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Efeitos da crise: a resposta deles e a nossa.

Uma reflexão sobre a crise capitalista e quais são as respostas colocadas para os trabalhadores e a juventude

Mateus CastorCientista Social (USP), professor e estudante de História

terça-feira 28 de março de 2017 | Edição do dia

Em momentos de crise econômica, a taxa de desemprego aumenta contundentemente pela falta de vagas no mercado de trabalho. Hoje, no Brasil, cerca de 25% dos jovens estão desempregados, e fazem parte dos “nem, nem” - aqueles nem trabalham, nem estudam. Mas não é só na juventude que o desemprego cresceu: no total, hoje, cerca de 12 milhões de pessoas têm seu direito ao trabalho negado.

É necessário para o funcionamento da economia capitalista que o lucro esteja sempre aumentando exponencialmente. A burguesia, em momentos de crise econômica, busca manter sua taxas de lucro sempre em crescimento, buscando saciar a necessidade de acumulação da maneira que for possível, com a desvalorização da moeda e a queda da bolsa de valores, que são as grandes mecas da tal “mão invisível” que Kim Kataguiri e os neoliberais tanto divinizam.

Mas como se trata de uma crise, muitas empresas não conseguem crescer e se expandir para manter sua alta margem de lucro. Para tentar proteger o seu motivo de existência - acumulação de capital - precarizam as condições de trabalho, ou seja, demitem trabalhadores e exploram ainda mais os que ficam, que terão de trabalhar por 2 ou 3 funcionários, recebendo salários ainda menores. A moeda desvalorizada faz com que o salário dos trabalhadores também diminua, pois as condições de existência (alimento, vestimenta, luz, água, transporte, etc.) ficam bem mais caras devido à inflação, enquanto o salário não aumenta igualmente.

Os capitalistas também podem demitir milhões de trabalhadores que ganhavam, por exemplo, 3.000 reais, e contratar outros por 900 reais. Entretanto, hoje, a carteira de trabalho é um empecilho para alcançar esse objetivo, por isso tentam flexibilizar os direitos trabalhistas, para que se possa demitir mais fácil e impor péssimas condições de trabalho que, já que há uma grande reserva de mão de obra desesperada - com dívidas, contas, à procura de emprego -, serão aceitas.

A terceirização cumpre esse papel com perfeição, sendo umas das formas mais refinadas de exploração, pois o capitalista - dono da empresa que presta serviço a outras empresas, como de limpeza, manutenção, segurança, marketing e etc. -, através do salário desumano e de péssimas condições de trabalho, vende seu serviço por um preço um pouco menor do que o gasto com os trabalhadores efetivos, ou seja, além da empresa contratante gastar um pouco menos e potencializar ainda mais seus lucros, a empresa terceirizada também explora a mão de obra do trabalhador, o que, na prática, se torna uma verdadeira dupla exploração.

Nesse cenário de salários miseráveis, a falta de emprego e o exército de mão de obra, a precarização dos serviços públicos - que objetivam a sua privatização -, a recém aprovada PL 4302/1998, que permite a terceirização irrestrita, tem como consequência a desigualdade social, que aumenta ainda mais, abrindo uma cratera cada vez maior entre os ricos e os pobres.

A juventude trabalhadora negra e periférica é um dos setores mais atingidos da sociedade, que, com “sorte”, acaba no trabalho precário e/ou terceirizado, em redes de fast food, telemarketing, comércio, estágios, empregos sem carteira assinada ou até mesmo no tráfico ou na rua.

A brutalidade e a miséria que o capitalismo produz através de sua violenta sede de lucro não deixariam de ter uma consequência. Em uma panela de pressão em que, para existir, é preciso se submeter à propriedade privada e à mercantilização da vida, não há distribuição de riquezas e, ao mesmo tempo, não é garantido o direito ao trabalho. É sintomático que haverá um cotidiano recheado de chacinas, assassinatos, assaltos, sequestros e toda forma de reprodução da violência.

No Brasil, num momento de crise econômica e convulsão social e política, toda população reclama e esbraveja por soluções e saídas. A burguesia, em sua democracia dos ricos, tenta dar suas respostas que servem justamente à ela, que foram o golpe institucional, as privatizações, a reforma da previdência, do ensino médio e a trabalhista, que visam a precarização das condições de vida e o consequente acirramento das desigualdades sociais.

Mas a crise econômica mundial, que se iniciou em meados de 2008 e hoje atinge o Brasil, e as saídas que a burguesia e os governos tentam dar, não passam resistência. Junho de 2013 iniciou um período de descontentamento e politização generalizados. Logo em seguida, em 2014, diversas greves pipocaram pelo país como não se via há 30 anos. Em 2015 e 2016, as escolas públicas foram ocupadas pelos secundaristas. Neste ano, pudemos ver no 8 de março milhares de mulheres que saíram às ruas, e o 15 de março, que mesmo com o freio das burocracias sindicais, fez Temer retirar da proposta da reforma da previdência os funcionários estaduais e municipais - o que também é uma manobra para tentar separar a luta dos trabalhadores. Hoje, há uma disputa de interesses: em momentos assim, o espaço para o conservadorismo, nacionalismo e expressões de um pensamento medieval aumenta, do mesmo modo que a revolta com o sistema capitalista e por tudo o que ele sustenta também cresce.

Diante do caos sem perspectivas, com o crescimento sistemático da violência e a falta de segurança, setores da classe média e das massas acabam por cair em armadilhas que vem ganhando espaço nos últimos anos, como Bolsonaro e seus defensores, que defendem que mais polícia, mais repressão, maior encarceramento da juventude pobre e negra e a pena de morte solucionaria os problemas da falta de segurança. Esse mesmo racismo, que motiva chacinas e mata negros todos os dias através da violência policial, é a expressão burguesa mais explícita da necessidade da opressão racista, que também garante que os negros tenham salários menores, aumentando assim o lucro dos patrões. O capitalismo se alimenta do racismo, do machismo, da transfobia e da lgbtfobia.

Diante dos ataques de Temer, que os capitalistas esperam ansiosos, e do discurso reacionário da direita nacionalista e conservadora, é necessário uma resposta dos trabalhadores, dos setores oprimidos e da juventude, que não façam igual ao PT, que sempre deu espaço à direita golpista e já teve em sua base de governo figuras como Maluf, Eduardo Cunha, Marco Feliciano e Bolsonaro, com os quais geriu o capitalismo juntamente com empresas que hoje estão abarrotadas de casos de corrupção, como Odebrecht e JBS, deixando completamente de lado aqueles que o elegeram. A resposta “Lula 2018” seria apenas mais uma repetição desse fracasso que é a conciliação de classes.

Numa sociedade que se sustenta na propriedade privada e na exploração, para bilhões de pessoas só resta uma vida miserável. Em tempos de crise, o caráter desumano do capitalismo se escancara ainda mais, sendo necessária uma maior extração da mais-valia. A “marolinha”, nome dado por lula à crise de 2008, transformou-se em uma tsunami. O objetivo das reformas, como já dito, é fortalecer a capacidade de lucrar em cima de milhões de trabalhadores, que por não terem nenhuma propriedade e ao mesmo tempo enfrentarem o aumento de preços, a precarização dos serviços públicos, a falta de emprego, a piora na qualidade de vida em geral, se submetem a condições semi-escravas de trabalho e salários horríveis.

Esta é a escolha que o capitalismo nos oferece: enquanto os ricos fazem o que querem - como nos vender carnes podres, utilizar o trabalho escravo na fabricação de celulares e roupas de grife, aos trabalhadores dão a chance de escolher o desemprego, o endividamento, a fome, ou um trabalho que aos poucos destruirá nossas mentes e corpos. Isso é o que eles chamam de “liberdade”.

Não só a humanidade, mas todas as formas de vida e o próprio planeta são vítimas da lógica de expansão irracional do capital, o qual já devastou florestas inteiras e extingue milhares de espécies de animais, intoxica o meio ambiente e gera frequentemente catástrofes como os vazamentos de Petróleo no Golfo do México ou nacionalmente a tragédia de Mariana. Se já não bastasse, o capitalismo teve a capacidade de alterar a temperatura da Terra através da escandalosa emissão de poluentes na atmosfera, causando o descongelamento das calotas polares e aumentando o nível dos mares, o que pode atingir milhões de pessoas que vivem nas regiões costeiras.

Uma mudança profunda é necessária, que não leve a mais ilusões e decepções, e transformar este sistema capitalista para torná-lo mais “humano” é uma contradição inalcançável. Para isso, é preciso questionar a raiz da questão e colocar em xeque o próprio capitalismo, que é a base reprodutiva de guerras, fome, epidemias e de ideologias retrógradas que dão base ao racismo, ao machismo e à LGBTfobia. Diante da realidade em que somos jogados e das saídas da burguesia diante de tanto caos, é necessário uma alternativa anticapitalista que coloque centralmente a classe trabalhadora como sujeito transformador e acabe com esse sistema que apodrece.

Para pensar em uma resposta independente aqui no Brasil, é necessário ver que em 15 de março a classe operária depois de décadas se colocou no cenário político. Mesmo que seja apenas uma única demonstração de força, a paralisação e as manifestações deste dia foram frutos da pressão dos trabalhadores em seus locais de trabalho sobre as centrais sindicais. Contudo, a CUT e a CTB parecem não querer transformar o ato do dia 15 em apenas um primeiro passo de um plano de lutas contra a Reforma da Previdência e contra a terceirização irrestrita. É necessário que essas centrais sindicais convoquem assembléias nos locais de trabalho para organizar uma greve geral agora, e não para daqui um mês, que lute contra a ofensiva dos capitalistas sobre os direitos tão arduamente arrancados pelos trabalhadores, contra a exploração potencializada através da terceirização e da privatização.

Através da organização dessa luta, para que ela não seja enterrada em eleições gerais - o que, na prática, não mudaria as regras do jogo, apenas os jogadores, que continuariam defendendo os interesses de sua classe. No lugar do governo golpista de Temer, da Câmara e do Senado, da bancada da “bala, bíblia e boi” - que representam a JBS, o grupo Kroton-Anhanguera, os grandes latifundiários e as milionárias igrejas, que fazem parte dessa democracia degenerada onde quem manda é quem tem bens - acreditamos que é necessário uma forte mobilização contra toda essa desgraça causada por este sistema econômico político e social, e, através de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana - onde os trabalhadores, oprimidos e a juventude tenham espaço e direito de decidir os rumos do país, e não apenas um punhado de políticos corruptos que querem defender seus patrocinadores e seus privilégios individuais -, conquistemos espaço para impor a reforma agrária e urbana; o não pagamento da dívida pública; a estatização dos serviços públicos sob controle operário, para que sejam de fato para todos, gratuitos e de qualidade; a proibição das demissões; que todo político ganhe o mesmo salário de uma professora; que todo mandato seja revogável; pelo fim do cargo da presidência e do Senado. Defendemos uma Assembleia Constituinte que surja a partir da mais ampla mobilização abrindo espaço para essas ideias e saídas que são tão temidas pela burguesia. Nesse espaço, os revolucionários devem ter uma atuação que aponte todas as contradições e injustiças desse sistema, visando um governo dos trabalhadores, de ruptura com o capitalismo.




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