Escrevo desde sempre, acumulo poemas desde 2016. Há anos levo em mim a promessa de que escreveria um livro. Sabia que levaria mais tempo do que outras pessoas para conseguir essa conquista, afinal ser poeta, trabalhadora e militante não é fácil nem simples. O dia a dia no capitalismo nos atropela de uma forma que, por vezes, não há força que sobre depois de ter que nos reerguer todos os dias. Daí veio o adoecimento, a depressão, a ansiedade. Mas mesmo com tudo isso eu carregava uma promessa-dívida: entregaria para o mundo meus poemas, porque a arte só existe por completo quando sai de nós e atinge o outro.
Mas como organizar um livro com poemas acumulados por mais de 5 anos? Era o que me martelava a cabeça depois de ter tomado a decisão de me inscrever no edital da editora Urutau. Então me choquei com um poema de Wislawa Szymborska sobre a autotomia das estrelas do mar, processo em que ela abre mão de parte de seu corpo para sobreviver, e do pedaço partido se refaz outra. Faria um livro autotomia, onde todas as partes fariam parte de um ser só, mas poderiam viver independentemente. Cada parte-membro desse livro se organiza em torno de um assunto central na minha poesia, que me maravilha ou me assombra: morte, amor e luta de classes.
A primeira parte intitulada "ideação suicida", surgiu da tentativa de se matar, mas se gestou muito antes disso, do desejo pela morte que vivia em mim mesmo antes do diagnóstico da depressão e ansiedade, e que, consequentemente, vivia na minha poesia. Talvez essa parte seja a mais difícil de ter sido montada, minha parte mais sombria, mais feia, a que eu não queria que ninguém acessasse. Mas o desejo de morte não deixa de existir quando não falamos dele, pelo contrário, ele cresce.
anteontem
tentei me matar
hoje trancei o cabelo
a ansiedade atada a cada fio
a depressão atada a cada fio
"ideação suicida" vem em primeiro porque ela também quer ser superada por todas as outras partes, o desejo de morte quer ser superado pelo amor que vem representado na segunda parte, intitulada "multiplicar amor como uma deusa", onde o amor não vem nos moldes burgueses. Ele vem amplo, ele pode ser múltiplo, existir ao mesmo tempo por diversas pessoas. Aqui o amor que só existe um na vida, e que vai durar para sempre não tem espaço. "multiplicar amor como uma deusa" é a tentativa de criar uma nova maneira de amar, menos proprietário do outro, um amor que se mistura ao amor descoberto junto aos camaradas. É a forma que meu corpo-livro encontrou para amar. Porém amar contra anos e anos de um modelo burguês do que é o amor não é simples, e disso também falo.
multiplicar amor como uma deusa
escrever um poema
escrever a tentativa de um poema
que explique
que eu possa
amar mais de uma pessoa
escrever um poema
que seja a tentativa
de explicar
e não conseguir
dizer o indizível
após anos e anos
e mais anos
uma sociedade solidificada
que diz amor como quem diz posse
que diz amor como quem diz monopólio
que diz amor como quem diz monogamia
que diz amor como quem diz uma quantidade acabada
eu não te amo menos
do que amava antes
de agora
eu não te amo menos
do que amava antes
de amar outra pessoa
não preciso tirar do seu amor
pra amar mais
não é como nos ensinam quando criança
tenho duas maçãs que dou pra você
se agora quero dar a outro
você fica apenas com uma maçã
eu te dou infinitas maçãs
e crio mais maçãs em mim
como se fosse um deus que multiplica os peixes
para dar mais maçãs infinitas a outros
tu permanece com a mesma quantidade
infinitas de maçãs
tu permanece com a mesma quantidade
infinita de amor meu
Por fim, aquilo que supera o desejo de morte, supera e se mistura ao amor, a luta de classes. O Esquerda Diário passou a existir para dar voz às lutas de classes que são tão caladas pela mídia burguesa, a minha poesia também passou a existir para isso, pois "ninguém vai falar da greve dos petroleiros, exceto tu". E esse "tu" não existe aqui apenas para falar de mim, aqui eu represento os que existem para fortalecer essas lutas, para falar do que acontece no mundo, do que nos fere, do que nos fortalece, do que nos faz avançar.
mesmo que apenas um grito
ser Tatiana Miagkova
morrer gritando
fascista!
ser Garcia Lorca
mas nunca
de maneira alguma
morrer
em silêncio
Foi assim que construí esse livro, que traz em si a capacidade de "fazer colidir trens". Livro que inscrevi no edital do estado de São Paulo da editora Urutau, que concorreu com cerca de 500 outras publicações, e foi selecionado no fim do ano passado junto com outros 39 autores para vir ao mundo. Agora está em pré-venda contando com o apoio de todos para vir ao mundo fisicamente.
Aqui deixo o link da pré-venda, e um pedido para que cada vez mais pessoas conheçam a minha poesia para que ela possa ir cada vez mais longe: https://app.benfeitoria.com/projeto/fazercolidir. E aqui também está o agradecimento que virá fisicamente, mas que quero que exista desde já: "agradeço a minha professora, meu companheiro, minha família, meus amigos, meus gatos e ao trotskismo que mudou minha visão de mundo irremediavelmente".
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