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SITUAÇÃO MUNDIAL | Esgotamento neoliberal e a incerteza do imperialismo no Brasil

Alguns expoentes veneráveis do liberalismo e neoliberalismo fizeram públicas manifestações de alívio depois do primeiro turno das eleições francesas. O triunfo de Emmanuel Macron, velho ministro da economia ligado aos Rothschield mas vestido numa capa de “novidade”, sobre Marine Le Pen pode indicar um novo fôlego à União Européia, caso se confirmem as projeções de vitória de Macron no segundo turno. Ademais, as últimas notícias vindas do Observatório Econômico Mundial, ligado ao FMI, projeta uma curva conjuntural ascendente na recuperação da economia e do comércio mundiais.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

terça-feira 2 de maio de 2017 | Edição do dia

Segundo o colunista do Financial Times, Gideon Rachman, a perspectiva de uma presidência Macron será acolhida como uma oportunidade para reiniciar o motor franco-germânico que sempre foi o pilar da União Europeia. A chanceler alemã Angela Merkel, franca favorita para renovar mandato em setembro, é fervorosa defensora de Macron. A confirmar-se a vitória do banqueiro na França, segundo Rachman, ficará mais claro o limite do “neonacionalismo” que em 2016 teve progresso no Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) e principalmente na posse de Donald Trump como presidente dos EUA.

Já o editor-chefe do mesmo periódico, Martin Wolf , lançou a perspectiva razoável de uma recuperação cíclica da economia e do comércio mundial, apoiado nos últimos dados do FMI. Os números são pálidos e trazem um sorriso amarelo: em 2016, a economia mundial cresceu 3,1%; a projeção do FMI para 2017 é de crescimento de 3,5%, e para 2018 3,6% (os mesmos números dados pelo Fundo em outubro).

A razão, para Wolf, seria o recuo dos efeitos de três choques sucessivos desde o início da crise de 2007: a crise financeira de 2007-09; a crise da zona do euro de 2009-13; e a queda nos preços das matérias primas entre 2014-15. Ainda com a continuidade da crise, os efeitos destes três choques sucessivos teriam ficado “no passado” e, “excluindo-se eventos inesperados”, a leve recuperação econômica dos Estados Unidos impactará positivamente na Europa, e as regiões semicoloniais e periféricas do capitalismo poderão se beneficiar com uma certa reativação do ciclo de importações nos países centrais. A única dúvida, segundo Wolf, é se a política ajudará a economia.

Com base nas pálidas projeções, entretanto, nem os próprios liberais alcançam conforto. Basta ver o enorme endividamento público francês e a elevada taxa de desemprego (mais de 10 milhões de trabalhadores desempregados), combinados ao baixo crescimento, para entender que Macron não teve êxito como ministro da economia de François Hollande em “participar da recuperação”. As cifras do FMI só parecem sólidas se as enormes quedas de crescimento nos anos anteriores são deixadas de lado. A economia norteamericana cresce mais lentamente que a taxa média histórica, no marco do fim da relação “EUA-China” como importador e exportador de manufaturas de baixo valor agregado. A China tenta controlar a queda do PIB para frear a bolha de endividamento, o que afeta as exportações de commodities de países como Brasil e Argentina.

Para se ter uma ideia, apenas em 2014 os Estados Unidos alcançou os níveis pré-recessão de sua força de trabalho empregada (138 milhões de trabalhadores). Depois de quase uma década do início da crise mundial, a indústria dos Estados Unidos ainda precisa alcançar os níveis de produção de uma década atrás: números da Fundação MAPI estimam que a produção manufatureira dos Estados Unidos precisa crescer mais 6,7% para atingir o pico de dezembro de 2007, o que não se dará até 2019 segundo as melhores projeções. O setor fabril norteamericano representou 26% da perda total de 8,7 milhões de postos de trabalho desde então.

Ou seja, a recuperação econômica de que necessita o capitalismo não é a que está por ora em curso. A própria ideia de uma “recuperação cíclica” eventual mostra a ausência de projeções de crescimento estrutural.

De fato, não há novos motores de crescimento da economia mundial (como uma nova China, em que se poderia encontrar “solo virgem” para a superexploração de mais-valia, como aconteceu no início da década de 90 depois da queda da URSS), e a burguesia está dividida sobre como seguir administrando a crise depois de 8 anos. Essa lenta e dilacerante crise econômica, a falta de alternativas claras de investimento e a mudança do papel da China implicam o esgotamento do ciclo neoliberal tal como o conhecemos nos últimos 30 anos – ainda que o neoliberalismo permaneça como política debilitada, é impossível voltar à velha “ordem mundial neoliberal”.

Admitindo que estes efeitos econômicos abriram as fissuras do que chamamos de “crise orgânica” – conceito que Gramsci utilizava para explicar a crise de hegemonia da classe dominante no conjunto de seu sistema econômico, político e social, expresso na crise de autoridade dos partidos tradicionais do regime político – é claro que o “limite ao neonacionalismo” que Rachman indica é precipitado. Afinal, a xenófoba e reacionária Marine Le Pen, que defende os pilares do capitalismo de uma forma distinta da que gostaria o Financial Times, recebeu quase 22% dos votos.

O próprio Martin Wolf reconhece a insuficiência desse “rebote”, e enxerga uma série de ameaças. Entre os sete (sete!) principais riscos que elenca, enfatiza 1) o risco da ambição de recuperação econômica levar os Estados Unidos a justificar políticas fiscais excessivamente expansionistas e políticas monetárias relaxadas. Poder-se-ia assegurar com isso a reeleição de Trump (como foi com Nixon em 1972), mas a longo prazo significaria desequilibrar a economia. 2) A evolução a longo prazo da economia chinesa, cujo crescimento ainda depende muito do crédito e do endividamento. Cedo ou tarde, Pequim terá de escolher entre uma dívida ainda maior, ou um crescimento bem menor. 3) O impacto do aumento das taxas de juros do Banco Central norteamericano (Federal Reserve) e a valorização do dólar sobre economias periféricas (como o Brasil e a Argentina). 4) O aumento do autoritarismo e de regimes plebiscitários na Europa (Polônia, Hungria, assim como os euroasiáticos Rússia e Turquia) em meio à pobre performance econômica europeia.

Esse formidável quadro de incerteza se reflete no tratamento cuidadoso que a imprensa imperialista dedica aos temas da economia chinesa e da política de países como o Brasil, prensado entre a reacionária Operação Lava Jato e um processo de recomposição subjetiva da classe trabalhadora, que apareceu no centro da cena política com seus métodos neste 28 de abril.

Elementos novos na situação brasileira

Há algumas semanas, a revista Foreign Affairs, ligada ao Council on Foreign Relations, um think thank que trabalha para os neoconservadores e a ala mais agressiva dos Democratas, expressou preocupação com os rumos da Lava Jato no Brasil, em que chega a dizer que não há evidências que liguem Lula aos crimes de corrupção.

O The Economist, também antes da jornada do 28 de abril, alertava o “inadequado momento” para a revelação das últimas delações da Odebrecht, dadas as incertezas políticas e a persistente recessão econômica. “O renovado açoitamento da classe política vem num momento inadequado. A pior recessão na história brasileira não terminou. Temer, que se tornou presidente depois do impeachment de Dilma Rousseff, espera estabilizar a economia decretando reformas. Sua taxa de aprovação é abismal. A tempestade de escândalos pode prejudicar as reformas ou afundar esperanças de recuperação econômica”.

É inegável que os principais monopólios estrangeiros, principalmente os ligados aos setores da energia e da construção civil, tem interesse em aproveitar a crise política para acentuar sua presença na exploração dos recursos e da força de trabalho brasileira – que passou a receber em média menos que um trabalhador chinês. Sérgio Moro é seu maior portavoz. Mas é seguro dizer que a divisão da própria burguesia internacional em como seguir administrando a crise retira homogeneidade do plano acerca de como explorar a crise das “global players” brasileiras (e também na Venezuela com a profunda crise da transição pós-chavista, as grandes empresas energéticas na Bolívia, no Equador).

E em particular de como seguir a Lava Jato, cuja relação com os EUA foi alterada com a chegada de Trump – ora ocupado em fortalecer sua presença militar na Ásia para conter a China, impedir qualquer ligação estratégica desta com a Rússia e abrir o setor financeiro chinês ao capital estrangeiro.

Os partidos tradicionais da burguesia brasileira buscam se defender a todo custo com uma reforma política que na Itália dos 90 não pôde preservar nenhum dos dois principais partidos implicados na Operação Mãos Limpas (Democracia Cristã e o Partido Socialista Italiano). Uma reforma política que também busca preservar PT-PMDB-PSDB do “cenário espanhol”, em que novos partidos subiram ao palco e quebraram o bipartidarismo entre PP-PSOE. Cabe ver até onde chegarão.

Para a esquerda, o novo é pensar que o 28 de abril colocou com muita força a noção de que os trabalhadores têm “poder de fogo” para derrubar os ataques do governo, inclusive Temer, se consegue superar os limites que impõem as burocracias sindicais.

O tabuleiro da “crise orgânica” – crise de autoridade do conjunto da classe dominante – foi golpeado pela classe trabalhadora e seus métodos, dando novos elementos à esquerda na situação. Em termos marxistas, elementos pré-revolucionários numa situação de transição.

Isso quer dizer que existe uma oportunidade excepcional para os revolucionários para construir uma força política independente dos trabalhadores.




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