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MARXISMO | Ellen Meiksins Wood 1942-2016. O combate por um marxismo renovado

sexta-feira 26 de fevereiro de 2016 | 00:00

Do original: “Ellen Meiksins Wood 1942-2016. Um combat pour um marxisme renouvelé”, publicado em 20 de janeiro de 2016, por Cecilia Feijoó, Révolution Permanente.

À quinta-feira 14 de janeiro, vinha a falecer, em decorrência de um câncer, Ellen Meiksins Wood, historiadora marxista norte-americana. Contra ventos e marés – e apesar também dos anos Reagan-Thatcher e a queda do muro de Berlim – Meiksins Wood soube resistir ao rolo compressor ideológico e postular um marxismo tanto capaz de continuar a afrontar o capitalismo quanto de pensar positivamente o socialismo, duas perspectivas que movem a ação da classe trabalhadora.

Meiksins Wood foi por muito tempo uma das mais eminentes redatoras de duas revistas marxistas de grande prestígio no mundo anglo-saxão, a New Left Review e a Monthly Review. Apesar disto, Wood jamais fez parte de qualquer organização política. Em compensação, ela se revestiu totalmente destas correntes universitárias que, influenciadas por diferentes tendências políticas – trotskystas, maoistas, ex-PC, etc. –, animaram os panfletos que tiveram eco para além dos campi universitários numa época, os anos 1968, marcada por uma intensa movimentação social e política.

Em 1978, o historiador britânico E. P. Thompson lançou um ataque sistemático contra o imaginário estruturalista de Louis Althusser, convocando os intelectuais marxistas da época a se posicionarem em torno deste debate. A Comissão Editorial da New Left Review acolheu, então, o debate e se dividiu em relação ao assunto. Perry Anderson, um dos seus principais colaboradores, considerava como interessantes algumas das categorias defendidas por Althusser, tais como as de “formação econômico-social”, a contradição “sobredeterminada” da estrutura sobre a superestrutura, ou a “autonomia relativa” do Estado em relação à estrutura econômica. Assim procedendo, Anderson taxava Thompson de idealista e romântico revolucionário. Meiksins Wood, de outra parte, foi bem menos complacente em relação a Althusser. Entre suas críticas, citaremos: sua tomada de distância em face ao filósofo francês quanto à divisão que este faz entre “ciência” e “política”; a indiferença dele em relação aos “fatos empíricos”; bem como o fato de que, em Althusser, desaparece a figura da classe trabalhadora na qualidade de agente transformador da sociedade. É neste sentido que Meiksins Wood se considerava thompsoniana, embora, relendo os trabalhos da autora, se note aí muito mais uma reapropriação do método e da obra de Thompson do que necessariamente uma reprodução ou uma simples continuação dela. Em Wood, os fatos históricos do historiador e a preponderância da história subjetiva abrem caminho a uma reflexão histórico-conceitual e à teoria política. Esta abordagem forma o esqueleto do “marxismo político”, perspectiva teórica que ela anima junto do também historiador Robert Brenner. Este nome (marxismo político) era suposto ser, em si, um modo de reafirmar, de forma polêmica, que não existe autonomia entre a política e a economia, entre a ciência e a prática, entre o conceito e a história; sobretudo, que existe entre o conjunto destes conceitos — e das realidades que eles interpretam — uma relação determinada historicamente. É sob este ângulo que ela escreveu sobre as origens do capitalismo, em A Origem do Capitalismo, e produziu uma história social das ideias políticas da Antiguidade aos dias de hoje.

Foi também a partir deste ângulo que Meiksins Wood estudou o imperialismo contemporâneo (norte-americano e em geral). Seu livro O império do Capital teve um papel importante na renovação, junto dos trabalhos de Brenner e David Harvey, dos estudos marxistas sobre o tema. Em particular, sua discussão das teses defendidas por Harvey em O novo Imperialismo a levou a reinsistir sobre o fato de que a lógica de expansão territorial e aquela da acumulação capitalista eram indissociáveis, e que isto se traduzia antes de tudo por um atual reforço dos Estados-nação, tese que ela já havia antecipado de maneira vigorosa no debate contra Michael Hardt e Antonio Negri, os quais afirmavam, em seu livro Império, o declínio do Estado-nação. Assim ela escreveu em O Império do Capital:

“Ao contrário, os Estados se situam no coração do novo sistema mundial (...) o Estado continua a ter um papel essencial na criação e manutenção das condições necessárias à acumulação do capital. E instituição alguma, organismo transnacional algum jamais começou sequer a substituir o Estado-nação como garantidor administrativo e coercitivo da ordem social, das relações de propriedade, da estabilidade ou da previsibilidade contratual, ou de toda outra condição essencial ao funcionamento cotidiano do capital”.

Visão esta que a atualidade confirma plenamente.

Dos seus livros recentes, um dos mais importantes é Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico, publicado pelas editoras universitárias de Cambridge em 1995. Meiksins Wood tenta restabelecer o sentido historicamente revolucionário do conceito de democracia na Grécia Antiga, de modo a opô-lo contra o conceito de democracia ocidental moderna, democracia formal, separada da economia, e que Wood considerava como uma criação histórica da burguesia a fim de manter sua dominação de classe. Sua tese, já antecipada em 1988 em Peasant-Citizen and Slave – The Foundations of Athenian Democracy, é que, longe da clássica visão marxista segundo a qual a democracia grega é antes de tudo uma democracia escravagista, o “demos” era na verdade constituído de camponeses livres que conduziam a “polis” contra a aristocracia dos grandes proprietários escravagistas. Para a filósofa e historiadora norte-americana, nesta experiência clássica do “demos”, a política era intimamente ligada à economia, e a participação nos negócios públicos — da cidade — era indissociável do exercício da democracia pela classe social que a encarnava. Meiksins Wood traça uma linha de continuidade entre a democracia clássica e aquela praticada pela plebe romana, por certas experiências campesinas e seculares na Idade Média e, finalmente, pela classe trabalhadora sob o capitalismo. Esta era a chave, segundo ela, para a democracia verdadeira, e é neste sentido que, para que ela seja realmente verdadeira, ela deveria se impor contra o capitalismo, sobre a base da destruição da propriedade privada dos meios de produção através da governança dos “demos”, ou seja, através do proletariado e seus aliados.

Em Democracia contra Capitalismo, Meiksins Wood desenvolve mais outra ideia que lhe é cara. Segundo a autora, a democracia ocidental, tal como a concebemos hoje — ou seja, enquanto separação da política em relação à economia —, não seria o resultado de um processo automático de desenvolvimento da estrutura econômica, vale dizer, do mercado ou do capitalismo propriamente. Tratar-se-ia, antes de tudo, do produto de um processo no seio do qual a política, entendida como violência das classes dominantes, se exprimiu contra os explorados, e em se organizando como agente inconteste da transição entre o feudalismo e o capitalismo.

No contexto do marxismo acadêmico, Ellen Meiksins Wood se distinguiu por seu esforço de interpretação de um marxismo que não teria nunca perdido de vista isto que lhe é a essência, a saber, sua vinculação às lutas de classe e seus resultados e perspectivas políticas socialistas, como está expresso em seu livro Retreat from Class: a New “True” Socialism, que a rendeu o prêmio Isaac Deutscher e com o qual ela se defendeu contra os pós-marxistas. Assim, para ela,

“a luta de classes é o núcleo do marxismo em dois sentidos indissociáveis: é a luta de classes que explica, conforme o marxismo, a dinâmica da História; e a abolição das classes é o resultado principal ou o produto final da luta de classes, o objetivo ulterior do processo revolucionário (...) É a unidade indivisível desta visão da História e dos objetivos revolucionários que distingue o marxismo das outras concepções da transformação social e, sem tal unidade, não há marxismo”.

Sua renovação do marxismo retornava justamente a Marx, de maneira a afrontar as outras “renovações” que, acusando Marx de determinista, essencialista ou teleológico, vinham a abandonar o socialismo como perspectiva, depositando suas esperanças de emancipação nas restantes opções mais ou menos reformistas do sistema. Para Meiksins Wood, era impossível de se pensar a renovação do marxismo sem se pensar no enfrentamento do capitalismo. Aos que, de outro modo, pensam o contrário, ela dizia, na conclusão de Democracia contra Capitalismo, que:

“nossa condição econômica e política atual nos ensina que um capitalismo de face humana, ‘social’, autenticamente democrático e equânime é uma utopia ainda mais ilusória que o socialismo”.

Notas não traduzidas

Do original: http://www.revolutionpermanente.fr/Ellen-Meiksins-Wood-1942-2016-Un-combat-pour-un-marxisme-renouvele

Tradução: Jean Miranda


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Teoria    Cultura



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