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SEPARAÇÃO DA IGREJA DO ESTADO | Enquanto os trabalhadores pagam pela crise, Bolsonaro pressiona Receita Federal a perdoar dívidas de igreja evangélica

Em meio ao agravamento da pandemia no Brasil com um salto no número de contágios e mortes e dos efeitos da precarização do trabalho somado a milhares de demissões graças as MPs de Bolsonaro, o presidente se reuniu na última segunda-feira (27) no Palácio do Planalto com o deputado federal David Soares (DEM-SP), filho do missionário R. R. Soares, e com o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, no encontro, a portas fechadas, o presidente cobrou uma solução para dívidas tributárias que as igrejas possuem com o Fisco. Bolsonaro que vem aprofundando ataques contra os trabalhadores, já ordenou à equipe econômica "resolver o assunto", mas a queda de braço continua por resistência do órgão.

quinta-feira 30 de abril de 2020 | Edição do dia

A Receita Federal descobriu que as igrejas estavam usando a remuneração do pastor, que é isenta de tributos, para distribuir participação nos lucros ou pagar remuneração variável, concedendo os maiores valores a quem tem os maiores "rebanhos" de fiéis. A fiscalização aplicou multas milionárias, abrindo a discórdia entre o Fisco e as igrejas que se recusam a pagar o que devem.

A pressão de Bolsonaro em favor das igrejas, apesar de não ser nova, acontece num momento em que o presidente tenta aproximação com o Centrão, bloco de partidos que reúne, entre suas lideranças, parlamentares ligados à bancada evangélica, que tem 91 membros, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Isso ocorre devido à crise política aberta com a saída de Sérgio Moro do governo acusando o presidente de exigir relatórios de investigações sigilosas da Polícia Federal. Em meio às disputas entre o bolsonarismo, o bonapartismo judiciário que volta a disputar o papel de arbitro da política nacional controlando os ritmos da possibilidade de abertura do Impeachment e o bonapartismo-institucional liderado por Maia e Alcolumbre, as igrejas evangélicas se tornam uma peça chave para a sustentação do governo.

É obvio que um eventual perdão das dívidas traria prejuízo às contas públicas. Ainda mais num cenário de pandemia, onde os governos alegam que faltam recursos para responder a demanda elementares como a garantia de testes massivos, ampliação dos leitos e respiradores. Enquanto a vida da população segue em risco e os trabalhadores vêm pagando com cortes de salários e demissões por esta crise, a Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada por R R. Soares (com quem o presidente já se encontrou em outras ocasiões), acumula R$ 144 milhões em débitos inscritos na Dívida Ativa da União - terceira maior dívida numa lista de devedores que somam passivo de R$ 1,6 bilhão. A mesma igreja ainda tem outros dois processos em curso no Carf, tribunal administrativo da Receita, que envolvem autuações de R$ 44 milhões em valores históricos, segundo apurou o Estadão/Broadcast.

Em um vídeo divulgado em redes sociais em outubro de 2016, R. R. Soares aparece em um evento ao lado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, hoje preso após condenação na Operação Lava Jato, citando multas aplicadas às igrejas que chegavam a R$ 600 milhões até 2014.

Autuações milionárias

A Receita identificou uma série de mecanismos para burlar as regras e remunerar seus dirigentes, com pagamentos a empresas e escritórios de advocacia, o que gerou outra leva de autuações. No início de abril, as igrejas ocupam 663 imóveis da União e pagam, no máximo, 2% do valor do terreno.

As igrejas são alvos de autuações milionárias por driblarem a legislação e distribuírem lucros e outras remunerações "vultosas" a seus principais dirigentes e lideranças sem efetuar o devido recolhimento de tributos. Embora tenham imunidade no pagamento de impostos, o benefício não afasta a cobrança de contribuições (como a CSLL ou a contribuição previdenciária). Na avaliação de fontes ouvidas sob a condição de anonimato, as igrejas também infringem a lei ao distribuir parte dos seus lucros obtidos com o dízimo dos fiéis, mesmo que de forma disfarçada, por meio de contratos de prestação de serviços. O Código Tributário Nacional (CTN) condiciona a imunidade tributária à não distribuição de "qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título".

Emissários das igrejas estão em contato com o Ministério da Economia na tentativa de ampliar a pressão sobre o ministro Paulo Guedes por uma solução. Dentro da pasta, auxiliares inclusive atribuem ao impasse com as igrejas a veiculação de uma reportagem pela TV Record, cujo proprietário é Edir Macedo, taxando Guedes como insensível com os mais pobres durante a crise da covid-19. A Universal disse que esse tema deveria ser tratado diretamente com a emissora, que não se pronunciou.

A Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, também tem seis processos em andamento no Carf, última instância administrativa para recorrer às autuações do Fisco. Segundo apurou a reportagem, existem ao menos 12 processos em âmbito administrativo na Receita envolvendo impasse com igrejas. Procurada, a Universal diz que "paga rigorosamente todos os tributos que são devidos e, assim, não deve qualquer valor à Receita Federal". A igreja diz ainda que "questionamentos sobre eventuais autuações abusivas são um direito dos contribuintes". Não houve resposta sobre o valor das autuações.

Fora Bolsonaro, Mourão e os militares: Pela Separação da Igreja do Estado

Bolsonaro, apesar de ter dado um salto de qualidade na relação entre as Igrejas e o Estado, não foi o primeiro a construir este laço. Em 2013, a então Presidente Dilma Rousself garantiu a chegada de Marco Feliciano à Comissão de Direitos Humanos em nome da "governabilidade", o que serviu de trampolim para as igrejas aprofundarem sua integração ao Estado expandido a bancada da bíblia. Este caminho de conciliação de classes, que incluiu setores da direita reacionária, defensores da Cura Gay entre outras pautas conservadoras, abriu espaço para o golpe institucional que depois foi determinante para a vitória eleitoral de Bolsonaro. Vale ressaltar que houve uma mudança na lei em 2015 para tentar conter a fiscalização, e muitas autuações continuam de pé ainda no âmbito da Receita. Por isso, as igrejas pressionam o Palácio do Planalto e a Receita Federal para conseguir afrouxar regras e afastar as cobranças.

Ainda assim, é claro o salto de qualidade deste governo com as igrejas evangélicas, não apenas pela disseminação das Fake News durante a campanha eleitoral, mas pelo papel fundamental de Damares Alves nos primeiros meses de governo na suposta luta contra "a ideologia de gênero". Também não é a primeira vez que Bolsonaro tenta impor à Receita a revisão das multas das igrejas. O ex-secretário da Receita Marcos Cintra disse a interlocutores que não ceder a essa ordem foi um dos motivos para ter deixado o cargo.

Além desta tentativa de isenção, Bolsonaro vem cada vez mais dialogando com esta base conservadora, se colocando contrário ao direito ao aborto para mulheres vítimas do zika vírus, escolhendo para o Ministério da Justiça um pastor e reproduzindo ataques à OMS e à Rede Globo como se fossem "defensores dos homossexuais e da ideologia de gênero". Por estes motivos que precisamos as mulheres, o povo negro e LGBT precisam estar na linha de frente junto com o conjunto da classe trabalhadora para exigir Separação da Igreja do Estado e lutar pelo Fora Bolsonaro, Mourão e os militares sem colocar nenhuma confiança no STF, no Congresso Nacional e nos governadores. É preciso impor as igrejas que paguem suas dívidas e que este dinheiro seja revertido imediatamente para garantia de testes massivos, ampliação dos leitos, EPIs e respiradores. Os trabalhadores não devem pagar pela crise, os capitalistas sim!




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