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A pouco menos de um mês do 8 de Março, o Esquerda Diário conversou com Maíra Machado, Flávia Valle e Carolina Cacau sobre a luta das mulheres hoje e a necessidade de lutar contra o governo Bolsonaro e suas inúmeras propostas de ataques às mulheres e ao conjunto dos trabalhadores

sexta-feira 15 de fevereiro de 2019 | Edição do dia

ED: Como vocês veem a luta das mulheres no contexto do governo Bolsonaro?

Flávia Valle – Diante desse governo de extrema-direita, nos apoiamos no movimento de mulheres internacional que vem movimentando vários países: se expressa na Argentina na luta pelo direito ao aborto e no movimento Ni una a Menos; nos Estados Unidos, as mulheres estavam na linha de frente na greve dos professores de Los Angeles e nas marchas contra Trump;na Europa, são as mulheres que estão no protagonismo na França, que arde na batalha dos Coletes Amarelos, e no Estado Espanhol, em luta por uma greve geral no 8 de março. Na Índia, em aliança com os trabalhadores homens, as mulheres lutam por melhores condições de vida e por mais emprego na juventude, construíram um impressionante cordão humano de mais de 600 km de extensão em luta pelos mesmos direitos religiosos que os homens! No Brasil, as mulheres também estiveram na linha de frente de diversas batalhas que começaram a tomar a cena nacionalmente desde junho de 2013 e que colocaram à frente as demandas democráticas expressas, em primeiro lugar, contra o racismo e a violência policial, mas que avançaram para questionar os padrões impostos pelo patriarcado. Agora em nosso país as mulheres mostram que são a vanguarda na luta contra a Reforma da Previdência a partir da greve de professores no município de São Paulo.

Maíra Machado – Sobre a greve do município de São Paulo, Bruno Covas anunciou hoje o corte de ponto dos grevistas! Um ataque direto ao direito de greve! Por isso precisamos denunciar com força o governo em defesa do direito de greve. Para pensar nossa luta no Brasil, é importante marcar que o governo Bolsonaro é continuidade do golpe institucional de 2016. Bolsonaro foi vitorioso nas eleições mais manipuladas que vivemos na história do país, marcada pela prisão arbitrária de Lula, que impediu que a população tivesse o direito de decidir em quem votar. Essa manipulação teve à frente o judiciário brasileiro apoiado pelas forças armadas e por isso Sérgio Moro foi coroado como ministro da justiça e está aí para impor duros ataques ao conjunto da população. Viram o pacote que apresentou na última semana para “combater o crime e a corrupção”? Na verdade, é um pacote para usar os métodos da Lava-Jato contra os trabalhadores e nossa organização, dá licença para a polícia matar e torturar, permite a prisão em segunda instância e institui a prática da delação. Podem avançar para criminalizar os movimentos sociais, como MST e MTST, como Bolsonaro já declarou.

Maíra Machado, professora estadual de Santo André (SP) e militante do MRT

Carolina Cacau – Não bastasse essa proposta draconiana, ontem Bolsonaro confirmou que seu governo está a serviço dos grandes empresários e capitalistas. Bateu o martelo sobre a primeira parte da proposta de Reforma da Previdência, a idade mínima foi definida, sendo 62 para mulheres e 65 para homens. A transição para esse novo regimento será de 12 anos. Isso enquanto parlamentares, juízes e militares seguem cheios de privilégios, grandes salários, aposentadorias, benefícios e auxílios de toda ordem. Agora, mais do que nunca, podemos afirmar ainda mais categoricamente que Bolsonaro é Temer e precisamos juntar forças para impedir que massacrem nossa vida.

Flávia Valle – Nesse marco, a luta das mulheres toma uma proporção extremamente política, de enfrentamento, já que Bolsonaro, uma vez sido eleito, se choca diretamente com as expectativas e a luta de milhares de mulheres e meninas que romperam barreiras e saíram às ruas nos últimos anos. Muitas dessas mulheres e meninas estavam no movimento #Elenão pouco antes do segundo turno, lutaram contra a ascensão desse governo, pois entendiam que seriam diversos ataques econômicos e também contra nossas liberdades individuais.

ED: Quando falam no choque das aspirações das mulheres, podem explicar se existem medidas que já se mostram como ataques diretos às liberdades democráticas?

Maíra Machado – Bom, existem diversas declarações e toda uma batalha cultural que setores do governo estão travando contra as mulheres, os LGBTs, os negros. As declarações da ministra Damares Alves são um choque direto, ela bradou que “menina veste rosa e menino veste azul” e abriu uma enorme polêmica, deixando claro que quer colocar os LGBTs de volta no armário e as mulheres de volta na cozinha. Já se pronunciou contra o direito ao aborto e defende educação em domicílio, que, para além de servir para limitar o pensamento crítico da juventude, tem a função de abrir com tudo a porta para a privatização do ensino com as diversas redes de educação privada, chefiadas por grandes nomes do governo atual, como Paulo Guedes. É também um ataque à categoria de professores, composta majoritariamente por mulheres.

Carolina Cacau – Bolsonaro atua com pleno apoio da chamada “bancada da bíblia”, composta por grandes milionários que comandam uma série de igrejas neopentecostais. Quando falam em avançar contra o direito ao aborto nos casos que hoje são permitidos, passam por cima de 1 milhão de mulheres que estão sujeitas a morrer todos os anos, vítimas de abortos clandestinos! Esse setor de parlamentares ganhou força durante os anos de governo do PT, que negociou as pautas históricas das mulheres em troca da governabilidade, permitindo que Marco Feliciano fosse presidente da Comissão de Direitos humanos e o veto ao kit anti-homofobia.

Carolina Cacau, estudante da UERJ, do Centro Acadêmico de Serviço Social, professora e militante do MRT

Flávia Valle – Toda a discussão de combate à chamada “ideologia de gênero” tem um conteúdo abertamente reacionário no campo dos valores, serve para perseguir professores com o projeto “Escola sem Partido”, para calar a voz de estudantes. Já anunciaram, por exemplo, que querem acabar com a liberdade política de grêmios estudantis. Sem contar que, por saberem que a unidade entre professores e juventude é algo explosivo, buscam com esses ataques manter as mulheres caladas, presas ao lar e à submissão patriarcal... imagine se voltamos a tomar as ruas junto com essa juventude que esteve na dianteira de processos importantíssimos nos últimos anos, com meninas na vanguarda das ocupações de escola e milhares lutando contra o feminicídio e a violência contra a mulher, é muito rápido para que essas questões sejam um pontapé na luta contra os ataques econômicos que o governo prepara.

Carolina Cacau – Não podemos deixar de dizer que 2019 mal começou e são diversos feminicídios em nosso país, alentados pelo discurso do governo. É gritante que nos primeiros dias de governo Bolsonaro foram registrados 5 casos de assassinato de mulheres a cada 24 horas no Brasil. Sem contar as mulheres trans, em um país que é campeão mundial de assassinato de LGBTs. Portanto, para além da pauta econômica, está toda essa discussão em relação aos nossos direitos individuais, por isso dizemos ao contrário do PT, que as demandas das mulheres não são uma cortina de fumaça.

ED: Em que sentido dizem que as demandas das mulheres não são cortina de fumaça?

Maíra Machado – O PT defende que a tarefa das trabalhadoras e dos trabalhadores é se concentrar nas pautas econômicas e deixar de lado as pautas morais. Nós, do Pão e Rosas, entendemos que cada ataque aos nossos direitos individuais é parte de uma engrenagem que trabalha para a aplicação das reformas. A Reforma da Previdência de Bolsonaro e dos grandes capitalistas que estão a seu lado é um ataque direto às mulheres e à juventude. A classe operária brasileira é hoje majoritariamente feminina e negra. É gritante a diferença salarial no Brasil entre homens e mulheres, e as mulheres negras chegam a receber 60% menos que os homens brancos. As mulheres trabalham mais e desde mais cedo que os homens, nós que garantimos todo o trabalho doméstico, cuidamos dos filhos e nos dividimos em duplas ou triplas jornadas de trabalho. Por isso entendemos que a luta por nossas demandas não está separada da luta dos trabalhadores homens e deve ser tomada pelo conjunto da classe trabalhadora que terá que trabalhar até morrer com esse governo ajustador.

Flávia Valle - Esse início do ano está sendo marcado por grandes tragédias, que mostram a decadência capitalista. Estive em Brumadinho e a tristeza e a revolta das pessoas são enormes. Centenas de mortos por culpa da ganância dos capitalistas, uma tragédia que não tem nada de natural e é fruto das privatizações que o governo Bolsonaro quer seguir fazendo para contentar a sede de lucros dos grandes investidores internacionais. Estamos em meio a um governo capacho dos interesses norte-americanos, que quer vender o país, com todos os seus recursos e força de trabalho para o capital estrangeiro, querem que paguemos esse custo com nossas vidas. Por isso nossa luta também é contra o imperialismo norte-americano, que conta com Trump para espalhar seu ódio contra as mulheres.

Flávia Valle, professora, fundadora do grupo de mulheres Pão e Rosas em Minas Gerais e militante do MRT

Carolina Cacau – Os ajustes, combinados a esse enorme desastre, pode se expressar como barril de pólvora e a comoção nacional pode se transformar em combate, por isso apostamos que a luta das mulheres pode ser uma força aglutinadora de todos os trabalhadores. Hoje completam-se 11 meses do assassinato de Marielle Franco, uma das feridas abertas do golpe institucional. Tantos meses depois ainda não existem culpados, mas já se sabe que a milícia tem participação direta em seu assassinato, essa milícia defendida por Bolsonaro e seu clã em diversos momentos, e que tem ligação com os políticos da ordem, com a própria polícia. Batalhamos no 8 de março por justiça a Marielle, lutando por uma investigação independente para que os mandantes sejam punidos. Queremos saber: quem matou, quem mandou matar Marielle?

ED: Como enxergam a luta das mulheres rumo ao 8 de Março?

Maíra Machado – Nossa luta neste 8 de Março se concentra na batalha para que as centrais sindicais rompam com a paralisia e a trégua que tem dado ao governo desde o golpe até agora. Mesmo com a ameaça concreta da Reforma da Previdência, seguem sem organizar um plano de lutas que seja capaz de mover os trabalhadores contra os ataques. Veja, nesse momento, estamos atuando na greve de professores de São Paulo, discutindo fortemente que o sindicato dos professores tem a obrigação de organizar comandos de greve em cada bairro e escola, em cada comunidade escolar, para que os trabalhadores tomem a luta em suas mãos. A luta dos servidores de São Paulo que derrotaram a Reforma da Previdência paulista no início do ano passado, mostra que as mulheres estão na vanguarda do combate contra os ataques e esse movimento deve se expandir nacionalmente.

Carolina Cacau – Quando colocamos que as centrais sindicais estão paralisadas, estendemos essa discussão ao conjunto da esquerda e também ao PT que sempre governou aliado aos grandes empresários se conciliando com os interesses da burguesia e que agora atua com uma estratégia de resistência parlamentar e de esperar até 2022, mas, para além disso, vemos o PSOL atuando com o mesmo pensamento, sem colocar sua força parlamentar para impulsionar esse enfrentamento na esfera da luta de classes. Seus parlamentares, inclusive aumentaram sua bancada feminina, não rompem com a lógica de separar o debate no parlamento com a necessidade de organizar os trabalhadores. Essa atuação fica bem evidente quando assumem a frente de uma “bancada progressista”, junto ao PT e também a partidos burgueses e golpistas, como o PSB e a Rede.

Maíra Machado – Marcelo Freixo chegou a dizer que essa frente “é uma vitória da esquerda que tem pontos em comum entre os partidos. São partidos comprometidos com a democracia, de oposição ao governo Bolsonaro, e com possibilidade de um diálogo intenso com a sociedade, com independência total desta Casa em relação ao governo”. Como é possível ter pontos em comum com a golpista Marina Silva, da Rede, ferrenha apoiadora da prisão arbitrária de Lula e do autoritarismo judiciário?
Flávia Valle – Os sindicatos devem cumprir com sua tarefa de alertar as trabalhadoras e os trabalhadores sobre o verdadeiro significado desse governo. É preciso debater em todas as categorias o impacto da Reforma da Previdência a partir de assembleias e reuniões. Além disso, pensando nas demandas das mulheres, é muito importante que sejam organizados encontros de mulheres que debatam a necessária e urgente unidade com todos os trabalhadores e permita que tomemos a linha de frente para impor uma derrota aos planos capitalistas e conservadores que serão levados até o fim por esse governo.

ED: Quem é o grupo de mulheres Pão e Rosas?

Carolina Cacau – O Pão e Rosas está em diversos países e nos apoiamos no movimento internacional de mulheres. Vemos que as lutas expressivas com as mulheres na linha de frente em todo o mundo nos dão base para que também nos coloquemos na linha de frente no combate à Reforma da Previdência e a de todos os ajustes propostos pelos capitalistas para descarregar a crise em nossas costas. Atuamos em cada local de trabalho e estudo com a única estratégia que pode nos levar à vitória, ou seja, apostar na luta de classes; buscamos ainda nos apropriar da história e da luta de grandes mulheres, por isso temos mais de 10 livros publicados com a temática de gênero e sexualidade. Também levamos nossas ideias à frente com o Esquerda Diário, uma mídia presente em diversos países e que se propõe a ser a voz das mulheres, dos negros, dos LGBTs e do conjunto dos trabalhadores.
Flavia Valle – Estamos lançando esse mês a biografia Rosa Luxemburgo - Pensamento e Ação escrita por Paul Frölich. O livro foi editado numa parceria entre as editoras Boitempo e Iskra. Vamos rodar o país defendendo o legado dessa que foi a maior revolucionária de nossos tempos e que enfrentou o machismo de sua época, não somente em nome das demandas das mulheres, mas como porta-voz da luta revolucionária de toda a classe trabalhadora.

Maíra Machado – A história da Rosa Luxemburgo é emocionante e nos enche de energia. Saber que desde muito nova já enfrentava ideias conservadoras, foi presa muitas vezes e foi morta por defender uma estratégia revolucionária. Sua história foi deturpada pelo stalinismo e o que nós queremos com esse livro é resgatar seu verdadeiro exemplo de vida. Já aproveito para fazer o convite do lançamento que acontecerá na USP dia 26 de fevereiro, com Diana Assunção, que escreveu o prefácio, e Isabel Loureiro, responsável pelo posfácio. Ainda em fevereiro, lançaremos o livro também na Universidade Federal do ABC no próximo dia 27 comigo participando do debate. Faremos também atividades em diversos lugares do país, ou seja, não faltarão oportunidades para conhecer melhor e debater esse grande exemplo de vida e de luta para todas nós. Faço o convite para os lançamentos e para que as mulheres marchem com a gente nesse 8 de Março!
*Acompanhe no Facebook, Instagram e Twitter o Grupo de mulheres Pão e Rosas e também as páginas da Professora Maíra Machado, Carolina Cacau e Flávia Valle




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