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FOTOGRAFIA | Exposição: A Valise Mexicana

Aos 80 anos da Guerra Civil Espanhola, a Caixa Cultural traz ao Brasil um acervo fotojornalístico inédito do conflito, dado por perdido desde o final da década de 30 e recuperado ao final dos anos 90, só sendo exposto pela primeira vez em 2010.
Robert Capa, David “Chim” e Gerda Taro, jovens judeus vindos da Alemanha, Hungria e Polônia, inovaram na maneira de retratar as guerras e foram fundamentais para mostrar ao mundo com as conquistas dos revolucionários, bem como denunciar as atrocidades cometidas pelo fascismo então nascente.

quarta-feira 24 de agosto de 2016 | Edição do dia

Quando? Até 2 de outubro
Local: Caixa Cultural (Praça da Sé, 111)
Horário: 9h às 19h

Um panorama histórico

Ao final da primeira guerra os trabalhadores espanhóis voltavam a fazer grandes greves e manifestações. O Rei Alfonso XIII dissolve o parlamento, dando início à ditadura do General Primo de Rivera, que com a crise de 29, se vê obrigado a fugir do país em 1931. É inaugurado então o primeiro governo de Frente Popular.
A fuga de Rivera tinha colocado a classe operária em movimento, e a entrada dos socialistas no governo de coalizão tinha o objetivo de tentar canalizar essa atividade nos limites de interesse das classes dominantes. O PSOE foi o principal freio das massas nesse início do processo revolucionário, formulando uma constituição com católicos e republicanos, que declarava as greves ilegais, postergava a reforma agrária para os séculos seguintes e mantinha intacta toda a estrutura do exército e os privilégios do clero. Como os mencheviques russos, acreditavam que a Revolução Espanhola deveria se manter nos marcos da democracia burguesa. À classe trabalhadora, restava um longo caminho de oposição dentro do parlamento para, quiçá um dia, lutar pelo socialismo.1

A presença dos socialistas no governo nunca chegou a conseguir frear as greves, ocupações e queimas de igrejas, embora logo as reprimisse. Foi a partir desse impasse que a Direita aproveitou para atacar radicalismo e desordem, se elegendo em 1933, o que foi revertido em 36 elegendo uma nova Frente Popular por estreita diferença de votos. Antes mesmo de o novo governo assumir, a população começou a libertar os presos e a se rebelar, coletivizando terras e tomando armas de militares amotinados. O governo, no entanto, seguia buscando a restauração da ordem, dessa vez com o apoio dos estalinistas e dos anarquistas. As principais forças da Frente Popular se utilizaram da sua legitimidade entre os trabalhadores para ir gradativamente minando a propriedade coletiva conquistada pelos operários, financiando e organizando a reconstrução do aparato repressivo.2 Os primeiros conflitos entre o poder dos comitês e o poder burguês giraram em torno justamente do domínio dos bancos, que ficou em mãos da UGT socialista e do governo liderado pelos republicanos. Estes começaram a negar empréstimos e financiamentos às indústrias coletivizadas e utilizaram esses recursos para reconstruir os corpos armados capitalistas destacados da população, como a polícia e o exército regular.3

O dirigente revolucionário Trotsky explica como a debilidade estratégica do anarquismo os tornava dependentes do Partido Comunista, que por sua vez precisava evitar as revoluções para manter sua própria estabilidade interna sob os interesses da burocracia privilegiada da qual Stalin era o principal representante:
“Apressaram-se em tirar as máscaras de socialistas e anarquistas, com a esperança de poder voltar a utilizá-las quando Moscou lhes tivesse restabelecido a democracia burguesa. Para completar a lista de conveniências, esses senhores podiam justificar sua traição ao proletariado pela necessidade da aliança militar com Stalin. Por sua vez, esse último justificava sua política contrarrevolucionária pela necessidade de aliança com a burguesia republicana. (...) Em um ano e meio de guerra civil seria possível fazer avançar a indústria de guerra espanhola, adaptando uma série de fábricas civis às necessidades da guerra. Se esse trabalho não foi levado adiante isso se deve unicamente a que as iniciativas das organizações operárias foram atacadas tanto por Stalin, como pelos seus aliados espanhóis. Uma potente indústria de guerra seria uma poderosa arma em mãos operárias. Os chefes da Frente Popular preferem depender de Moscou. Precisamente nessa questão aparece, de forma particularmente clara, o nefasto papel da Frente Popular, que impunha às organizações operárias a responsabilidade pelas transações da burguesia com Stalin.

À medida em que os anarquistas se encontravam em minoria, evidentemente, não podiam impedir que o bloco dirigente fizesse acordos com os que lhe parecessem convenientes, com os amos de Moscou, Paris e Londres, mas o que, sim, poderiam e deveriam fazer era ser os melhores combatentes na frente, distinguir claramente as traições e os traidores, explicar a verdadeira situação das massas, mobilizando-as contra o governo burguês para aumentar cada dia mais suas forças para, ao final, se apoderar do poder, e com ele, das armas de Moscou.”4

É fato sabido que os anarquistas poderiam ter tomado o poder e organizado um governo dos trabalhadores que tinham criado seus próprios órgãos de poder, tinham tomado fábricas e procuravam regular a produção. Poderiam conquistar o apoio do campesinato. Recusaram.

“Liquidada a revolta na Catalunha, o presidente da Generalitat, Luis Companys, nos chamou para conversar e saber quais eram nossos objetivos. Chegamos à sede do governo catalão com as armas na mão, sem dormir há vários dias, aparentando que era real o mito que tinham criado de nós. Alguns dos membros do governo da região autônoma tremiam pálidos no meio da reunião, à qual faltava Ascaso. O palácio do governo foi invadido pela escolta dos combatentes que nos acompanhava. Companys nos cumprimentou pela vitória. Podíamos ser únicos, impor nossa vontade absoluta, declarar caduca a Generalitat e instituir em seu lugar o verdadeiro poder do povo; mas nós não acreditávamos na ditadura quando era exercida contra nós e não a desejávamos quando podíamos a exercer contra os demais. A Generalitat continuaria em seu posto, com o presidente Companys a sua cabeça, e as forças populares se organizariam nas milícias para continuar a luta pela libertação da Espanha. Assim, surgiu o Comitê Central de Milícias Antifascistas da Catalunha, onde demos entrada a todos os setores políticos liberais e operários.”5

Sobre o internacionalismo como um princípio

O que significaria a vitória dos trabalhadores espanhóis para os franceses, que na mesma época realizavam uma onda de greves gerais e ocupações de fábricas? Derrotados com a conivência das direções socialistas, anarquistas e estalinistas da época, enamorados de seu próprio governo democrático, pouco tempo depois foram lançados na Segunda Guerra Mundial para matar e serem mortos por trabalhadores de outros países imperialistas, cada um em nome dos interesses de quem os explorava.

A grande democracia dos EUA também observava ansiosa os resultados dos métodos de guerra empregados por Franco contra os trabalhadores de seu próprio país, voluntariados às centenas para apoiar os trabalhadores espanhóis. Interessava-os saber se os ataques rápidos e devastadores poderiam aniquilar a vontade de resistir das massas insurretas. Trabalhadores te todo o mundo responderam heroicamente que não.

Mesmo a Igreja Católica sendo um dos maiores aliados do franquismo, no norte os clérigos se aliaram aos republicanos, pelo direito à autodeterminação de seu povo Basco. O mesmo direito, aos marroquinos no sul, foi negado. Do Marrocos vinham substanciais contingentes do exército de Franco. Assim como os campesinos, porque lutariam por uma democracia que lhes oprime?

Não por acaso, fortalecido por marroquinos e com armas alemãs, Franco ocupou o norte, a partir do território basco e bombardeou Guernica, tragédia retratada no arqui-célebre trabalho de Picasso.

O papel dos intelectuais

Chim tinha preferência por retratar pessoas e não as cenas de combate. Tem fotos de importantes republicanos, como o poeta Federico Garcia Lorca, o governador de Madrid Azaña, e a destacada dirigente republicana Dolores Ibárruri.

Uma das primeiras fotos na exposição é de 1936, durante a Assembleia da Reforma Agrária, em que Chim foca em meio à multidão uma mulher com seu filho, numa posição e vestimentas que obrigavam a um paralelo com Nossa Senhora. A arte já mostra então um pouco de seu potencial, valendo-se de elementos externos à própria imagem feita em um país em que o poder é profundamente ligado à Igreja Católica, a sensibilizar o mundo para a causa.

Outro destaque da exposição é o audiovisual de Henri Cartier-Bresson e Herbert Kline. Incentivados por Robert Capa, produziram um vídeo onde está registrada a ação dos estadunidenses e canadenses na guerra contra o fascismo. O vídeo foi trazido por um combatente que retornou à América e logo se tornou uma campanha de médicos norte-americanos para arrecadar fundos e resgatar seus compatriotas feridos em decorrência da luta por uma causa justa.

Nesse registro de aproximados 15 minutos, vemos mulheres e homens, negros e brancos, lutando ombro a ombro, misturando a operários e sindicalistas, intelectuais e artistas.

Vemos a solidariedade dos indivíduos que ante as necessidades da guerra, ensinavam uns aos outros sobre o domínio de tecnologias importantes na época, como o mimeógrafo. Ante as necessidades do espírito e pintavam faixas imensas com poemas a serem estendidos pelos prédios. Vemos o esporte e a música eram elementos de confraternização entre os aliados, mas entretinham os feridos. E que arte o Sindicato dos Cozinheiros da Espanha organizava, em refeições nutritivas e saborosas que ajudavam a manter alguma qualidade de vida entre as tropas.
Vemos no vídeo feito por intelectuais estrangeiros a solidariedade internacionalista do proletariado internacional, como as máquinas-chuveiros doadas pelo Sindicato dos Metalúrgicos Franceses.

Nas palavras da curadoria dessa exposição que retrata um processo histórico revoltante e ao mesmo tempo tão inspirador: As fotografias contidas na “Valise Mexicana” comprovam que Capa, Gerda e Chim, respectivamente com 23, 25 e 24 anos quando do início da guerra – tinham os pés cravados no chão e não estavam apenas freelando para revistas francesas. Estavam ombro a ombro com os republicanos nas ruas, marchando juntos pela mesma causa. Alex Kershaw escreveu em seu livro Sangue e Champagne: a vida de Robert Capa, que a Guerra Civil Espanhola “a primeira chance de combater o totalitarismo nas trincheiras com uma arma poderosa: a Leica”. Assim, de duas coisas não se pode discordar: I. de que fotógrafos de guerra são combatentes; II. de que câmeras fotográficas são armas poderosas.

1. QUIOZINI, A. “A vitória era possível”. A Revolução Espanhola. São Paulo: Editora Iskra, 2014
2. ESENWEIN, G. “Sindicalismo de massa e anarquismo na Espanha do século XX”, O olho da história, n.2, UFBA, 1996
3. BROUÉ, P. A Revolução Espanhola. São Paulo: Editora Perspectiva,1992
4. TROTSKY, L. “Espanha – Última Advertência”. A Revolução Espanhola. São Paulo: Editora Iskra, 2014
5. SANTILLÁN, A. Por qué perdimos la guerra.




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