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O tema da redação do Enem 2015, “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, se tornou um dos assuntos mais comentados nas redes sociais. O que por um lado apresenta um aspecto muito bom e progressista que é ver como não dá mais pra fingir que não existe violência de gênero, também despertou outra reflexão: porque algo tão banal, o mínimo que é falar sobre a violência a que todas nós estamos submetidas cotidianamente se tornou um fenômeno e ganhou tanta repercussão?

Odete AssisMestranda em Literatura Brasileira na UFMG

segunda-feira 26 de outubro de 2015 | 23:09

Como já colocamos em diversos outros artigos o caráter essencial do Enem é ser um prova, um vestibular e um filtro social que, embora o discurso do governo de promover “acesso”, por ser uma minoria de estudantes que tem essa sorte, acaba barrando milhões de jovens do acesso ao ensino público. Pode até ser um vestibular mais “democrático”, mas sua essência permanece, ainda exclui milhares de mulheres, LGBT, negros, jovens e trabalhadores daquilo que deveria ser um direito de todos, o acesso a educação pública gratuita e de qualidade.

Mas o fato é porque uma questão no Enem sobre Simone de Beauvoir, que ao contrário do que reacionários como Bolsonaro e Feliciano afirmaram, não vai em momento algum doutrinar jovens para ser ‘feministas’, e um tema de redação de uma prova que sempre aborda atualidade e que no contexto atual, onde todos os dias somos bombardeados por tristes notícias de mortes, estupros, assédios e todo tipo de violência de gênero provocou tamanha repercussão? Transformou-se em grandes debates? Em motivo a ser comemorado?

Em momento algum isso representa que o governo está do lado da luta das mulheres e que nossas demandas serão atendidas. Pelo contrário foram inúmeras denúncias de mulheres trans que não tiveram nem o mínimo que era o direito ao nome social na prova e o governo segue implementando sua política de cortes e ajustes, descontando os custos da crise nas nossas costas. Apesar se ser mulher Dilma segue se calando diante das milhares de mulheres mortas por aborto clandestinos, vemos a retirada do debate de gênero nas escolas, a aprovação do estatuto da família e da PL 5069, que tem entre seus redatores Eduardo Cunha e o presidente do PT de Rondônia, conhecido como padre Ton.

Após Junho, que colocou em evidência diversas demandas democráticas e despertou toda uma geração de jovens que antes viviam sob a ilusão de anos de avanço neoliberal e restauração burguesa e particularmente aqui no Brasil, de um governo que se dizia dos trabalhadores, mas que na prática era e ainda é o principal articulador dos ataques que a burguesia implementa. Abordar o tema da violência contra as mulheres e nossa luta era quase que inevitável para um prova que se propõe a debater atualidades.

Como aluna de uma das universidades mais machista, elitista e racista do país, pude acompanhar de perto da conivência dos reitores e da burocracia acadêmica com o machismo institucional, que vai desde a terceirizada que limpa o chão, a declaração do reitor dizendo que não podíamos “endemonizar os meninos”, no caso os estupradores comprovados da medicina. Por tudo isso, é muito louco saber que por no mínimo algumas horas mais de sete milhões de jovens tiveram que refletir sobre a violência contra as mulheres e que mesmo um dia depois esse ainda é um dos principais assuntos da internet.

Contudo não podemos deixar em momento algum que Dilma e o PT usem isso pra dizer que seu governo está do lado das mulheres, porque na prática o que acontece é justamente o inverso.

O que se coloca hoje então é uma tarefa pra cada mulher e para o movimento de conjunto, a tarefa de transformar toda a repercussão sobre o ENEM e a abordagem das pautas das mulheres em um movimento real. Hoje está colocada a possibilidade de construir, assim como Simone de Beauvoir e várias outras mulheres na década de 60, uma nova onda feminista. Mas para que possamos alcançar todas as nossas demandas precisamos de uma nova onda feminista que se transforme em força material pra lutar contra todas as expressões do machismo e da opressão.

Um movimento de mulheres que tenha uma estratégia clara para o combate as opressões, o que passa por lutar contra o machismo institucional dentro e fora dos locais de estudo e trabalho, contra a precarização do trabalho, pela efetivação dos terceirizados, equiparação salarial, por mais creches, lavanderias e restaurantes públicos.

E acima de tudo, um movimento que busque dar uma resposta de fundo para esse sistema que gera toda essas contradições. Sabemos que a opressão a mulher não nasceu com o capitalismo, mas sabemos também que o capitalismo se apropriou da opressão as mulheres, que combinada com a exploração, produz cada vez mais lucros. Pensar a luta das mulheres hoje é também pensar como daremos uma resposta até o final pra acabar com esse sistema de exploração e opressão.

Por isso, toda a repercussão do ENEM demonstrou como cada vez mais as pautas das mulheres estão ganhando força, como a cada dia mais e mais mulheres estão despertando para lutar contra o machismo e a opressão. Então a tarefa colocada pra nós hoje é transformar todo esse novo ativismo de mulheres em um grande movimento, que invada as ruas, as praças, as escolas, as universidades, as fábricas, as casas.

Um grande movimento de mulheres que se coloque em luta contra o PL 5069, pelo direito ao aborto legal seguro e gratuito, pelo debate de gênero nas escolas, contra a precarização do trabalho, pela efetivação das terceirizadas, contra o assédio e os estupros, e que tenha como norte estratégico acabar com todo esse sistema e exploração e opressão chamado capitalismo.




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