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DIA DO ÍNDIO | Entrevista para o Dia do Índio: "Existe muita raiva, é questão de tempo para que exploda"

Pensada para esse Dia do Índio no Brasil, publicamos uma entrevista idealizada pelo Centro Acadêmico de Design (CADe) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte com Alejandro Vilca, deputado provincial [estadual] de Jujy, na Argentina, pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT, na sigla em espanhol), e dirigente do Partido de Trabalhadores Socialistas (PTS), que também é descendente indígena kolla e trabalha como gari na sua província.

segunda-feira 20 de abril de 2020 | Edição do dia

O 19 de abril, Dia do Índio, é mais uma data firmada pelo Estado brasileiro que serve de fachada de sua hipocrisia, enquanto continua cometendo e acobertando cotidianamente todo tipo de crimes contra a população indígena no Brasil. Entrevistas como essa possuem uma importante contribuição estratégica para a luta dos povos originários e da classe trabalhadora em toda a América Latina.

Alejandro Vilca foi eleito deputado estadual de Jujuy em 2017, e é o primeiro deputado operário e kolla a assumir um cargo eletivo na província. É membro dirigente do PTS, organização que impulsiona o La Izquierda Diário Argentino, parte da rede internacional deste site, e que é organização irmã do MRT no Brasil (Movimento Revolucionário de Trabalhadores).

A etnia kolla habita uma região na Argentina próxima na tríplice fronteira com Paraguai e Brasil, e parte da população mais explorada e perseguida pela polícia, a serviço de mineradoras e outros capitalistas, naquele país. Frente ao coronavírus, a fome e a dengue são alguns dos fatores que tornam essa população ainda mais vulnerável, uma realidade semelhante à que vivem os povos originários no Brasil. Saiba mais nessa entrevista.

1) CADe: Os garis são trabalhadores essenciais, como está a situação destes trabalhadores na pandemia?

Vilca: Os garis são trabalhadores dos setores e tarefas essenciais e continuam trabalhando normalmente. Apesar do avanço do coronavírus na Argentina, ainda que não na mesma magnitude que em outros países, o governo tomou medidas antecipadas, centralmente com o isolamento obrigatório da população. A maioria dos casos está concentrada em Buenos Aires e na Capital Federal, nas principais cidades. Eu vivo no extremo norte da Argentina, no estado de Jujuy. Aqui tivemos até agora apenas 5 casos e os novos não são registrados há semanas. Nestes marcos, os garis fizeram reivindicações de maiores direitos de segurança e higiene, máscaras, álcool em gel, luvas de látex, além das que já são utilizadas, e seguem trabalhando normalmente com precaução.

Ainda que a burocracia sindical tenha evitado que fossem geradas maiores demandas, como acabar com a precarização do trabalho, um setor dos trabalhadores têm contratos muito precários, bônus extras pela emergência sanitária, a raiva ainda segue latente. Caso se agudize a situação sanitária (com mais registros de casos e mortes pelo coronavírus) poderia estourar.

Porque também se abriu uma situação de crise econômica gerada pelo isolamento obrigatório e a paralisação da maioria das atividades econômicas, que produz demissões, suspensões, reduções salariais, e muitos trabalhadores informais que sobrevivem dia após dia estão em uma situação muito ruim, porque os preços dos alimentos sobem e é feita especulação nos produtos de higiene. Nos setores populares a fome já é um problema. Além disso, o governo centraliza o poder, mantendo e garantindo as medidas de controle social com a polícia e as forças armadas. A crise econômica golpeia agora mais que a crise sanitária pelo coronavírus.

2) CADe: No Brasil e nos Estados Unidos, a população negra, os imigrantes e os povos originários são os mais atingidos pela pandemia do coronavírus. Como é a situação na Argentina?

Vilca: As comunidades originárias são parte dos setores populares mais empobrecidos, oprimidos e marginalizados neste sistema capitalista, muitos trabalham nas cidades por falta de oportunidades nas suas comunidades, já proletarizados, em condição de precariedade extrema e condições de exploração muito duras, muitos são trabalhadores temporários “golondrinas” (como são chamados) que vão de uma ponta a outra do país e vivem em bairros populares, as villas (NdT: como seriam as favelas no Brasil), nas margens das grandes cidades.

As comunidades originárias de indígenas são rurais, geralmente no interior do país, no extremo norte e sul do país. São geralmente muito pobres, e trabalham no que é a produção agrária, camponesa, criação de gado no norte da argentina, na cria de ovelhas, cabras, lhamas. Ultimamente no turismo, na produção de artesanato e produtos têxteis.

Embora o coronavírus ainda não golpeie totalmente, a falta de estrutura sanitária, de condições de vida dignas pela falta de estrutura (moradia digna) e serviços elementares (água, eletricidade, gás, etc) a situação de pobreza e superlotação os expõe, colocando-os como setor vulnerável.

Outras doenças como a dengue, ou mesmo a fome, a falta de alimentos golpeiam estes setores (muitas crianças morrem de fome nas comunidades originárias no norte da Argentina). No entanto seguimos defendendo nossas reivindicações, pelos nossos territórios, contra a contaminação, o saque dos nossos recursos naturais, a defesa das nossas culturas e tradições, nossa identidade.

3) CADe: Os povos originários sempre foram vítimas da repressão estatal na América Latina. Você poderia comentar sobre a escalada repressiva e a militarização das ruas de Alberto Fernández para garantir a quarentena e como isso é sentido pelos trabalhadores precarizados e pelos povos originários?

Vilca: A repressão policial nas ruas está inserida em um grande acordo nacional de combater o inimigo invisível que é o coronavírus e com isso se atrevem a tomar medidas repressivas duras, antidemocráticas. Os parlamentos não estão funcionando. O presidente, Alberto Fernández, governa como um monarca, por decretos e acordos com setores dos partidos da oposição patronal e os governadores de cada estado.

As medidas de isolamento obrigatório, o impedimento de circular sem autorização, e de trânsito entre os diferentes estados está sendo garantido pelos militares (que tiveram um papel genocida repudiado na ditadura militar dos anos 70) e pela polícia (uma corporação repudiada e vinculada a todo tipo de delitos), o que impõe um controle social muito importante, no qual podem abrir acusações judiciais e processos penais caso não se acatem suas ordens, com sanções de multas muito altas.

Casos de abuso policial são repetidos diariamente nos bairros populares, prisões, espancamentos, detenções.

Mas como disse isso se choca com a realidade vivida pelo povo trabalhador, de muitos que vivem com o dinheiro de cada dia, precisam trabalhar e que não podem esperar nas suas casa isolados porque não tem o que comer.

Existe muita raiva, é questão de tempo para que exploda.

O controle social e político, para a burguesia, é uma saída econômica e sanitária do acordo nacional de todos os setores. Pouco a pouco entra em contradição para se estilhaçar. Muitos empresários estão perdendo e exigem medidas econômicas que salvem seus negócios, e começaram a demitir, ou rebaixam os salários de seus trabalhadores.

4) CADe: Você é o primeiro deputado estadual kolla. Como você vê seu papel parlamentar vinculado à luta dos trabalhadores e dos povos originários na Argentina?

Vilca: Exatamente, sou o primeiro deputado kolla, gari e da Esquerda Trotskista, o que é um orgulho para mim. Nosso papel tem sido utilizar essa tribuna, que te dá o parlamento, que está cheio de políticos patronais e empresários, como “a voz dos trabalhadores, dos explorados”. Denunciar todas as injustiças, humilhações que vivem os explorados e os povos originários, o saque dos nossos recursos naturais, a expropriação do nosso território, mas também para difundir uma saída independente dos trabalhadores para o país, reorganizando-o em um sentido social, colocando a vida à frente, passando por cima dos negócios dos ricos capitalistas.

Um governo de trabalhadores e do povo. Não acreditamos que a saída para o povo trabalhador está em que se aprove uma ou outra lei. A maioria são políticos dos ricos e estarão sempre contrários a algo que vá contra seus negócios. Mas além de apresentar projetos, é sobre desmascarar que são contrários a tudo que seja favorável ao povo, e impulsionar a mobilização das reivindicações dos trabalhadores, assim como das comunidades indígenas. Porque a ideia não é substituir a ação e a organização do povo, porque aí que está o verdadeiro poder, na organização de base, nas assembleias e na mobilização ativas.

5) CADe: Como deputado indígena que defende o marxismo trotskista, como você considera que as ideias socialistas podem ajudar a libertar os povos indígenas na América Latina?

Primeiro precisamos considerar que os povos originários somos parte de todos aqueles explorados e oprimidos por este sistema capitalista, que é um sistema mundial. A crise e a velocidade de expansão da pandemia demonstrou contraditoriamente que não existe oportunidade de se isolar, nem mesmo territorialmente.

Nos unifica a luta contra a discriminação racial, a opressão de machista, o direito ao trabalho, à moradia, o direito à terra, ao nosso território, de defender nossos recursos naturais, o direito à saúde, à educação, a ter um prato de comida, mas também o de ter um futuro, que esse sistema nos rouba. Somos todos parte de uma classe, que se enfrenta com outra muito minoritária que tem o poder, para concentrar mais riqueza em poucas mãos.

Não podemos nos dividir, o sistema já nos divide. Devemos unificar todos os explorados, para acabar com os exploradores, com os capitalistas, reorganizando e planificando o país e porquê não o mundo, a partir do campo e da cidade, da produção agrária primária à indústria tecnológica e pesada, passando pelos serviços. Expropriando os que nos expropriam do nosso futuro.

Nesta pandemia pelo coronavírus é visto o papel central da classe trabalhadora a nível mundial, sem ela e sua potencialidade é impossível que este mundo funcione, dos laboratórios, fábricas de respiradores, de testes, sem os trabalhadores da saúde… Hoje dependemos desta força para que possamos sair da crise.

Está chegando o momento no qual se definirá quem pagará os custos desta crise, os governos e os empresários tomaram a iniciativa, querem que o povo trabalhador pague, com demissões, suspensões, rebaixamentos salariais, ou perdendo mais direitos… os trabalhadores e o povo deverão reagir e impor com sua luta e mobilização para que a crise seja paga pelos capitalistas, construindo suas organizações políticas com uma perspectiva socialista, anticapitalistas, que os prepare para este momento agudo… onde esteja colocada a barbárie capitalista ou o socialismo!

Tradução: Marie Reisner




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