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TEATRO | "Epístola.40": Memórias de despejo na Favela do Boqueirão

Sobre a peça "Epístola.40, carta (des) armada aos atiradores" do Núcleo Macabéa.

Fábio NunesVale do Paraíba

segunda-feira 28 de novembro de 2016 | Edição do dia

A peça "Epístola.40, carta (des) armada aos atiradores" do Núcleo Macabéa está em cartaz no Teatro da Cia Pessoal do Faroeste, localizado na rua do Triunfo, 305 - Bairro da Luz (SP).

A "Epístola.40" do Núcleo Macabéa foi construída a partir de memórias de despejo de moradoras da Favela do Boqueirão, comunidade da zona sul de São Paulo. Com dramaturgia de Rudinei Borges e direção de Edgar Castro, a peça é a fábula de uma família de migrantes nordestinos que veio para São Paulo, levantou um barraco às margens de um córrego-esgoto no Boqueirão e foi despejada pela polícia sob as ordens da Prefeitura.

Uma história simples e singela sobre o despejo, a exclusão. A margem ronda o teatro. Nazara, Judas, Macabéa, Misael e Auara, a família que vaga, carregam as lembranças e as crenças de um mundo antigo, mitico-poético, que luta para sobreviver na terra do "time is money". São ruínas. Passado seco. Presente vazio. Insistem em viver o tempo da poesia (ou da dignidade) soterrado pelas Tower da City.

Judas, o pai, esculpe estatuetas do Frei Damião para vender nas feiras religiosas. Nazara, a mãe, costura as roupas da vizinhança e reza. Misael, trabalhador da construção civil, leva o ódio no matulão. Macabéa, datilógrafa/profeta/poeta redige o sofrimento do seu povo. O menino Auara, filho de Macabéa, é poesia em estado de carne e osso.

"Epístola.40" fala de gente que anda expulsa por ai: sertão-deserto-barranco que não vira mar. Exilados debaixo do asfalto. O Núcleo Macabéa rega a semente do sonho, mas a realidade é dura demais. Os personagens rezam, mas Deus não impediu a remoção e a morte bateu na porta da família errante. O pequeno Auara viu o disparo. A poesia estrangulada grita, levanta suas trincheiras, sonha acordada sem happy end, no radinho de pilha ouvimos baixinho o rap do Sabotage. Insiste. Persisti.

Um pouco de um Brasil barranco que desmorona para os excluídos. Barraco e esgoto a céu aberto para a maioria explorada e oprimida. Ninhos de rato. Doença e desespero. Terra fértil da fome. Uma ideia me perseguiu durante o espetáculo: "uma flor nasceu na rua". Vai nascer, tem que nascer! Macabéa, a datilógrafa, rasga a terra/asfalto com seus dedos-arado.


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