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Entrevista com Sean Purdy: "O conceito de Stálin de “socialismo em um só país” fez com que a IC se tornasse um órgão da política externa stalinista"

Redação

Entrevista com Sean Purdy: "O conceito de Stálin de “socialismo em um só país” fez com que a IC se tornasse um órgão da política externa stalinista"

Redação

O Ideias de Esquerda entrevistou o professor marxista Sean Purdy, que é doutor em História pela Queen’s University (Canadá), atualmente professor de História da América (com ênfase nos Estados Unidos) do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP). Foi professor da Temple University, Filadélfia (EUA) e da Universidade de Brasília (UnB).

IdE: Na próxima terça-feira, dia 9, vai ocorrer o lançamento do livro “A Internacional Comunsita depois de Lênin – Stálin, o grande organizador de derrotas”, de Leon Trótski, organizado pela Edições Iskra no youtube do Esquerda Diário, do qual você irá participar. Poderia nos dizer, na sua opinião, qual a importância desse livro para o momento que vivemos, em especial para o combate ao stalinismo, e como apropriação crítica para a atuação da luta de classes?

Purdy: Esse estudo é super importante como guia para quem quer entender a virada antimarxista da política stalinista na URSS nos meados da década de 1920. A Internacional Comunista (IC) no tempo de Lênin fez erros, mas era uma organização séria e dedicada à revolução mundial. A adoção do conceito de “socialismo em um só país” por Stalin e sua corja fez com que a IC se tornasse simplesmente um órgão da política externa stalinista. Essa concepção continua tendo efeitos até os dias de hoje: partidos influenciados por stalinismo hoje em dia não combatem imperialismo como um todo, mas escolhem qual é o melhor imperialismo. Então, apoiam Rússia, China, Síria, etc. porque são contra imperialismo norte-americano mesmo que esses países também são propriamente imperialistas ou aliados aos países imperialistas. O resultado é que a luta de classes dentro desses países imperialistas é ignorada, ou pior, partidos stalinistas acabam tomando o lado do governo e os patrões contra a classe trabalhadora nesses países, apoiando repressão contra movimentos populares. Entender as origens dessa história, como esse livro propõe, nos ajuda atuar nos tempos de hoje.

IdE: Pensando no desenvolvimento do capitalismo nos EUA, qual seria, na sua opinião, a importância neste país, que é o coração do imperialismo, para a luta dos trabalhadores internacionalmente, ontem e hoje?

Purdy: A luta de classe nos EUA é absolutamente central às lutas socialistas internacionais. É obviamente um enorme desafio, mas se queremos construir uma revolução internacional seria necessário a contribuição dos trabalhadores dentro do maior país imperialista do mundo. Há bons sinais recentemente com várias lutas importantes nos EUA. É nosso dever apoiar completamente às lutas nos EUA justamente como é o dever deles apoiar nossas lutas aqui no Brasil. A classe trabalhadora é internacional e nossas lutas também.

IdE: Ainda, como consequência da crise do capitalismo, vemos uma aproximação por alguns setores, em especial os jovens, às ideias comunistas, junto a isto, há novas tentativas de reabilitação de Stálin por parte de alguns setores ditos do movimento comunista. Como você enxerga esta reabilitação e como desmascará-la?

Purdy: Creio que a adoção de ideias stalinistas – uma distorção de marxismo e da tradição socialista – resulta de um fator principal: no contexto da acelerada exploração e opressão de capitalismo atual, algumas pessoas, especialmente jovens, buscam um passado imaginário quando socialismo supostamente era forte e constituía uma real alternativa ao capitalismo. O problema é que a URSS desde o fim da década de 1920 não era um estado socialista dedicado à revolução nesse país nem internacionalmente. Sob Stalin e seus tenentes, as possibilidades emancipatórias da Revolução Russa de 1917 foram esmagadas através da construção de uma burocracia repressora e antidemocrática que não representava os interesses dos trabalhadores, mas sim de uma casta burocrática que fazia tudo para se manter em poder. Há muito debate sobre a exata natureza e características da URSS, China e seus satélites, mas o que importa é que não eram/são socialistas. O objetivo central da tradição marxista desde Marx e Engels – revolução internacional e a construção da democracia operária com valores socialistas – foi substituído por stalinismo, através de massiva repressão, com um estado forte, burocrática, antidemocrática e imperialista. Acredito que o único jeito para convencer gente do êxito sem saída de stalinismo que envolve mentiras descaradas e distorções de história é através de estudos e argumentos críticos e honestos sobre como foi esse processo e como tais políticas não nos servem hoje em dia seja numa greve contra os patrões ou em lutas contra intervenções imperialistas. Nesse sentido, sigo o marxista revolucionário italiano, Gramsci, que escreveu que temos que ter pessimismo do intelecto, mas também otimismo da vontade.

IdE: Um dos projetos com que tem trabalhado compara slums, guetos e favelas em São Paulo, Chicago e Toronto, o que tem percebido de semelhanças e diferenças entre esses espaços marginais dos distintos países que compara? Como o capitalismo contribui para o desenvolvimento destes espaços?

Purdy: Meu objetivo com esse estudo é para mostrar que mesmo com formas distintas e histórias locais diferentes há uma dinâmica capitalista semelhante no mundo inteiro no século XX em relação à marginalização dos trabalhadores pobres e também da sua resistência. O povo que eu estudo nesses espaços em vários países – pobres, negros, imigrantes, mães solteiras – são trabalhadores que foram marginalizados pela mídia, estado e a classe dominante. Nos últimos quarenta anos, importantes estudos antropológicos, sociológicos e em menor extensão, históricos, sobre os povoamentos de slums, guetos e favelas na América Latina e do Norte, disseminaram a noção de desorganização e isolamento social dos pobres nas cidades e de sua posição como “objetos” passivos da história. Apesar de se tornarem no imaginário público “espaços párias”, os moradores desses bairros e comunidades têm sido importantes na luta de classe. Precisamos lutar juntos com eles para avançar as possibilidades de revolução.


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