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100 ANOS DE SAMBA | “Eu sou o samba, a voz do morro sou eu mesmo, sim senhor” – Saudações de um senhor de 100 anos

De origem afro-baiana e tendo como tempero ingredientes cariocas, o samba brasileiro, em 2016, completa 100 anos, e, em um século de vida, experimentou transformações e ressignificações diversas nos âmbitos econômico, social e musical, chegando, por fim, ao que hoje se conhece como samba.

José Ferreira JúniorSerra Talhada – Pernambuco

domingo 13 de novembro de 2016 | Edição do dia

Foto: Daiane Souza

O samba, que tem como ascendência o lundu, principiou como sendo dança de roda, de origem angolana e aqui aportando com os escravos, isso ocorrendo, principalmente na Bahia. Também era conhecido por umbigada ou batuque.... Um dançarino, no centro de uma roda, dançando ao som de palmas, vozes e objetos de percussão, dava uma umbigada em outro companheiro de roda, convidando, assim, o outro (receptor da umbigada) a entrar no meio do círculo e também sambar.

A formação econômica e social de um determinado espaço funcionam como elementos que influenciam as construções humanas. No Brasil, com o samba, não foi diferente. Ou seja, fatos históricos ocorreram que, quando analisados, demonstram como foram significativos para a construção daquilo que hoje se conhece como samba.

A decadência da empresa açucareira nordestina e, com ela, o deslocamento do eixo econômico para o que hoje se conhece como Sudeste, trouxe também escravos nordestinos para o espaço sudestino. Após a abolição, os ex-escravos principiaram divulgação da ritimia de matriz africana na capital do país, ou seja, na Corte, instalada no Rio de Janeiro.

As reuniões se davam em casas de particulares, onde ocorriam as festas de terreiro, umbigadas e jogo de capoeira, ao som de atabaques e pandeiros. Assim, o samba ganha os contornos daquilo que hoje se lhe faz presente.

Em 1917, dá-se a gravação do primeiro samba no Brasil, intitulado de “Pelo Telefone”, de autoria de Ernesto dos Santos, o Donga. Posteriormente, com a inauguração do rádio, em 1922, utilizando-se desse veículo de comunicação em massa, o samba se populariza, chegando à classe média e, com isso, conquistava a indústria fonográfica. Como exemplo de absorção pela elite, cite-se, entre muitos exemplos, Noel Rosa, estudante de Medicina e Ari Barroso, estudante de Direito...
Nada obstante sua popularização, esta andava na contramão da legalidade. Ou seja, ser sambista era sinônimo de malandragem e esta, por sua vez, de vadiagem que, por não pouco tempo, no país da “seriedade” chamado Brasil, dava cadeia.

Assim, bastava serem detectados calos nos dedos da mão esquerda de alguém, mão que se usa para formar notas e acordes no braço do violão (em caso do músico ser destro), para esse alguém ser recolhido ao xadrez. Ser sambista era estar na ilegalidade, embora muita gente da alta sociedade comungasse das rodas de samba, onde se reuniam os bambas...

O Estado Novo e a cooptação do samba...

Quando efetivou o golpe de 1937, Getúlio Vargas, precaveu-se contra toda e qualquer manifestação midiática – à época, veiculada em revistas, jornais e principalmente no rádio – contrária à sua ideologia estadonovista que tinha em Agamenon Magalhães, pernambucano de Serra Talhada, seu ideólogo-mor, ao ponto de Vargas chamá-lo “meu carrasco” e apontá-lo e a Pernambuco (sob interventoria agamenônica), aos outros interventores, por ele nomeado, como exemplo a seguir.

Para satisfazer a preocupação do golpista, foi idealizado e criado o Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP. Este órgão ditatorial tinha como função, além de promover a figura de Vargas, estancar qualquer que fosse a manifestação contra o ditador. Tratava-se da censura oficializada. Tudo que se relacionasse à divulgação teria que, antes da exposição, passar pelo crivo do DIP.

É nesse diapasão ditatorial que Vargas determina aos membros do DIP a procurar os compositores de samba e “convencê-los” em dar valorização e ênfase ao trabalho em suas composições. Tratava-se de cooptar as hostes sambistas... Na verdade, estava ali, em ação, o Estado em seu agir na busca do consenso, como o diz Gramsci... Em outras palavras, dizia o governo que era melhor continuar cantando samba (desde que fazendo apologia ao mote do governo golpista, que dava ao trabalho e ao trabalhador lugar de destaque, este último, pelo menos discursiva mente) do que ser proibido de fazê-lo (aqui a outra faceta do Estado, a força...)
Diante desse agir estadonovista, emblemático é o caso do samba “Bonde São Januário”, de autoria de Wilson Batista e Ataulfo Alves e sucesso na voz de Ciro Monteiro, cuja letra original (ainda que haja controvérsia) era assim:

“O Bonde São Januário
Leva mais um sócio otário
Sou eu que vou trabalhar..."

Após o “convencimento” feito pelo DIP aos autores, a letra passou a ser assim:

“O Bonde São Januário
Leva mais um operário
Sou eu que vou trabalhar...”

A proposta do governo golpista de Vargas, em semelhança ao governo golpista atual, como figura política com as devidas mediações, procurava através da mídia (à época, a mídia radiofônica... O samba, como instrumento) promover engano à parte da população discordante com o golpe aplicado. Seria, de maneira diferente dita, a frase proveniente do ignominioso governo golpista institucional de Michel Temer: “Não pense em crise, trabalhe!”

A continuidade do samba, ante os demais ritmos musicais...

Os anos 1960 e 1970 se tornam palco, no mundo, para o Rock and Roll. O Brasil, não descolado do mundo e principalmente da América, xenófilo por excelência, abre-se, melhor dizendo, escancara-se à distorção da guitarra, à estridência das vozes.... Abre-se ao Rock and Roll...

Nesse instante, o samba acusa o golpe recebido.... Experimenta um encolhimento, mas em nenhum momento deixou de fazer-se ouvido, no rádio, na televisão, nos toca-fitas, radiolas... Seus fãs estabeleceram resistência à onda estrangeira e, dentre algumas composições que estabeleciam crítica à tentativa de ofusque ao samba, veja-se um fragmento de Rock-Enredo, de autoria de São Beto e Voltaire e interpretado por Franco, em 1976:

“Andam dizendo por aí
Que o samba vai acabar
Que a batucada está por fora
E o samba já não dá
E o negócio é rock, e o negócio é rock
E o negócio é rock and roll

E sendo assim o que será do Nelson Cavaquinho
Até Paulinho da Viola vai tocar guitarra
Eu tenho medo de pensar
Na minha escola na avenida

Dançando rock-enredo
Dançando rock-enredo
Eu vou ligar na eletricidade o tamborim e o agogô
De xaveco, eu vou comprar um reco-reco com distorcedor

[...]”

Percebe-se a crítica feita à ideia de estar ultrapassado o samba e da necessidade de lhe por fim, dando espaço para o exótico, o de fora, o que estava na moda, o Rock and Rool. Os autores satirizam... Paulinho da Viola (o Príncipe) estaria fadado a deixar a viola de lado e tocar...Guitarra! Nelson Cavaquinho, o autor, dentre outros imortais sambas, de “A flor e o espinho”, que seria dele?

Bem, passou a febre do Rock and Roll. Angariados foram muitos seguidores. Porém, o samba permaneceu... Veio o ie ie ie, passou; Veio a Jovem Guarda, passou; Veio a Bossa Nova e também passou... O samba permaneceu!

A resistência via samba...

O advento da ditadura militar e, com ela, a imposição de silenciamento, via força, das vozes contrárias à sua existência, encontrou resistência diversificada. A arte foi um dos campos de resistência aos militares, quando da onda de golpes na América – Latina, enquanto desdobramentos da Operação Condor (Ação conjunta de repressão aos opositores das ditaduras instaladas nos seis países do Cone Sul: Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Montada em meados de 1970, durou até à redemocratização da região ocorrer. Levou o nome Condor, referindo-se a uma ave típica dos Andes, que se caracterizava por sua astúcia na caça às suas presas).

O samba tornou-se veículo de expressão de descontentamento e de esperança em dias melhores, onde não houvesse o Estado de Exceção e, com ele, o tacão militar. Das composições que se encaixam nesse estereótipo de contestação, duas são aqui citadas: “Apesar de Você”, de autoria de Chico Buarque, gravada em 1970 e, o “Bêbado e a Equilibrista”, de autoria de João Bosco e Aldir Blanc, gravada em 1979. Abaixo, respectivamente, excertos das duas composições

“Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente”

“Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar”

Ambas as composições encontram reverberações na atualidade brasileira, pois, mesmo com uma média de quase meio século de existência, elas registram a esperança em dias melhores, que se configura, principalmente nas ações da juventude secundarista que em seus levantes - passeatas, ocupações, atos, etc. – tem dito ao governo golpista instalado no país: “Apesar de você, amanhã hã de ser outro dia...” e “...sei que uma dor assim pungente, não há de ser inutilmente...”.

Samba, veículo de expressividade poética

É certo, pelo que se observa, que quando faz cem anos de existência, o samba tem prestado relevantes serviços, pois, dentre outras coisas, inclusive as que já aqui foram ditas, tem sido veículo por que se expressaram e se expressam poetas e poetisas espetaculares: Cartola (As rosas não falam), Nelson Cavaquinho (Juízo Final), Lupicínio Rodrigues (Vingança), Dona Ivone Lara (Sonho Meu), Paulinho da Viola (Sinal Fechado), isto, ontem... Hoje, Arlindo Cruz (Meu nome é favela), Jorge Aragão (Malandro), Dudu Nobre (Singelo Menestrel)... Somente citando alguns.

É, como disse Chico Buarque:

“Samba agoniza, mas não morre”

Parabéns, Samba!
Que venham mais outros cem anos!


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