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TEORIA | Esboço sobre a tranformação do valor em preço de mercado em debate com a teoria da utilidade marginal

É pena que não possa surgir um efetivo debate entre as duas correntes no campo da economia, fruto da pobreza de ideias daqueles que fazem parte do tal instituto. Um debate desse nível seria importante para aprofundar de forma científica as diferenças entre ambas as escolas de pensamento e esclarecer qual tem maior capacidade de ser ferramenta para explicar os fenômenos econômicos.

quinta-feira 14 de abril de 2016 | Edição do dia

No começo do século XX esse debate se desenvolveu de forma séria entre dois austríacos, Eugen Bohm-Bawerk, representando a escola marginalista, e Rudolf Hilferding, no campo do marxismo. Em obra criticando uma pretensa contradição entre os livros I e III do Capital de Marx, Bohm-Bawerk, expoente da segunda geração dos construtores da teoria da utilidade marginal, expõe sua crítica da teoria do valor trabalho de Marx. Apesar dos erros e insuficiências que me parecem evidentes da obra do professor austríaco (a obra tem como título ’Karl Marx e o ’fechamento’ de seu sistema’, em tradução livre do título em inglês) um científico crítico marxista tem que reconhecer uma tentativa séria e baseada na leitura da obra de Marx de mostrar a pretensa contradição em seu sistema, algo pouco comum nos críticos burgueses e acadêmicos da obra de Marx.

Será a partir dessa premissa que escreverá sua crítica demolidora a obra de Bohn-Bawerk o economista marxista Rudolf Hilferding. Um debate com esse nível de seriedade seria muito benéfico para nós marxistas, pois mostraria a superioridade dessa ferramenta para compreensão da realidade social que utilizamos.

Esperar tal seriedade de nossos liberais modernos, a grandeza e espírito científico mesmo de um representante do que Marx caracterizou como "economia vulgar" em nossos contemporâneos paladinos do estado mínimo, seria isso sim uma vulgar utopia.

Não me balizarei por eles, portanto, e avançarei um pequeno esboço de debate sobre a transformação dos valores em preços de mercado em crítica a teoria da utilidade marginal. Será apenas um esboço, baseado numa troca de e-mail com um companheiro, pois por conta de toda atribulação política que vivemos no país não disponho de tempo para lapidar as ideias aí expostas. Penso, no entanto, que esse pequeno esboço pode servir para despertar interesse e aprofundar um debate posterior.

Sobre o valor:

A primeira questão a aprofundar é a questão do que é valor dentro de um ponto de vista marxista e sua crítica pela teoria da utilidade marginal; penso que caberia sobre isso um subtítulo particular que expressasse mais a fundo essa questão, que no final das contas é a central do debate.

Seguem algumas reflexões sobre a teoria do valor que gostaria de compartilhar. A primeira coisa pra pensar-se a teoria do valor dentro de um ponto de vistas marxista, diferenciando da teoria da utilidade marginal, é que a produção capitalista não se distingue das outras formas de produção por ser produção de coisas, valores de uso, posto que todas as formas produtivas necessariamente tem que produzir valores de uso, mas por ser uma forma social específica da produção de valores de uso.

Isso não pode apagar o significado econômico dos valores de uso (Hilferding defende que os valores de uso não tem significado econômico), o capitalismo, por exemplo, produz valores de uso específicos, as máquinas, que tem um significado econômico evidente, mas mostrar que esses valores de uso são a base da produção e reprodução de uma relação social distinta e específica que é a capitalista, que não tem nada de natural ou eterna, mas é forma historicamente determinada da produção social, do metabolismo entre ser humano e natureza.

O que distingue a partir disso o capitalismo das outras formas de produção? Grosso modo penso: 1) ser uma forma específica de exploração do trabalho, na qual o produtor direto, o trabalhador, é "livre" em dois sentidos a) ele não é propriedade direta de nenhum senhor, mas apenas da classe capitalista de conjunto, b) ele é separado dos meios de produção de riqueza, e, portanto, obrigado a vender sua força de trabalho. 2) Ser um modo de produção baseado na troca de mercadorias entre agentes econômicos independentes, onde a própria força de trabalho é mercadoria, o que faz com que não exista nenhum plano social pré-estabelecido sobre o que e quanto deve ser produzido.

O que é valor a partir dessas considerações anteriores? É a forma específica de expressão das forças produtivas dentro de relações capitalistas, a forma determinada de unidade de medida dentro dessas relações do dispêndio das forças produtivas sociais. Explico: se uma mercadoria tem o valor 10 isso expressa que ela utilizou 10 unidades do total de forças produtivas existentes dentro dessa relação social específica que é o capital. Se as forças produtivas totais da sociedade são 100, por exemplo, e o valor de uma mercadoria 10, quer dizer q ela utilizou 10% do total das forças produtivas objetivas existentes naquela sociedade.

Pra termos clareza disso temos que ter em mente o duplo valor de uso, a dupla qualidade, do trabalho para o capitalista: a) criar valor, b) transmitir o valor do capital constante utilizado (máquinas, insumos, matéria prima) para a nova mercadoria.

A teoria do valor trabalho, portanto parte do pressuposto que se uma mercadoria vale 10 isso expressa que ela utilizou essa quantidade de forças produtivas, da unidade básica da força produtiva social, o trabalho, para sua produção.

Diferente dos marginalistas que vem o preço das mercadorias como síntese das relações e desejos subjetivos dos agentes econômicos, que veem sua objetividade como intersubjetividade, portanto, nós marxistas vemos o valor de uma mercadoria como expressão objetiva da quantidade de forças produtivas sociais utilizadas para a fabricação daquela mercadoria, essa unidade de medida refletindo as formas sociais específicas que permitem a apropriação do ambiente natural e consequente produção de valores de uso.

Nesse sentido, e esse é um debate central, inclusive entre os marxistas, valor é uma categoria eminentemente capitalista, tendo existido de forma apenas marginal nas sociedades pré-capitalistas (nos poros da sociedade onde existiam relações mercantis) e sendo superada no comunismo.

Aqui entramos na segunda questão a relação entre valor e preço:

Quando entendemos o valor de uma mercadoria como expressão objetiva da quantidade de forças produtivas sociais utilizadas para sua fabricação dentro de relações capitalistas temos que relacionar isso ao fato de que não é uma consequência imediata no capitalismo que uma determinada quantidade de forças produtivas que tenha sido utilizada na fabricação de uma mercadoria tenha efetiva utilidade social. Como o capitalismo não opera através de um plano, pode ser que a utilização das forças produtivas para produzir uma mercadoria tenha sido inútil ou como mínimo excessiva em relação a efetiva necessidade do consumidores em relação a essa mercadoria.

Como se dá no capitalismo essa verificação de se na produção de uma mercadoria se utilizou a quantidade de força produtiva social necessária em relação às necessidades de consumo daquela mercadoria, se se excedeu essa quantidade ou se as forças produtivas utilizadas foram menores que as necessárias? No mercado.

Penso que é aqui que o debate com os marginalistas ganha maior peso, que temos que mostrar que as preocupações que eles levantam já são explicadas e de forma muito mais consequente pelos marxistas. Aqui as vontades e escolhas subjetivas dos consumidores jogam efetivamente um peso, penso. Se um produto x, por exemplo, tem uma demanda, uma procura pelos consumidores, maior que o que é ofertado pelo mercado seu preço de mercado irá variar para cima em relação a seu valor, se a procura, a demanda, é menor que a oferta, o processo contrário se dará e seu preço de mercado será menor que seu valor.

A diferença entre valor e preço, assim, é o mecanismo através do qual o capitalismo adequa a quantidade de forças produtivas utilizadas para a produção das mercadorias específicas em relação as necessidades dos consumidores.

A grande vantagem do pensamento marxista em relação aos marginalistas, dessa forma, é que podemos entender essa relação (entre demanda e oferta) em sua dinamicidade e concretude, entendo as variações na taxa de lucro, por exemplo, quando se produz para além da demanda efetiva para aquela mercadoria, ou quando se produz menos que a demanda, por exemplo. Os marginalistas partem de hipóteses abstratas e estáticas, como a do diamante e do copo de água no deserto, que como abstrações mortas até podem fazer sentido, mas que não explicam a dinâmica da sociedade capitalista.

É aqui que se deve centrar o argumento contra eles; que a utilidade marginal (seria melhor usar a relação entre oferta e procura, claro) de uma mercadoria não é algo estático, mas que é fruto da ação social objetiva e dinâmica, histórica, entre os seres humanos. Tanto a oferta de mercadorias quanto a capacidade de consumo, a demanda efetiva, não são coisas dadas por azar e nem são estáticas como no exemplo do copo de água no deserto, mas são produtos da atividade objetiva, social, dos seres humanos. Se a demanda por uma mercadoria excede a oferta, fazendo com que seu preço seja maior que seu valor, gerando um lucro extraordinário nesse setor, isso irá trair novos investimentos naquele setor, aumentando a oferta por aquele produto, tornando a relação entre oferta e demanda equalizada e uma taxa de lucro média. Se o contrário acontece uma parte dos capitais será expulso daquele setor, aumentando o preço da mercadoria e produzindo novamente uma taxa de lucro média.


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Marxismo    Teoria



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