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Eleições para o centro acadêmico de Ciências Sociais da USP (CeUPES): O que está em jogo?

Nesta terça-feira se inscreveram as chapas que irão disputar as eleições de 2017 para a direção do CeUPES Ísis Dias de Oliveira, centro acadêmico de Ciências Sociais da USP. As urnas estarão abertas nos dias 29, 30 e 01. Nossa entidade é conhecida por, desde sua reconstrução na década de setenta, ser palco de intensas disputas entre as diferentes tendências do movimento estudantil, e além disso, também foi símbolo de organização e resistência frente à repressão da ditadura militar. Essa entidade viva e combativa precisa ser retomada!

Mateus CastorCientista Social (USP), professor e estudante de História

quarta-feira 23 de novembro de 2016 | Edição do dia

O curso de Ciências Sociais da USP é característico por formar importantes quadros da burguesia nacional, como Fernando Henrique Cardoso. Seus bacharéis muitas vezes ocupam posições estratégicas em governos burgueses, assim como seus professores, que são também importantes vozes da política nacional, com relativo espaço nos grandes monopólios de comunicação. Contrasta com isso dezenas de formandos por ano que encontram pouco espaço no mercado de trabalho ou recebem pouco para dar aulas no ensino básico, carreira ainda mais ameaçada pela reforma do governo golpista no ensino médio.

É um desafio para o movimento estudantil fugir da pressão hegemônica neste curso, que historicamente não valoriza nossa independência política dos governos, e onde na academia primam diversas expressões da ideologia burguesa, como a pós-modernidade, especialmente na antropologia, a conciliação de classes na ciência política, ou o próprio combate ao conceito de classes na sociologia. Apesar de existirem os professores resistentes à ideologia burguesa e matérias marxistas que enfrentam essas visões de mundo exemplificadas, mesmo o marxismo dentro da academia acaba sofrendo dessa pressão ideológica e muitas vezes é tratado como mera corrente do pensamento, distanciada da ação dos sujeitos e da transformação social.

Este ambiente gera um movimento estudantil intensamente politizado, onde as questões nacionais muitas vezes importam aos estudantes tanto quanto as questões "sindicais" do curso - como as condições de estudo ou a organização da grade curricular. Por conta disso, o ambiente político do curso acaba servindo como balizador do ambiente político da superestrutura nacional, isso é, se expressam posições políticas no curso que muitas vezes vão se expressar também na "grande política". Um caso recente foi a atuação do petismo durante as eleições do DCE (Diretório Central dos Estudantes da USP). Os setores pró-governos petistas conseguiram aparecer com força como "verdadeiros" resistentes ao golpe institucional do governo Temer, mesmo sem terem feito absolutamente nada na realidade do país para combater este golpe, e pelo contrário, foram justamente os setores "ex-governistas", como a Juventude do PT, o Levante Popular da Juventude e a UJS que apaziguaram a UNE enquanto entidade nacional, imobilizaram a juventude que era contra esse golpe institucional, deixando assim o governo golpista assumir sem resistência da juventude organizada por esses setores. A resistência que Temer enfrentou, e ainda enfrenta, vem justamente dos setores de juventude que se opõe ao petismo e que não tem ilusões naqueles governos que iniciaram os ajustes, inclusive expulsando correntes como a UJS de diversas ocupações, como fazem os secundaristas ao redor do país.

Essa "carapuça" combativa do petismo não aparece apenas na sociais, mas é uma orientação política por todo o Brasil. Não podemos nos enganar de que Lula, que inclusive tirou foto apoiando a chapa com membros petistas do nosso curso, se sente muito satisfeito quando a juventude tenta retomar seu peso de militância de base, sem que para isso "incendeie o país", como o próprio Lula disse que não deveria ser feito. Ou seja, aquelas entidades que tinham a capacidade de incendiar e mobilizar amplos setores populares, como a UNE, CUT e a CTB, foram orientadas por Lula a não resistir ao golpe, enquanto buscavam cinicamente aparecer como "combativas" através de showmícios e ações pontuais. Enquanto isso, a direção do PT saia em centenas de coligações com o golpista PMDB nas eleições municipais, comprovando que foi o próprio PT quem abriu espaço para a direita golpista em seus governos de coalizão, além de que hoje o PT ainda tem mais medo da luta de classes do que dos próprios golpistas, contendo assim as manifestações populares e as greves, para concentrar esforços nas candidaturas de 2018 e buscar se recompor novamente pela via eleitoral e da conciliação de classes.

Se de alguma forma isso se expressa em nosso curso, não podemos deixar de reconhecer que os setores da esquerda, à frente do DCE, abriram espaço para essa confiança dos estudantes no petismo que se diz "combativo", à frente da chapa Rosa Grená. Isso porque a entidade que esse setor da esquerda dirige não se mobilizou contra o golpe institucional e está totalmente apartada da vida dos estudantes. Essa política no DCE foi fruto da visão vacilante frente ao golpe institucional, vinda de sua corrente principal, o Juntos/MES. Sua política abriu espaço para o petismo, ao não enfrentar o golpe institucional desde o início, e fazer coro com a direita golpista reivindicando a Lava Jato, sustentáculo central do golpe institucional que, além de simplesmente substituir um esquema de corrupção por outro, fortalece as instituições repressivas do Estado, que são e serão usadas contra a juventude e os trabalhadores que lutam.

Por conta disso, é muito importante que surjam movimentos à esquerda do petismo hegemônico da atual gestão do CeUPES, ainda mais se esses movimentos não passarem por acordos oportunistas com o Juntos/MES, de Luciana Genro, que defende a Lava Jato, a terceirização, as Parceria Público Privada e as greves de forças repressivas como a polícia. Dessa forma, nós, que somos militantes da Faísca e que atuamos há anos neste curso, vemos com bons olhos o surgimento de uma chapa composta por estudantes independentes que pressionaram acertadamente o MAIS a não compor a mesma chapa que o Juntos, diferentemente do que ocorreu nas eleições do DCE; além de ser uma chapa que se opõe pela esquerda à atual gestão e que se coloca abertamente contra o golpe institucional de maneira independente do PT. Esse posicionamento político é fundamental em nosso país hoje, pois nenhuma chapa poderia ser consequente com a luta contra os ataques sem ser claramente contra o golpe institucional, assim como é impossível ser verdadeiramente contra esse golpe sem rechaçar totalmente os golpistas da Lava Jato, ao contrário do que faz o MÊS/Juntos que compõe a chapa Alvorada.

Nós da Faísca queremos dialogar com todos os estudantes que simpatizam com a ideia de construir uma oposição de esquerda ao petismo do curso, e se colocando abertamente contra o golpe institucional. Achamos muito importantes as rodas de conversas impulsionadas pelos membros dessa nova chapa, chamada Pajubá, especialmente aquelas rodas destinadas ao combate das opressões, tarefa fundamental e estratégica para a Faísca. Somos profundamente intransigentes na luta contra o machismo, o racismo e a LGBTfobia. Entendemos que a interseccionalidade, idéia presente na chapa, surge de um importante elemento progressista em combater um tipo de feminismo branco e em geral burguês, que não apresentava saídas contra o machismo para os povos oprimidos, e a interseccionalidade vai incluir os elementos desses povos na luta contra a opressão, cruzando as questões de raça, gênero e sexualidade. Porém, nós não compartilhamos das visões individualistas ou setoriais para superação da opressão, pois essas visões consideram que a questão de classe é mais um elemento numa somatória de opressões, sendo que, no entanto, a divisão de classes da sociedade é um elemento de exploração objetiva, estrutural e raiz da sociedade capitalista, cujo sua classe dominante se apropria das opressões para aprofundar a exploração da classe trabalhadora. Tratar a divisão de classes como uma opressão, esvaziando seu sentido marxista de exploração, dilui inclusive o papel da classe operária na transformação social, transferindo-o para setores policlassistas.

Como marxistas, nós, da Faísca, reivindicamos que a luta contra as opressões é parte da luta contra o capitalismo, pois, nessa sociedade, a própria produção e reprodução da vida está subordinada à contradição entre capital e trabalho, entre a classe capitalista e a classe trabalhadora, e essa contradição permeia todas as outras relações sociais. Os capitalistas usam das opressões para dividir a classe trabalhadora, fazê-la voltar-se contra si própria e enfraquecer a confiança dos trabalhadores nas suas próprias forças, e para aumentar a exploração, ou seja, aumentar a produção de mais-valia, rebaixando os salários das mulheres, negros e LGBTs, superexplorando-os e pressionando, assim, os salários de toda a classe trabalhadora abaixo. A opressão às mulheres e LGBTs, embora anterior ao capitalismo historicamente, surge junto com a propriedade privada, por causa da necessidade de transmissão da herança. Por sua vez, o racismo foi criado pelo capitalismo para possibilitar o processo de acumulação primitiva do capital, baseado na escravidão negra e no genocídio dos povos indígenas.

Por todos esses motivos, é preciso lutar cotidianamente contra as opressões, mas sabendo que a emancipação dos oprimidos só será possível quando o capitalismo for superado e, consequentemente, a luta contra as opressões só pode vencer sendo parte da luta operária, que, por ser essa classe que tudo produz e que move a sociedade, é também a única que pode destruir essa sociedade capitalista e construir uma nova, em que não haja exploração nem opressão. Essa luta classista tem que ter, necessariamente, em sua linha de frente, todos os setores oprimidos da sociedade, seja por questões de raça, gênero, sexualidade ou nacionalidade. Nos pautamos pelo recente exemplo vindo da Argentina, onde as companheiras e companheiros do Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) e do grupo de mulheres Pão e Rosas, impulsionado por esse partido, discutiram em seus locais de trabalho com seus colegas homens e mulheres, deveriam paralisar contra o feminicídio (movimento #niunamenos), paralisando diversas fábricas argentinas por essa luta contra a opressão, assim como o exemplo dos trabalhadores da prefeitura do campus Butantã da USP, que, em 2015, paralisaram contra o assédio a dois companheiros LGBTs e conquistaram a saída da chefia assediadora.

Nestas eleições, a luta contra os ataques está em jogo, desde os ataques à universidade de pública até aos nossos empregos como professores, por isso, é preciso resistir ao governo golpista de Temer nas lutas, junto aos trabalhadores, através de nossa organização combativa nas entidades estudantis independentes dos governos. Os estudantes da sociais precisam de um CeUPES vivo, combativo, aliado aos trabalhadores e independente tanto do petismo quanto da direita golpista, como foram ao longo do ano o centro acadêmico da Faculdade de Educação da USP (CAPPF), o primeiro a entrar em greve em 2016, e o centro acadêmico da Letras, (CAELL) o primeiro a ocupar e que de um exemplo na prática de aliança operário-estudantil negociando a desocupação do prédio do curso em troca do pagamento dos salários dos trabalhadores em greve cortado pela reitoria. Por isso, convidamos todos os estudantes do curso de ciências sociais a fazer destas eleições um grande debate político sobre como o CeUPES pode estar à altura desses desafios e do seu histórico de luta desde a ditadura.


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USP    Juventude



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