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ESQUERDA GREGA | Entrevista sobre o referendo com Manos Skoufoglou, do OKDE-S da Grécia

Entrevista com Manos Skoufoglou, dirigente do OKDE-Spartakos e de Antarsya (Coalizão de Esquerda Anti-capitalista). A entrevista foi realizada por Laura Varlet, do Révolution Permanente, a rede do Esquerda Diário na França, no dia 6 de Julho.

quarta-feira 8 de julho de 2015 | 00:00

ED: Ontem, mais de 60% dos gregos votaram NÃO no plebiscito popular. O que significa este voto para a Grécia?

Manos: É claro que foi um voto de classe. Se você olha os dados, é bastante obvio que em todos os distritos e cidades operárias se votou massivamente contra o acordo, mais de 70% escolheu o NÃO. E em áreas burguesas como Atenas, foi exatamente o contrário, talvez 70% ou mais votaram pelo SIM. A pergunta do plebiscito não era muito clara, era traiçoeira pois só se referia a proposta que a chamada Troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e União Europeia) havia feito dez dias antes. Mas não incluía a proposta do governo. Foi enganosa pois se uma pessoa votava ao NÃO, o governo, e é o que está fazendo agora, tentará negociar. Sem embargo, o plebiscito se transformou em uma confrontação social e de classe. Também mostrou que os setores médios, a pequena burguesia, perderam tanto durante a crise que já não temem a um colapso, a corrida dos bancos ou a saída da Eurozona. Por isso, os setores mais baixos da classe média votaram ao NÃO junto com os trabalhadores.

ED:Quais foram os objetivos de Tsipras e o governo até agora e o que você pensa da recente renuncia de Yanis Varoufakis?

Manos: O governo de Tsipras não planejava fazer o plebiscito. Se viram obrigados a chamar-lo porque suas táticas de negociação não funcionaram. O que Syriza tentou fazer estes últimos dias foi encontrar uma forma de distribuir sobre quem recaerá o peso das novas medidas, que de toda maneira recairia; tratar de cobrar impostos aos ricos e as empresas e ao mesmo tempo continuar com os recortes salariais e pensões, privatizar portos e aeroportos, aumentar o IVA, aumentar a idade de aposentadoria etc. Retrocederam do compromisso de não levar a cabo nenhum ataque contra a classe trabalhadora, mas buscam um compromisso para distribuir o peso entre todos os setores. Sem embargo, a União Europeia, a burocracia e os tecnocratas da burguesia não aceitaram porque não se trata somente das medidas a se tomar.

Por isso pressionam ao governo e o governo se encontrou em uma situação difícil porque queriam assinar, isso é muito evidente, temiam que o sistema econômico se colapsasse e não estavam dispostos a romper nenhuma regra do capitalismo, como poderia ter sido a nacionalização da banca, por exemplo. Não querem fazer. Queriam um acordo mas ao mesmo tempo um acordo tivesse significado um suicídio político porque as pessoas não os elegeu para que tomem estas medidas. Isto não deixou outra possibilidade que chamar ao plebiscito. Durante a semana, foi evidente que Tsipras tentava chegar a um compromisso, utilizando a chantagem do plebiscito, e na metade da semana houve a possibilidade de cancelar o plebiscito para relançar as negociações. Afortunadamente isso não aconteceu, e vimos este grande "NÃO".

Mas novamente, na manhã do dia 6 de Julho, Tsipras convocou aos líderes dos partidos do parlamento (menos Aurora Dourada) a uma reunião para discutir os passos a seguir. Isso significa que não convocaram não somente os Gregos Independientes (ANEL), seu sócio de direita no governo, senão também a Nova Democracia e o Pasok, que apoiaram ao governo anterior, e também a Potami, que é um novo partido capitalista que conta com o apoio da União Europeia. Junto com o presidente de direita da república, tentam encontrar uma saída de unidade nacional, que não necessariamente significa um novo governo mas poderia significar um consenso sobre uma nova proposta da União Europeia.

Varoufakis renunciou, e isso é produto da pressão que a União Europeia exerceu sobre o governo. Tudo isso mostra que o governo tentará utilizar o NÃO para seus próprios interesses, e encontrar uma melhor posição nas negociações. Mas o problema é que isto não é o que as pessoas queriam, pois votaram NÃO a todas as medidas de austeridade.

ED: No dia 5 de Julho, depois do anúncio dos resultados, milhares de pessoas se reuniram na praça Syntagma. Qual era a sensação das pessoas, o que elas esperavam?

Manos: A sensação foi de alívio e esperança. As pessoas esperavam uma vitória do NÃO mas não sabiam que a vitória seria tão impressionante, com uma diferença de mais de 20%. Se reuniram em Syntagma e nas praças de todo o país. Foi uma vitória. Sentiu-se alivio também pela renúncia do ex primeiro ministro da Nova Democracia a direção de seu partido. Ao mesmo tempo, os setores mais conscientes dos trabalhadores já sabem que os próximos passos serão difíceis pois o governo irá por uma nova rodada de e as classes dominantes vão buscar continuar o ataque contra o povo.

ED: Sabemos que a GSEE (Confederação Sindical de Trabalhadores Gregos do Setor Privado) declarou seu apoio a campanha do SIM. O que você acha disso:

Manos: Isto é importante. Não é a primeira vez que a burocracia da GSEE trai, mas esta é uma traição histórica. É diferente. No passado, se opuseram as medidas de austeridade discursivamente, mesmo sem fazer nada para enfrentar-las e sempre encontravam a forma de canalizar a pressão e a bronca da sua base. Mas esra é a primeira vez que se posicionaram abertamente do lado da burguesia. É por isso que também organizamos uma marcha na frente de seus escritórios, para os denunciar e denunciar esta traição.

Não obstante, houve alguns sindicatos que se posicionaram contra a direção da confederação nacional, como a federação nacional de trabalhadores do governo local e outros sindicatos locais. A federação nacional de professores denunciou a decisão da Confederação Nacional. Por outro lado, o sindicato dos trabalhadores bancários apoiou a campanha do SIM, e vários sindicatos não assumiram posição.

Isto significa que a classe operária teve que enfrentar ao mesmo tempo a aliança de todos os partidos burgueses, que apoiaram o SIM, aos grandes meios de comunicação privados e sua campanha de terror, a União Europeia e ao mesmo tempo tiveram que enfrentar a burocracia da confederação. Isto fez com que a vitória do NÃO fosse ainda maior. Isto torna mais importante e urgente nossa tarefa de fazer que o NÃO seja real e não deixar que os socialdemocratas e reformistas de Syriza o transformem em um SIM diferente.

ED: Há setores de trabalhadores e da juventude que estão fazendo uma experiência com Tsipras e com o governo de Syriza e querem levar a luta contra a Troika e as medidas de austeridade além?

Manos: Acho que Syriza e Tsipras ainda têm apoio nos setores populares. Mas ao mesmo tempo, há setores da vanguarda que se dão conta dos limites do governo. Há setores do movimento que espero que tentem evitar a traição do governo nos próximos dias. Ou in clusive se o governo trai e assina o acordo, espero que sejam estes setores, ou parte deles, que criem uma alternativa por esquerda ao Syriza. Ao mesmo tempo, o Partido Comunista fez ridículo de si mesmo chamando a abstenção. De acordo com as pesquisas, dois terços de seus votantes não seguiram sua política. Existe uma forte possibilidade de que haja setores que rompam com o Partido Comunista e com Syriza e comecem a buscar uma alternativa anticapitalista. E existem bons sinais quanto a isso. Na quinta feira, por exemplo, a esquerda anticapitalista organizou uma grande marcha em Atenas pelo voto ao NÃO, mas também contra qualquer acordo e contra a União Europeia. Esta marcha reuniu mais de 5 mil pessoas.

ED: O que você acha da plataforma de esquerda de Syriza? Assumiram uma posição sobre as negociações e a atitude do governo?

Manos: O primeiro que temos que dizer é que o governo é bastante autônomo a respeito do partido. Por exemplo, o secretariado político de Syriza soube do plebiscito pela televisão. Isto significa, em primeiro lugar, que o partido não pode ter controle do governo. Inclusive se a esquerda assumisse o controle do partido, não poderia tomar o controle do governo. De todas formas, não acho que tomar o controle do partido seja possível, pois a direção da plataforma de esquerda está nas mãos dos setores ex Partido Comunista que entraram ao Syriza, encabeçados por Lafazanis, que ocupa um ministério no governo e é muito entusiasta das ultimas decisões de Tsipras.

O plebiscito conseguiu, ao menos por enquanto, incorporar a direção da plataforma de esquerda. Se tem que votar as medidas de austeridade, é possível que alguns deputados votem contra. Mas não acho que seja possível mudar Syriza desde dentro, e acho que a plataforma de esquerda teve pouquíssimas iniciativas durante a última semana. Mesmo que tenhamos feito coisas junto com eles em várias oportunidades, ao final o compromisso é com a disciplina de Syriza. Há algumas semanas, houve uma greve de trabalhadores da saúde, foi a primeira grande greve contra o governo e eles votaram contra impulsar-la.

ED: Como foi a campanha do NÃO? Qual foi o rol da esquerda anticapitalista?

Manos: O primeiro que tenho que dizer é que apesar das diferenças que existem em Antarsya, diferenças que não escondemos, acredito que jogamos um rol muito importante na campanha do NÃO. Os militantes de Antarsya organizamos muitas marchas, ações e protestos em lugares de trabalho, diante dos escritórios dos meios de comunicação, nos escritórios da GSEE, da UE em Atenas etc. Além disso, participamos de todas s marchas massivas no centro de Atenas e também organizamos uma marcha de esquerda na quinta feira. Houve pouco tempo e salvo alguns casos específicos, não foi possível formar comitês unitários para a campanha do NÃO. Os anarquistas e anarco-sindicalistas também participaram da campanha, o que é uma coisa nova pois geralmente se posicionam pelo boicote.

Coordenamos ações com todas as forças que estiveram dispostas, mas ao mesmo tempo a esquerda anticapitalista e revolucionaria levantou suas próprias consignas. Agora nos estamos preparando pois possivelmente tenhamos que organizar marchas esta semana, para enfrentar um novo acordo ou ao menos contra a tentativa de assinar um novo acordo. Nossa consigna é "NÃO até o fim". Organizamos uma contra-marcha contra as grandes marchas reacionárias pelo SIM no centro de Atenas na quinta-feira passada e o fizemos com outras organizações da extrema esquerda, pois não houve acordo de conjunto no Antarsya para a impulsar. Acho que nossa organização jogou um rol importante, com iniciativas importantes e vamos seguir fazendo isso.




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