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ESCLARECIMENTO | Entrevista original concedida por Gilson Dantas ao jornalista Renato Dias

quinta-feira 20 de julho de 2017 | Edição do dia

LEIA A NOTA DE ESCLARECIMENTO SOBRE ESTA ENTREVISTA

Renato Dias: Em que data e circunstâncias surgiu o MRT?

Gilson Dantas - O MRT, Movimento Revolucionário de Trabalhadores, surgiu com esse nome em 2015, como resposta às novas circunstâncias do país após Junho de 2013 e à crise do PT após a reeleição de Dilma. Porém as origens do MRT remontam à organização Estratégia Revolucionária (depois Liga..., ou LER-QI) fundada em 1999 por militantes expulsos do PSTU.

RD: Quais os seus vínculos internacionais?

Gilson Dantas - O MRT é parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional, com presença em 11 países de três continentes. Impulsionamos a Rede Internacional de Diários Digitais, em 5 idiomas (La Izquierda Diario, Left Voice, Révolution Permanente, Klasse gegen Klasse, Esquerda Diário).

RD: Quais as principais seções da organização mundial?

Gilson Dantas - Nossa principal seção é a argentina, o Partido de Trabajadores Socialistas, PTS. Como parte da Frente de Esquerda, nosso militante Nicolás Del Caño foi candidato na última eleição presidencial, ficando em quarto lugar. Também temos organizações com relativo peso na esquerda política no México, no Chile, e companheiros que fazem parte do NPA na França, entre outros.

RD: Qual a sua análise da queda de Dilma Rousseff: trata-se de um golpe frio?

Gilson Dantas – Trata-se de um golpe institucional cujo objetivo central é arrancar direitos da classe trabalhadora e estabelecer uma ofensiva contra suas organizações. Esse golpe se insere na nova onda da direita contra os chamados governos “progressistas” da América Latina, nos marcos da crise econômica capitalista arrastada mundialmente desde 2008 e da emergência de fenômenos de polarização política, por um lado, populismo de direita, por outro, mobilizações de massas e greves proletárias que, ao que indica, parecem tender a crescer. Dilma, com sua política de governar com a direita deu passagem ao golpe; e ela mesma já tinha iniciado ataques contra os trabalhadores e seus direitos e baixou uma “lei antiterrorista” de fazer inveja à ditadura: isto é, ela impôs uma criminalização sem precedentes dos movimentos sociais. Dilma, na verdade, se deixou golpear: jamais mobilizou petroleiros, bancários, metalúrgicos, isto é, a classe trabalhadora organizada contra o golpe, sendo que este se anunciava 24 horas por dia. O que, em parte, desmoralizou as forças da esquerda, cujos melhores batalhões com inserção proletária só encontrarão uma saída de classe na medida em que levantem uma “terceira força” política, revolucionária contra o capitalismo; isto é, uma força política que não fique detrás do PT com sua colaboração de classe e, ao contrário, crie uma nova tradição, classista, nos movimentos sociais [independência de classe, organização democrática pela base, e o novo costume político de não travar – como fez a velha tradição, PCB e também o PT – qualquer relação política com a patronal e seus partidos].

RD: O que esperar de Michel Temer e de suas reformas liberais?

Gilson Dantas – Um governo em crise permanente, em busca de estabilizar uma relação de forças pela direita para avançar nos ajustes em favor do grande capital; porém um governo que tem que se mover nos marcos de grave crise orgânica nas cúpulas do Estado. Não derrotou a classe trabalhadora, é governo impopular, não uniu a burguesia [basta ver as lutas nas alturas pela via do “partido judiciário”], mas conta com a passividade das centrais sindicais tipo CUT para seguir avançando nos ataques sociais e trabalhistas. Podemos esperar mais revoltas urbanas, de juventude e com potencial - se se constrói uma direção política a tempo – de quebrar a resistência das burocracias sindicais que ao não lutarem seriamente, favorecem as forças da reação que, dessa forma, se animam a seguirem golpeando os movimentos sociais.

RD: Quais as ideias centrais e o que há de atual no pensamento de J. Posadas?

Gilson Dantas – A estratégia da qual derivavam as demais ideias táticas e políticas de J. Posadas - apesar do discurso revolucionário e de falar em nome de Trotski – era a de autorreforma ou reforma “por dentro” dos grandes partidos comunistas [PCs], começando pelo PC da URSS. Posadas não mais defendia a revolução política de Trotski, deixou de entender que a burocracia dos países do “socialismo real” [Estados operários degenerados/ deformados] era irreformável e contrarrevolucionária, um ensinamento básico de Trotski. Inicialmente, esta substitui as massas no poder político e mais adiante quer se tornar burguesia, restaurar o capitalismo. A história mostrou que Trotski e não Posadas tinha razão: pelas mãos da própria burocracia a restauração capitalista veio a ocorrer na URSS e em outros lados do chamado “mundo comunista”. O pensamento estratégico de J. Posadas também se mostrou superado/equivocado quando propunha, para países como os da América Latina, uma transição ao socialismo através de setores “progressistas” ou “nacionalistas revolucionários” da burguesia e das forças armadas tipo Perón, Brizola [e o que depois, de certa forma, corresponderia ao Chávez]. Posadas, portanto, defendia o “etapismo”, uma frente policlassista [“popular”] e Trotski negava essa etapa democrático-burguesa e argumentava que a revolução somente poderá ocorrer – no sentido pleno, da democracia proletária - sob direção da classe trabalhadora e seus partidos. Não via atalhos estratégicos. As demais estratégias, todas [guerra popular prolongada, guerrilha pelo partido-exército tipo Cuba, frentes populares de todo tipo], tendem a fracassar, levando a derrotas e desmoralização política dos trabalhadores.

RD: O senhor o conheceu?

Gilson Dantas – Sim. Convivi com ele na Itália e na Grécia por algum tempo no início dos anos 1980. Eram os congressos e encontros de equipes internacionais da IV Internacional posadista. Ali se discutia aquela estratégia centrista [reformismo com fraseologia revolucionária] para as seções mundo afora. Ele era uma pessoa honrada [faleceu em 1981, de coração], persuasiva, entregue à causa da revolução, mas que acreditava, sinceramente, na autorreforma da burocracia “comunista” [stalinista] e, apesar de ter origem proletária, não colocava a estratégia proletária, soviética, no centro do palco da luta de classes; e nem tratava de inserir ativamente a organização na classe trabalhadora. Na sua concepção, o mundo iria para o socialismo com “direções quaisquer”, as condições objetivas dadas estavam maduras. Aliás, não apenas ele, mas todas as correntes do trotskismo do pós-II Guerra Mundial [pablistas, mandelistas, lambertistas etc] padeciam do mesmo problema [estratégico], obviamente com diferentes variantes e seguramente defendendo, em alguns pontos políticas ou programa corretos, embora sempre parciais e desconectados da estratégia para vencer; portanto, destinados ao fracasso. Com tal política, não poderiam conduzir o proletariado à vitória com base nos seus organismos de classe, portanto vitórias sustentadas. O posadismo foi se transformando mais e mais em cobertura pela esquerda de direções “populistas” e “neosstalinistas”. Não ajudou a criar uma tradição nos marcos do que propunha Trotski e que atualmente é mais necessária que nunca.

RD: Formado em Medicina na UnB, em 1974, o senhor participou das manifestações estudantis de 1968, em Brasília?

Gilson Dantas – Sim. Fui dirigente do centro acadêmico da Medicina e um dos líderes da FEUB [federação dos estudantes, dirigida por Honestino Guimaraes e posta fora da lei pela ditadura militar já ali em 1968]. Em Brasília, tive uma rápida prisão em 1968 [na invasão da UnB por tropas da polícia] e uma de quarenta dias em 1970, quando dirigimos uma greve dos estudantes/funcionários do restaurante da UnB, com outros companheiros. Fui preso quando denunciava a prisão e assassinato de um camarada nosso, o operário Olavo Hansen, nos porões da ditadura em São Paulo. Cheguei em Brasília em 1968 e neste ano e até a prisão em 1970, integrei as principais lutas estudantis; depois continuei no ativismo contra a ditadura, mas já na clandestinidade e sem lutas de massa por alguns anos [de chumbo].

RD: Conhecestes Honestino Guimarães?

Gilson Dantas – De vista. Ele aparecia, desaparecia nas nossas reuniões na Universidade, até que foi para a clandestinidade e sucumbiu –como tantos outros jovens e operários - nas mãos assassinas dos militares.

RD: Quando o senhor começou o ativismo político e revolucionário?

Gilson Dantas – 1968, como vestibulando na UnB [medicina], nos marcos da ocupação policial da UnB, com bombas, balas e em meio a uma juventude combativa, que sonhava alto e cuja vanguarda seria parcialmente exterminada pelas forças da repressão ano após ano. Meu ativismo começou no seio das lutas do final dos 1960, em Brasília, contra a ditadura.

RD: A sua organização era o PORT?

Gilson Dantas – O PORT [Partido Operário Revolucionário Trotskista], uma das seções da IV Internacional posadista. Mas somente vim a conhecê-lo depois que já estava engajado no ativismo estudantil e eleito para o centro acadêmico.

RD: Quando surgiu e como acabou o PORT?

Gilson Dantas – Surgiu, no Brasil, na primeira metade dos anos 1950, com a vinda de argentinos do grupo de Posadas para fundar uma equipe e começar a tirar o jornal Frente Operária. O PORT era a corrente trotskista de mais expressão no Brasil naqueles anos 1950 e início dos 1960. Perdeu vários quadros para a repressão [no campo, Pernambuco; nas cidades, Rio, São Paulo]. Mas entrou no PT das origens e jamais saiu, uma espécie de “entrismo eterno” e atualmente temos duas ou três figuras públicas posadistas ainda dentro do PT, totalmente seguidistas. Portanto, trata-se de uma corrente sem estratégia de classe e que, obviamente não poderia cumprir qualquer papel para além de dar cobertura ao PT, assim como antes, ao PCB.

RD: O PORT possui relações políticas com o POC?

Gilson Dantas – Não creio. O POC tem algo a ver com a linhagem da POLOP e com um grupo do Rio Grande do Sul. Mas pode ter havido conexões que desconheço.

RD: O que dizer sobre Olavo Hansen?

Gilson Dantas – Um herói do proletariado brasileiro, que fez história. Preso cinco vezes, foi militante do PORT desde antes do golpe de 64 até seu assassinato em 1970. Operário, militava na oposição sindical metalúrgica de São Paulo quando veio o golpe e nos químicos no final dos 1960. Era uma referência viva e moral para todos nós, jovens, que o admirávamos.

RD: A sua clandestinidade durante a ditadura civil e militar no Brasil [1964-1985] ocorreu em qual período?

Gilson Dantas – Poucos anos do final dos 1970 ao início dos 1980 [Meu julgamento no STM ocorreu em 1975].

RD: Como foi a sua passagem pela Argentina?

Gilson Dantas – Poucos meses e pouco antes do golpe de Videla; não me lembro a data exata. Lá fiz experiências com os operários dos estaleiros de La Plata e com o jornal Voz Proletária.

RD: Quando retornastes ao Brasil?

Gilson Dantas – Idem, em sequida daquele mesmo período.

RD: O senhor era organizado depois de 1976 até que data?

Gilson Dantas – Desde a prisão de 1970 até pouco antes do fim da URSS, organizado no PORT. Há quase dez anos no MRT [ex-LER-QI].

RD: O senhor atuou no PT?

Gilson Dantas – Sim. Sou um dos ativistas fundadores; atuava no ABC e em São Paulo, como militante político no meio operário. Fundei dois núcleos de base [um de trabalhadores da saúde; outro na periferia, Capela do Socorro] e atuei no PT por uns tantos anos. Acompanhei de perto o transformismo de toda uma direção operária que não apenas jamais se ocupou de organizar a classe pela base e com independência política da burguesia e seus políticos, como aprofundou sua burocratização ao longo dos anos, finalmente se habilitando a governar para a patronal, na base do populismo bonapartista.

RD: Qual o eixo da tática do MRT, hoje?

Gilson Dantas - Consideramos que a tarefa mais imediata que está colocada para os trabalhadores e a esquerda é organizar uma resistência de massas contra o governo golpista de Temer. Para isso, a tática da Frente Única Operária, um chamado a todas as organizações de massas a um plano de ação concreto.

Ao mesmo tempo, para não desvincular a resistência no nível "econômico" de uma resposta independente para a crise política, achamos que os trabalhadores devem se mobilizar para impor uma nova Assembleia Constituinte, livre e soberana, para dar resposta à corrupção e aos problemas estruturais do país (terra, moradia, desemprego, saúde, educação, violência policial, etc).

É preciso tirar as lições da política de colaboração de classes e gestão do capitalismo levada a cabo pelo PT, que se prolonga hoje na conciliação com os próprios golpistas. O nosso eixo, portanto, é organizar a resistência em nível de massas, porém agrupando os setores mais conscientes dos trabalhadores, da juventude e de todos os oprimidos ao redor de uma estratégia de ruptura com o capitalismo, no sentido da revolução social. Com essa perspectiva, buscamos intervir em todos os movimentos progressistas, como o de mulheres, LGBT e juvenis, além é claro dos principais sindicatos, onde buscamos criar uma nova prática de sindicalismo de base, elevando os trabalhadores à vida política, a partir de cada local de trabalho.

RD: Quais os principais dirigentes do MRT, hoje, em 2017?

Gilson Dantas - Entre os militantes do MRT conhecidos por seu envolvimento nas lutas dos trabalhadores, jovens, mulheres, negros e LGBTs estão Diana Assunção, Carolina Cacau, Maíra Machado, Danilo Magrão e Flávia Valle, que foram nossos candidatos à vereança pelo PSOL nas últimas eleições, respectivamente em SP, RJ, Santo André, Campinas e Contagem.

RD: O MRT ingressou no PSOL?

Gilson Dantas - Em nosso I Congresso, em 2015, aprovamos um pedido de entrada no partido, que redundou na concessão de filiações democráticas para nossos candidatos participarem das últimas eleições municipais.

Atualmente, seguimos debatendo nossas posições políticas e programáticas com os setores mais avançados dos trabalhadores, da juventude e da esquerda, partindo de que vivemos um momento de importante crise do PT e é fundamental a reflexão sobre a construção de uma alternativa à esquerda, no sentido de ser parte da construção de um partido revolucionário no Brasil, profundamente enraizado na classe trabalhadora.

RD: 1917 - 2017 - Revolução russa - 100 anos - Qual o principal legado de Leon Trotsky?

Gilson Dantas – O principal legado de Trotski [e Lenine], além da experiência viva da primeira revolução proletária, de demonstrar que o proletariado pode se levantar como poder de Estado, do partido bolchevique e dos sovietes, está no debate estratégico absolutamente conectado com a teoria-programa da revolução permanente, materializada, finalmente, na fundação da IV Internacional.

O marxismo de centralidade estratégica, que subordina cada tática à estratégia de luta por um Estado dos trabalhadores, fundado nas organizações proletárias de base, penso que é um legado essencial da revolução russa. E o partido revolucionário com delimitação de classe para aquela estratégia.

E, como desenvolvimento necessário e incontornável daquela estratégia política, Trotski reitera o permanentismo da revolução, isto é, sua extensão internacional, de tal forma que a vitória em um, dois países, deva ser seguida de outras, da vitória em países imperialistas, para que a revolução tenha, aí sim, condições de triunfar de forma sustentada. O legado essencial de Trotski é soviético, do partido leninista, da pluralidade de partidos revolucionários, da democracia proletária [ou ditadura do proletariado], e do internacionalismo da revolução, revolução que não se sustenta em um só país. Esta dimensão internacional do legado da revolução russa é crucial e ao negá-la, as revoluções cavam sua própria sepultura, eis a lição do pós-II Guerra Mundial para cá. Por tudo isso, Trotski é um legado vivo.

Nome completo: Gilson Dantas de Santana

DN:7/3/1948

Idade: 69 anos

Formação: médico, com formação na China em medicina tradicional e acupuntura [1985], doutor em sociologia e atual pós-doutorando em serviço social. Organizações e partidos a que pertenceu? PORT e MRT [Movimento Revolucionário dos Trabalhadores].


Nota biográfica_______________

Graduado em medicina em 1974, pela UnB, fui preso político em 1970, na condição de dirigente estudantil das jornadas de luta de época, contra a ditadura militar. Desenvolvi consciência política integrando as fileiras de uma corrente trotskista de época, o PORT, que foi parte da fundação do PT em São Paulo, da qual me desvinculei quando sua explicação sobre a queda da URSS não me convenceu, afora outros problemas. Sempre procurei me referenciar por Trotski – ao lado de Lenine – como fontes inesgotáveis de ensinamentos para a revolução social, e vejo a coerência estratégica e programática em relação a Lenine e Trotski por parte do MRT hoje [que integra a Fração Trotskista/Quarta Internacional], como fundamental, na perspectiva do marxismo de centralidade estratégica e internacionalista.

Pós-doutorando em serviço social, ex-médico do serviço público e pesquisador em ciências da saúde, também ex-técnico legislativo e professor universitário, escrevo, publico, palestro e sigo, sob novas formas, a causa da minha modesta vida: a revolução protagonizada pela classe trabalhadora, para que, finalmente, as gerações vindouras possam levantar um novo mundo, desalienado, sem exploração de nenhuma natureza e onde a arte de ser feliz e o dom de ser autêntico deixem de ser um problema.




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