bônus ridículo ... É por isso que não podemos aceitar a união nacional proposta por Macron, que é incapaz de responder a uma crise que ele próprio participou da criação.

Para ajudar a resolver a crise pela qual estamos passando, é possível e até desejável converter as empresas do setor automotivo para produção de respiradores. Mas não como fez o governo reacionário da Inglaterra de Boris Johnson, que procura passar a ideia dos empresários como benfeitores da humanidade. Em vez disso, questionando a propriedade privada dos meios de produção e acabando com a lógica do mercado que é a mesma lógica deste sistema e daqueles que estão no comando hoje. Apropriar as fábricas, sem indenização ou compra, para produzir tudo o que é necessário para a população, combater efetivamente a doença e ajudar concretamente hospitais e cuidadores. Isso deve ser assegurado sob o controle dos trabalhadores, que são os únicos que podem garantir sua segurança, estabelecendo coletivamente regras e dispositivos consistentes para evitar a contaminação e a propagação do vírus. Trabalhar, sim, mas sob nossas condições e para ajudar a resolver a crise da saúde, não para encher os bolsos da PSA!

A reapropriação dos meios de produção e sua reorganização para fins úteis é uma das tarefas centrais dos militantes no período. Muitos trabalhadores estão se perguntando não apenas a questão de sua proteção no trabalho, mas também as perspectivas de fabricar produtos para realmente combater a epidemia.

Ajudar a produzir aparelhos respiratórios, não carros

Os patrões nos pedem para sermos flexíveis, produtivos, para nos adaptarmos aos acasos do mercado ... tudo isso para produzir carros. Mas não queremos arriscar nossas vidas e as vidas de nossos entes queridos apenas para manter a produção e continuar como se não estivéssemos em tempos de crise. Mas imagine por um momento sequer que possamos colocar toda a nossa força na construção de peças para ajudar a produzir dispositivos de assistência respiratória, por exemplo. Imagine que podemos colocar nosso conhecimento técnico e produtivo para servir à humanidade e não à busca de lucro, com as habilidades que encontramos nas fábricas de produção, investindo em pesquisa e desenvolvimento de forma independente. Obviamente, como sempre, você encontrará especialistas que lhe explicarão que isso não é possível, que é muito difícil e assim por diante ... especialmente quando são especialistas disponibilizados pelos patrões!

No entanto, nossas fábricas possuem máquinas de ponta e possuem grandes recursos financeiros. Poderíamos colocar essas ferramentas, nossas habilidades e nossa força de trabalho em uma batalha comum para contribuir para salvar vidas. Seria até possível multiplicar as capacidades produtivas das fábricas de automóveis, onde as linhas de montagem poderiam fabricar as peças necessárias para os respiradores em pouco tempo. As especificações seriam ditadas pelas necessidades imediatas da sociedade e as condições de trabalho seriam boas porque seríamos nós quem decidiríamos. Muitos seriam os trabalhadores motivados a realizar um trabalho de qualidade real, com muitas verificações no final da cadeia. Também poderíamos nos beneficiar da ajuda de profissionais de saúde que poderiam vir às fábricas para nos guiar e compartilhar seu conhecimento; trabalhar lado a lado com aqueles que já estão na linha de frente.

Neste momento, os patrões, ajudados pelo governo, estão se organizando para reabrir a todo custo as fábricas que foram fechadas sob pressão de seus trabalhadores, nas indústrias automobilísticas ou aeronáuticas, por exemplo. Alguns até estão prontos para distribuir milhares de máscaras a seus funcionários para reiniciar a produção, pouco importa se eles serão privados do acesso a profissionais de saúde para os acompanhar, mesmo que sejam os primeiros a precisar deles e muitos deles estejam contaminados tentando gerenciar os pacientes mais críticos. É o caso da Airbus, que deve receber 20.000 máscaras cirúrgicas!

Durante esse período, fica claro que as lideranças sindicais desapareceram dos radares... Embora a CGT seja a confederação sindical mais importante, ela não propõe nenhuma iniciativa e deixa aos sindicalizados de base a responsabilidade de organizar a segurança dos trabalhadores em seus locais de trabalho. Estes últimos mostraram nos últimos dias que são capazes de realizar um trabalho exemplar, organizando-se para exercer seu direito de licença ou fechando suas fábricas, apesar da relutância da administração da empresa. Em vez de seguir a liderança sindical acriticamente e permanecer um espectador dessa batalha, a extrema esquerda deve tomar para si essa luta.

A única saída progressista da crise pela qual estamos passando é começar reorganizando a produção em setores essenciais ou naqueles que podem participar da produção do equipamento necessário para conter a epidemia. Isso só pode ser garantido pelo controle democrático dos trabalhadores nas fábricas e empresas que devem ser capazes de garantir suas próprias condições de segurança e de trabalho, única condição para retomar o trabalho. Mais do que nunca, a alternativa que se coloca para nós é o socialismo ou a barbárie.




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