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JAZZ | Ella Fitzgerald: uma vida fazendo Jazz

Foi a primeira cantora negra a ganhar o Grammy 13 vezes no total. Em sua carreira, superou vendas de 40 milhões de discos e, título muito propício, foi seu o apelido de “A Primeira Dama da Canção.”

domingo 8 de maio de 2016 | Edição do dia

Houve titãs e grandes personalidades da música que se disseram ter o luxo de trabalhar com “A Dama”: Louis Armstrong, Duke Ellington, Nat King Cole, Gillespie e até Frank Sinatra.

Quando soam seus discos se descobre a voz dócil e sensual, ampla em seu registro de três oitavas, camuflada entre instrumentos aos quais tinha o dom de imitar a seu gosto e prazer. Seu talento foi reconhecido publicamente entre países e culturas das mais diversas e ultrapassou, obviamente, a classe social da qual a mesma era originária; também os brancos ricos disputaram entre si para desfrutá-la ao vivo e escutá-la.

Crescida entre Virginia e Nova York, além do Harlem

Poucos meses após seu nascimento em 25 de abril de 1917 em Virginia (sua mãe, chamada nada menos que Temperança) se separou do pai de Ella e decidiu mudar-se para um subúrbio em Nova York onde refez sua vida e voltou a casar-se. A infância transcorreu colaborando em casa, e quando podia recorria ao bairro que a levou a fazer grandes amizades com outros meninos e homens com quem se juntava para jogar basquete, considerando-se “pouco feminina”. Declarou uma vez já, que era mais dada às atividades masculinas. Dessa forma, o certo é que foi com esses amigos com quem subiu pela primeira vez ao trem que a levou ao Harlem, onde conheceu a música e os shows do Teatro Apollo que a impactaram e onde estreou tempos depois... com 17 anos de idade em 1934. Voltou a viver em Virginia com uma tia depois do falecimento de sua mãe e seu padrasto quando ainda era uma adolescente, mas prontamente foi expulsa da escola e logo terminava detida pela polícia na rua. A situação se resolveu com sua ida obrigatória à um reformatório em Nova York onde depois de muitos espancamentos e torturas, a jovem de 15 anos fugiu. Ella, mesmo quando já era uma artista consagrada, nunca deixou de recordar esses amargos e solitários anos como a fonte que a ensinou a amadurecer, reconhecer o que queria na vida e lutar por isso; estava mais que orgulhosa de cada um de seus prêmios.

O que pensa em fazer?

Como num jogo infantil, inscreveu-se um dia em um sorteio para artistas amadores de teatro que se dispunham a fazer espetáculos musicais. Por acaso seu nome foi eleito e finalmente subiu ao palco do legendário Apollo naquela noite: numa repentina mudança de planos, ao ver dançando as bailarinas profissionais entre vaias do público que a perguntava: O que você pensa que vai fazer agora? ; uma tímida e reservada Ella decidiu no último segundo deixar de lado o corpo de baile e se colocou a cantar uma canção que conhecia muito bem desde pequena, por conta de sua mãe. Quando acabou de cantar “Judy” (do repertório de Conne Boswell e que sua mãe amava), a plateia já havia se acalmado e pedia incansavelmente um bis.
Um pouco pela vida que vivia até então, nunca isenta de discriminação para uma mulher pobre, negra e ainda alheia ao estereótipo de beleza, Ella costumava ser, dizia de si mesma, muito tímida e possuir um auto-estima muito baixa. Porém naquela noite de estréia no Teatro descobriu que sobre o palco e de frente para as pessoas, perdia todos os medos e relaxava ao cantar para todos. Sua carreira foi completamente impulsionada pelo já reconhecido saxofonista Benny Carter, quem a apresentou e abriu todas as portas da música ao seu alcance. Desde então, foi seu amigo até os últimos dias.

Entre os anos que vão de 35 a 70, o crescimento de sua carreira foi descomunal: ganhou competência a cada apresentação, gravou êxitos em discos que superaram os rankings de vendas, se transformou numa artista popular que estava presente em qualquer show musical que a tv exibisse. Foram anos de excursão dentre os grandes do jazz, mas também do blues, do swing, e em sua minuciosa técnica de improvisação, antecipou o nascimento do Bepbop.

Reconhecimentos e o fim de uma era no jazz

Logo que foram lançadas as séries de livros-canções gravados sobre compositores reconhecidos, como Duke Ellington ou Armstrong, foi o próprio Gershwin (um dos maiores compositores do gênero) quem disse que “ minhas canções eram tão boas até que escutei Ella cantando-as”. Também a própria Marilyn Monroe, nos anos 50, teve a oportunidade de atuar e alguma vez a mesma Ella recordou assim: “ devo muito a você, foi graças a ela que pude chegar aos grandes palcos começando no Mocambo, o clube mais popular dos anos 50. Marilyn chamou pessoalmente o dono do clube e disse ao mesmo que se admitisse Ella, a própria Marilyn estaria toda noite na mesa principal para que todas a vissem. E assim, como era uma estrela, o dono concordou completamente e Marilyn cumpriu. Depois disso nunca mais voltei a tocar em pequenos clubes, creio que Monroe era especial, muito avançada em seu tempo.”

Nas últimas três décadas de sua vida, sua carreira voltou a nível mundial e logrou reconhecimentos de honra por parte de universidades, entidades artísticas e até o governos dos EUA, apesar de seu racismo, teve que reconhecê-la. Em 1990 já havia gravado mais de 200 álbuns, e seguia lutando contra a diabetes que a levou a perder suas pernas aos 76 anos.

Rodeada de seus familiares e amigos a recuperação foi muito difícil, e ainda que contadas vezes, voltou ao palco apesar do ocorrido.

“Lady Ella” demonstrou ser em seus últimos anos também a dama da persistência como quando terminava suas letras e longe de calar-se, dava vazão a sons monossilábicos sobre os instrumentos, misturando-se com eles até o final da canção.
Não admira seu apelido.

Tradução: Anita Anoca


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