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RIO DE JANEIRO | Em pleno século XXI, escola do RJ reedita ensino separado de meninas e meninos

Meninos e meninas desenvolvendo o aprendizado escolar em salas separadas pelos seus gêneros: esse é o método adotado por uma escola particular no bairro Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, caracterizado como “movimento de vanguarda” por uma das fundadoras e diretora da escola Adrianna Abreu; justo este, que é um dos modelos mais retrógrados e conservadores, típicos de escolas católicas que datam do século XIX.

quarta-feira 26 de julho de 2017 | Edição do dia

Foto: Mônica Imbuzeiro/O Globo

O colégio Porto Real, regido pela doutrina católica e inspirado em um dos fundadores da Opus Dei (um dos setores mais conservadores dentro dessa igreja), iniciou neste ano o método chamado “single sex” nos primeiros anos do ensino. Os meninos têm aulas com professores homens e as meninas, com professoras mulheres. Seus horários de intervalo e descanso, o recreio tão esperado pelas crianças, são também realizados separadamente. O material pedagógico utilizado é o mesmo, porém abordados de maneira distinta, segundo os idealizadores, de acordo com as “especificidades biológicas” de “desenvolvimento cerebral de cada sexo” e abordando “temas que se acredita serem mais agradáveis a cada universo” – explicações feitas em matéria do “O Globo” do dia desta quarta (26). E as turmas têm hoje apenas oito alunos em cada uma delas.

Vendendo como a solução dos problemas de desenvolvimento pedagógico infantil, a diretora prega o alto rendimento escolar como resultado do método (baseando-se em um estudo de uma universidade estadunidense), dizendo que os alunos são mais contemplados (de acordo com o desenvolvimento cognitivo e de amadurecimento de cada criança) neste formato. Mas quais são os critérios utilizados para fazer essa avaliação? Os critérios são tudo na hora de fazer uma avaliação. Não seriam esses critérios baseados em como cada criança corresponde à expectativa associada ao seu gênero, de acordo com o papel que a ideologia dominante quer estipular para mulheres e homens em nossa sociedade patriarcal?

Vendem também a ideia de que separando-os neste “ambiente de competição”, os meninos passam a tratar as meninas com mais “cordialidade”. Cordialidade aqui não seria sinônimo de distinção, diferenciação, “eu tenho um papel e você tem outro”? Fora o questionamento que devemos nos fazer sempre: porque a escola é ou deve ser um ambiente de competição? Nos parece então que a competição entre meninos é aceitável, a lógica meritocrática, que só serve à exclusão social e de falta de oportunidades a uma vida digna, pode nortear as relações entre homens (mas não com mulheres, já que não podem “competir” nas mesmas esferas sociais). O objetivo real deveria ser ter uma educação norteada não pela competição, e sim pelo desenvolvimento pleno das capacidades e vontades das crianças, com cooperação mútua. Mas este é um problema mais profundo ainda, que partiria de alterar o objetivo que a classe dominante imprime na educação como um todo.

E falam muito em como o método prioriza o desenvolvimento individual de cada aluno de acordo com suas próprias características, e que na prática isso já se provou na escola. Ora, as especificidades de cada criança não são determinadas pelo gênero. Todas as crianças possuem necessidades e ritmo de aprendizagem diferentes, dificuldades e habilidades específicas, independentemente de serem homens ou mulheres. O que neste caso acaba contribuindo com isso não é a separação, mas sim o fato de que cada professor trabalha com apenas oito crianças. A atenção dada a cada uma delas assim pode ser infinitamente maior do que na situação de um professor que trabalha com quarenta por sala, ou trezentos contando todas as turmas a que atende. Essa sim seria uma medida que já contribuiria e muito para uma melhor educação de cada criança e jovem. Mas o que temos na educação pública não passa nem perto disso.

Com um revestimento científico, ancorado em uma criação do pedagogo espanhol Victor García Hoz, os fundadores deste colégio reeditam uma pedagogia auxiliar à opressão histórica vivida pelas mulheres. A ideia de que homens e mulheres possuem papeis distintos na sociedade faz recair sobre as mulheres toda a responsabilidade do cuidado da casa e dos filhos, que dentre a classe trabalhadora significa dupla s ou triplas jornadas de trabalho. E que no âmbito do trabalho externo, coloca a imensa maioria das mulheres trabalhadoras e pobres nos postos de trabalho menos remunerados e reconhecidos, como os serviços de limpeza, os serviços auxiliares de administração, e (pasmem!) a educação. Isso gera mundialmente uma diferenciação salarial significativa, sendo mais um elemento para contribuir para maior exploração das mulheres, e como consequência, do conjunto da classe trabalhadora – uma vez que sempre vai haver um trabalhador que ganha menos ou está desempregado para servir de pressão para o trabalhador empregado e com direitos.

Para os setores da classe dominante, essa divisão sexual de papeis sociais serve à manutenção desses padrões de comportamento e lugar na sociedade, contribuindo para cada vez menos a mulher se ver tanto quanto o homem como sujeito social e, portanto, como sujeito de atuação e transformação social.

Outra questão que esse modelo quer atacar frontalmente é a descoberta real e sincera de cada criança da sua própria identidade, atividades de interesse, e até da sua sexualidade. Como uma criança pode saber no que ela crê ou crerá como futuro adulto, se uma determinada religião (no caso, e quase como o é sempre, a católica) já lhe foi colocada como única “correta”? Como uma menina poderá desenvolver sua própria ideia de ser ou não mãe, de como ela experimentaria essa experiência, se já lhe foi colocada a ideia de que “o maior sucesso e alegria” de toda mulher é ser mãe? Como uma criança pode saber do que gosta de fazer ou como lidar com os problemas, se determinadas atitudes já forem impostas a partir de seu gênero? E, por fim e não menos importante, como uma criança pode saber se se identifica mais com o “universo” feminino ou masculino, ou se aceitar por se interessar no futuro por pessoas do mesmo gênero, se os papeis feminino e masculino já estão estanques desde a primeira infância?

Os argumentos apresentados aqui parecem ser muito “antigos”, que parecem responder a uma situação já em parte superada pela diferenciação entre homens e mulheres; mas a própria proposta é tão “antiga” que reinstala a necessidade de trazê-los à tona. O que essa diferenciação educacional somente produz é a redução do desenvolvimento da própria subjetividade da criança em muitos aspectos, reforçando padrões funcionais à perpetuação da opressão às mulheres e aos LGBTs e do patriarcado – e por conseguinte do próprio capitalismo.




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