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Escrevo desde sempre, acumulo poemas desde...

Gabriela Farrabrás

Escrevo desde sempre, acumulo poemas desde...

Gabriela Farrabrás

Escrevo desde sempre, acumulo poemas desde 2016. Há anos levo em mim a promessa de que escreveria um livro. Sabia que levaria mais tempo do que outras pessoas para conseguir essa conquista, afinal ser poeta, trabalhadora e militante não é fácil nem simples. O dia a dia no capitalismo nos atropela de uma forma que, por vezes, não há força que sobre depois de ter que nos reerguer todos os dias. Daí veio o adoecimento, a depressão, a ansiedade. Mas mesmo com tudo isso eu carregava uma promessa-dívida: entregaria para o mundo meus poemas, porque a arte só existe por completo quando sai de nós e atinge o outro.

Mas como organizar um livro com poemas acumulados por mais de 5 anos? Era o que me martelava a cabeça depois de ter tomado a decisão de me inscrever no edital da editora Urutau. Então me choquei com um poema de Wislawa Szymborska sobre a autotomia das estrelas do mar, processo em que ela abre mão de parte de seu corpo para sobreviver, e do pedaço partido se refaz outra. Faria um livro autotomia, onde todas as partes fariam parte de um ser só, mas poderiam viver independentemente. Cada parte-membro desse livro se organiza em torno de um assunto central na minha poesia, que me maravilha ou me assombra: morte, amor e luta de classes.

A primeira parte intitulada "ideação suicida", surgiu da tentativa de se matar, mas se gestou muito antes disso, do desejo pela morte que vivia em mim mesmo antes do diagnóstico da depressão e ansiedade, e que, consequentemente, vivia na minha poesia. Talvez essa parte seja a mais difícil de ter sido montada, minha parte mais sombria, mais feia, a que eu não queria que ninguém acessasse. Mas o desejo de morte não deixa de existir quando não falamos dele, pelo contrário, ele cresce.

anteontem

tentei me matar

hoje trancei o cabelo

a ansiedade atada a cada fio

a depressão atada a cada fio

"ideação suicida" vem em primeiro porque ela também quer ser superada por todas as outras partes, o desejo de morte quer ser superado pelo amor que vem representado na segunda parte, intitulada "multiplicar amor como uma deusa", onde o amor não vem nos moldes burgueses. Ele vem amplo, ele pode ser múltiplo, existir ao mesmo tempo por diversas pessoas. Aqui o amor que só existe um na vida, e que vai durar para sempre não tem espaço. "multiplicar amor como uma deusa" é a tentativa de criar uma nova maneira de amar, menos proprietário do outro, um amor que se mistura ao amor descoberto junto aos camaradas. É a forma que meu corpo-livro encontrou para amar. Porém amar contra anos e anos de um modelo burguês do que é o amor não é simples, e disso também falo.

multiplicar amor como uma deusa

escrever um poema

escrever a tentativa de um poema

que explique

que eu possa

amar mais de uma pessoa

escrever um poema

que seja a tentativa

de explicar

e não conseguir

dizer o indizível

após anos e anos

e mais anos

uma sociedade solidificada

que diz amor como quem diz posse

que diz amor como quem diz monopólio

que diz amor como quem diz monogamia

que diz amor como quem diz uma quantidade acabada

eu não te amo menos

do que amava antes

de agora

eu não te amo menos

do que amava antes

de amar outra pessoa

não preciso tirar do seu amor

pra amar mais

não é como nos ensinam quando criança

tenho duas maçãs que dou pra você

se agora quero dar a outro

você fica apenas com uma maçã

eu te dou infinitas maçãs

e crio mais maçãs em mim

como se fosse um deus que multiplica os peixes

para dar mais maçãs infinitas a outros

tu permanece com a mesma quantidade

infinitas de maçãs

tu permanece com a mesma quantidade

infinita de amor meu

Por fim, aquilo que supera o desejo de morte, supera e se mistura ao amor, a luta de classes. O Esquerda Diário passou a existir para dar voz às lutas de classes que são tão caladas pela mídia burguesa, a minha poesia também passou a existir para isso, pois "ninguém vai falar da greve dos petroleiros, exceto tu". E esse "tu" não existe aqui apenas para falar de mim, aqui eu represento os que existem para fortalecer essas lutas, para falar do que acontece no mundo, do que nos fere, do que nos fortalece, do que nos faz avançar.

mesmo que apenas um grito

ser Tatiana Miagkova

morrer gritando

fascista!

ser Garcia Lorca

mas nunca

de maneira alguma

morrer

em silêncio

Foi assim que construí esse livro, que traz em si a capacidade de "fazer colidir trens". Livro que inscrevi no edital do estado de São Paulo da editora Urutau, que concorreu com cerca de 500 outras publicações, e foi selecionado no fim do ano passado junto com outros 39 autores para vir ao mundo. Agora está em pré-venda contando com o apoio de todos para vir ao mundo fisicamente.

Aqui deixo o link da pré-venda, e um pedido para que cada vez mais pessoas conheçam a minha poesia para que ela possa ir cada vez mais longe: https://app.benfeitoria.com/projeto/fazercolidir. E aqui também está o agradecimento que virá fisicamente, mas que quero que exista desde já: "agradeço a minha professora, meu companheiro, minha família, meus amigos, meus gatos e ao trotskismo que mudou minha visão de mundo irremediavelmente".


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Gabriela Farrabrás

São Paulo | @gabriela_eagle
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