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Entrevista com Edison Urbano sobre o livro “Stálin, o grande organizador de derrotas”

Entrevista com Edison Urbano sobre o livro “Stálin, o grande organizador de derrotas”

Edison Urbano é editor da Editora Iskra, que publicou em 2020 o livro “Stálin, o grande organizador de derrotas - A Internacional Comunista depois de Lênin”, de autoria de Leon Trótski.

Ideias de Esquerda: Trótski é expulso do Partido Bolchevique em 1927, e escreve o livro já no exílio em 1928. Muito do livro foi escrito em torno dos textos elaborados por Trótski a partir do VI Congresso da Internacional Comunista em 1928. Quais eram esses debates e qual atualidade eles têm para o marxismo revolucionário atual?

Edison Urbano: Olha, sem exagero, essa pergunta daria um curso inteiro. Aliás, nós temos um curso em quatro sessões, no campus virtual do Esquerda Diário, que eu tive o prazer de organizar e ministrar junto com o camarada André Barbieri. Então já fica a indicação para quem queira se aprofundar, esse foi um curso específico sobre essa obra e sua atualidade, e mesmo em quatro sessões a gente teve que selecionar bastante.

Dito isso, eu destacaria alguns pontos centrais da obra. Ela reúne uma série de documentos da batalha que a Oposição de Esquerda, liderada por Trótski, estava travando naquele momento para tentar recolocar a Internacional Comunista (IC) na trilha revolucionária dos seus primeiros anos, e em particular dos seus quatro primeiros congressos (1919-1922).

A parte principal do livro é uma crítica profunda à teoria e à prática da IC após a doença e morte de Lênin (1923-1924), e isso se condensa na crítica ao projeto de programa que Stálin e Bukhárin apresentaram para o Congresso de 1928.

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Logo de início, o texto abre com uma lição magistral do método marxista de análise da realidade, e também de formulação programática a partir dela, que serve muito até hoje para qualquer organização ou qualquer um que tente pensar os desafios atuais da luta contra o capitalismo em escala global. Isso em contraste com a total falta de rigor e ecletismo do texto escrito por Bukhárin, como fica claro para quem lê.

Já de entrada é isso: a defesa do internacionalismo marxista, um internacionalismo de combate, como único ponto de partida para um programa revolucionário. Contra o abandono dessa perspectiva, que nessa época já tinha chegado, pelas mãos de Bukhárin e Stálin, à formulação grotesca sobre o “socialismo em um só país”. Uma formulação que não só contraria todo o marxismo e até mesmo as melhores tradições comunistas anteriores ao marxismo… Mas que, na prática, era uma consequência direta do conservadorismo do aparato do partido, que passava a responder à pressão das classes e camadas acomodadas, fruto de um grande processo social em que a revolução perdia o seu impulso inicial e, isolada e num terreno atrasado, começava a retroceder.

As partes seguintes do livro vão concretizando cada vez mais as consequências desses dois pontos de vista opostos: tanto os debates vivos dentro da URSS, em que a Oposição de Esquerda representava o ponto de vista proletário contra a linha de acomodação burocrática. Quanto os debates internacionais, que cobrem grande parte do conteúdo do livro, como o balanço da derrota da revolução na Alemanha em 1923, a famigerada experiência do “Comitê Anglo-Russo” (capitulação do stalinismo à burocracia sindical britânica) e a sangrenta derrota da revolução chinesa de 1925-1927.

De todos esses processos Trótski busca tirar as lições, comparando em todos os momentos com a experiência vitoriosa na Rússia, e com a doutrina deixada por Marx e por Lênin. O objetivo é, o tempo todo, corrigir os erros e devolver a IC ao caminho revolucionário. Por defender essas ideias, Trótski foi banido primeiro do partido, depois da URSS. E nos anos seguintes, milhares e depois milhões iriam sofrer um destino ainda pior. Mas isso já extrapola a entrevista, que é sobre o livro de 1928.

Segundo Trótski, “A ideia de uma estratégia revolucionária só tomou forma no decorrer dos anos do pós-guerra, de início graças à incontestável influência da terminologia militar.”(p. 133) O que no pós-guerra mudou para que houvesse um desenvolvimento da estratégia revolucionária e qual sua importância para os dias de hoje?

Essa passagem que vocês selecionaram é de fato muito importante, e eu poderia até dizer que o raciocínio que está por trás dela é uma das primeiras coisas que serve para “abrir a cabeça” de qualquer militante que deseja se formar teórica e politicamente para ter uma atuação mais qualificada na realidade.

É que o pano de fundo para essa afirmação é toda a análise marxista das mudanças que ocorreram na estrutura do capitalismo na virada do século 19 para o século 20. O livrinho de Lênin, “Imperialismo, etapa superior do capitalismo” é sem dúvida até hoje a melhor síntese dessas mudanças, do ponto de vista da análise marxista: a formação dos grandes monopólios, a fusão do capital industrial com o capital bancário, a exportação de capitais, a divisão do mundo entre as potências, etc. Lênin escreveu esse livro no meio da Primeira Guerra Mundial, mas antes do triunfo da Revolução Russa de 1917.

Então aquela afirmação de Trótski que vocês destacaram está se referindo a essas mudanças, mas pensadas não só do ponto de vista da análise teórica, mas enfatizando as consequências políticas práticas para a luta de classe do proletariado. Ele está contrastando o novo período que se abre com a guerra mundial e com a primeira vitória revolucionária da classe operária, com relação ao período anterior, que tinha sido uma época, por assim dizer, “reformista”, que deu origem a muitas teorias (revisionistas) de que o desenvolvimento do capitalismo e a expansão da democracia burguesa e da civilização ocorreriam supostamente de maneira cada vez mais pacífica e harmoniosa. Claro que mesmo antes da guerra essas ideias já eram combatidas, por revolucionários como Lênin, Trótski ou Rosa Luxemburgo, mas o ponto aqui é outro.

A questão chave a destacar aqui é essa: foi depois da Primeira Guerra, e especialmente depois das gigantescas lições deixadas pela Revolução de Outubro, que a ideia de estratégia revolucionária ganhou força.

Porque numa época em que a revolução é uma ideia mais ou menos distante, pode existir uma divisão entre, de um lado, uma esfera da pura “propaganda" sobre a necessidade do socialismo (ou de denúncias dos males capitalistas), e de outro uma esfera da “atividade cotidiana” com sua própria rotina de tarefas que, em si, não desafiam o regime capitalista nem se ligam com a luta direta pelo socialismo.

Já a partir do momento em que fica claro que a luta dos trabalhadores pode e deve se colocar a tarefa de conquistar o poder como tarefa real e palpável, ou seja, especialmente depois da Revolução Russa de 1917, a coisa muda de figura: Aquela separação estanque entre a “propaganda socialista” e a “atividade cotidiana”, seja ela sindicalista ou parlamentar (ou análogos vários), passa a ser um contrassenso. Pelo contrário, é a capacidade de ligar à atividade cotidiana com os objetivos últimos socialistas e comunistas, que se torna o único parâmetro correto para avaliar o real valor revolucionário de qualquer partido que se reivindica marxista. Inclusive sobre isso é interessante ver como já é possível encontrar muitas pistas e indicações em Lênin, mas também em Luxemburgo ou Gramsci. Mas sem dúvida foi Trótski, até por ter vivido até 1940, que pôde amadurecer e consolidar essa questão chave em sua grande obra, o Programa de Transição de 1938.

Mas essa, como aliás em geral a grande maioria das grandes conquistas teóricas do pensamento e do movimento revolucionário, não é uma conclusão que aparece de repente pronta na cabeça de um indivíduo; é o produto de uma acumulação histórica, e naquela passagem do “Organizador de derrotas” ela já está claramente colocada.

A partir de 1923 Trótski passa a organizar a Oposição de Esquerda como parte da luta contra a degeneração burocrática. Quais as principais batalhas que a Oposição de Esquerda vai travar contra a direção stalinista?

Então, é uma luta muito ampla, porque tem a ver com a continuidade do processo revolucionário, contra todas as tendências de conservadorismo e retrocesso que o atraso econômico e cultural do país, e o isolamento internacional da revolução, que se materializam na dominação crescente do aparato burocrático.

De início, ali por volta de 1923, daria para sintetizar a luta que a Oposição de Esquerda travou inicialmente em dois grandes eixos centrais. De um lado, dentro da URSS, foi uma luta contra o excesso de concessões que a direção stalinista irá fazer aos elementos não proletários, ou seja, aos camponeses ricos ("cúlaques") e os comerciantes e atravessadores nas cidades (os “homens da NEP”). Numa situação em que o proletariado vinha muito fragilizado após os enormes sacrifícios da guerra civil, o prolongamento indevido e desmedido da NEP levou a um fortalecimento desses setores, por natureza conservadores e pró-capitalistas, e a burocracia stalinista se assentou inicialmente sobre essa base.

Por outro lado, para tirar a URSS do isolamento, a Oposição de Esquerda se destaca desde o início pela seriedade em contribuir com novas vitórias revolucionárias do proletariado, em outros países, especialmente os de economia capitalista mais avançada. Nesse sentido, grande parte do esforço de Trótski, e isso se expressa com tudo no livro, é extrair balanços e lições sérias, fundamentais, dos grandes processos da luta de classes que se deram naqueles anos. Porque uma coisa deve ficar clara: o isolamento da URSS não ocorreu por falta de lutas revolucionárias dos trabalhadores em uma série de países, mas pelas falências das direções comunistas. Temos que lembrar que naquela época, ao contrário do que passaria a acontecer sobretudo após os anos 1930, a maioria das derrotas se dá por erros, e não por uma ação traidora deliberada.

O papel traidor e contrarrevolucionário do stalinismo, em escala internacional, vai se estabelecer até o final com processos desse período posterior: a capitulação sem luta diante de Hitler em 1933 (encoberta com frases esquerdistas e sectárias), a Frente Popular na França em 1935, até o esmagamento físico da vanguarda operária na revolução espanhola em 1937.

O título de “organizador de derrotas”, que Trótski confere a Stálin em sua obra de 1928, serve para descrever um período anterior, em que o stalinismo deve ser visto mais como uma reação conservadora, mas ainda não como um aparato contrarrevolucionário consciente. Hoje nós sabemos que, no final das contas, aquele aparato acabou conduzindo inclusive, algumas décadas depois, à própria Restauração do capitalismo. Confirmando inclusive uma das hipóteses que Trótski levantava, caso os trabalhadores não conseguissem derrubar a burocracia numa revolução política a tempo. Mas isso foi algo que se deu a partir de um processo que atravessou várias décadas, entender os diversos estágios pelos quais o processo passou é crucial.

No Brasil o PCB foi fundado em 1922 e houve divergências internas importantes desde sua fundação. Qual influência teve a Oposição de Esquerda em nosso país?

O PCB foi fundado em 1922, um tanto tardiamente com relação a muitos outros países mundo afora, e isso tem a ver com diversas circunstâncias que não cabem no espaço que temos aqui. Mas de todo modo, podemos dizer que a heterogeneidade interna do PCB nos seus primeiros anos não está relacionada diretamente com os debates da URSS, ou com o que viria a ser, poucos anos depois, a luta que passou à história como trotskismo x stalinismo.

Nos primeiros anos do PCB, o que mais chama a atenção é o tributo que o partido ainda pagava a certos traços herdados do anarcossindicalismo, e a preparação marxista muito rudimentar dos primeiros representantes da sua ala “intelectual" (Octavio Brandão e Astrojildo Pereira).

Um segundo momento das divergências internas no PCB começa mais precisamente no final já da década de 1920, ligado a uma série de circunstâncias tanto nacionais como internacionais. Entre os pioneiros da Oposição de Esquerda no Brasil, se destacam intelectuais como Lívio Xavier, Mário Pedrosa, Rodolfo Coutinho, entre outros. Mas não é um detalhe que o principal dirigente operário que vinha da fundação do PCB em 22, o trabalhador gráfico João da Costa Pimenta, tenha sido parte da geração fundadora do trotskismo brasileiro.

Esse peso operário, a partir dos União Geral dos Gráficos (um sindicato que unia operários e intelectuais em sua própria composição, o que se mostrou um trunfo importante à época) foi decisivo inclusive anos à frente, para a formação da FUA (Frente Única Antifascista) e do jornal “O Homem Livre”, que foram a base para o ação de rua contra os fascistas da AIB, que passou à história como a Revoada dos Galinhas Verdes. Esse episódio, ocorrido em São Paulo em 1934, foi crucial para barrar o avanço do integralismo.

É um importante legado histórico do trotskismo, com valor na atualidade tanto no Brasil, como em todos os lugares do mundo onde ressurge essa extrema direita com traços fascistas, como o bolsonarismo.

Então dá pra dizer, em linhas gerais, que a Oposição de Esquerda foi formada por quadros históricos, oriundos em parte da própria fundação do PCB em 1922, e reuniu o melhor que aquele jovem partido tinha, no final daquela década. Depois, apesar da batalha muito desigual contra a direção oficial, que contava com todo o apoio do aparato internacional da URSS stalinizada, conseguiu impor sua marca na luta de classes dos anos 1930.

No entanto, a repressão desencadeada por Vargas a partir da aventura militarista de Prestes em 1935 (a chamada “Intentona”), o golpe do Estado Novo e o início da Segunda Guerra Mundial irão atuar de forma a desorganizar o conjunto da esquerda brasileira, e o trotskismo também. Depois seguem outros fios de continuidade, muito tênues, mas isso é assunto pra outra entrevista, ou quem sabe um curso próprio no campus virtual ou onde possamos organizar

Bom, fazemos essa entrevista no mês de aniversário de morte de Leon Trótski, assassinado por um agente stalinista em 1940. O que você tem a dizer em relação ao relativo avanço numérico de organizações stalinistas no Brasil e as consequências estratégicas desta corrente política para o contexto político brasileiro atual?

Na verdade, esse não é um fenômeno que cai do céu, pelo contrário: o stalinismo teve um peso histórico no Brasil, o PCB foi um partido de massas em vários momentos, especialmente em 1945 e no pré-64, e quando se desagregou, deu origem a uma série de correntes, que de algum modo estão até hoje por aí, no movimento sindical e popular, nos meios acadêmicos, ou na política burguesa, inclusive.

O que chama a atenção é que uma parte dessas correntes agora tente aparecer como se fossem uma “novidade”. Sendo que elas se dividem quase que apenas no grau mais ou menos “febril" de reivindicação desse legado stalinista (indo da ortodoxia fanática da UP, até o stalinismo "reciclado" do PCB).

A base política para isso, é claro, está no amplo processo de desilusão com o PT, e com o fato de que mesmo agora quando esse partido aparece com força como oposição a Bolsonaro, na figura de Lula, isso se dá sem aquela ligação com as lutas populares que marcou o “PT histórico”. Em outras palavras, o PT pode até se preparar para retomar ao governo, encabeçando um novo governo burguês de coalizão. Mas do ponto de vista da sua relação com o movimento de massas, é um partido em decadência histórica, não tem mais a mesma capacidade de mobilizar ou despertar paixões. O PSOL, que ocupa um espaço como a primeira opção à esquerda do PT, aparece como muito pragmático e institucional, não tem viés revolucionário. E daí então essas correntes stalinistas ressurgem falando de “comunismo”, com a foice e o martelo, e tal, usando e abusando de um perfil "populista" bem apelativo, e escondendo o fato de que são correntes que defendem também a conciliação de classes e são inimigas da democracia operária. Enfim, o que aparece primeiro é o discurso "vermelho", e isso impacta especialmente um setor jovem que não teve uma experiência real com o que foi o desastre do stalinismo - que para além de todos os horrores, no final entregou de volta para a burguesia mundial a maior conquista que os trabalhadores tiveram na história, o primeiro Estado operário, conquistado em 1917.

Por fim, claro que uma parcela de responsabilidade aí tem que ser atribuída para as correntes que se reivindicam trotskistas no Brasil, já que os seus erros, especialmente a capitulação das maiores correntes ao golpe institucional de 2016, à Lava Jato, etc, impediu que as bandeiras trotskistas aparecessem claramente como a verdadeira alternativa diante da decadência do PT.

Daí que a necessidade de oferecer uma resposta revolucionária às novas gerações de jovens e trabalhadores é mais urgente do que nunca, e seria uma tragédia permitir que correntes stalinistas, com sua estratégia de colaboração de classes, levem a novas derrotas históricas como a que vivemos em 1964.

Nós do MRT e do Esquerda Diário dedicamos nossos esforços nesse sentido, para transmitir as conclusões da luta de classes, com cursos de história do movimento operário e teoria marxista, etc, para contribuir nessa tarefa enorme que é construir um verdadeiro partido revolucionário à altura dos desafios, e para aportar desde já na necessária reorganização da esquerda revolucionária que a luta de classes trará no futuro.


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