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E se a fábrica que a Petrobrás quer fechar fosse controlada pelos trabalhadores?

Flávia Silva

Daphnae Helena

E se a fábrica que a Petrobrás quer fechar fosse controlada pelos trabalhadores?

Flávia Silva

Daphnae Helena

Os petroleiros estão caminhando para a terceira semana paralisados. Em mais de 100 unidades, dezenas de milhares de trabalhadores petroleiros estão mobilizados numa forte greve contra a demissão de 1000 trabalhadores, entre eles 600 terceirizados, de uma das fábricas de fertilizantes nitrogenados (FAFEN) no Paraná.

Nas últimas semanas os petroleiros paralisados realizaram uma ação interessante: se mobilizaram para a venda de botijão de gás -item básico de consumo das famílias trabalhadoras que no último ano teve aumento acumulado de 10% e nos últimos dez anos aumentou 98%- a preços acessíveis para a população. Essa ação pode nos colocar um importante questionamento: e se os trabalhadores e a população controlassem os preços não apenas do botijão de gás, mas também da gasolina, do diesel e dos outros produtos feitos pela empresa? E se os trabalhadores e a população controlassem toda a produção da Petrobras?

A realização de toda greve por parte dos trabalhadores desnuda aquilo que estava adormecido na sociedade de classes, evidencia o confronto latente que existe entre o patrão e o trabalhador. Mas no caso de uma empresa tão estratégica quanto a Petrobras, controlada majoritariamente pelo próprio governo que detém 50,3% das suas ações e, especialmente em um caso que envolve a demissão em massa e o fechamento de uma de suas fábricas, o que está contraposto é não apenas o interesse dos trabalhadores petroleiros em relação ao governo, mas principalmente os interesses de um projeto de país voltado aos capitalistas e empresários estrangeiros e outro voltado aos interesses dos trabalhadores e da população pobre.

Durante a última semana o presidente da Petrobras, Castello Branco, foi à mídia dizer que a razão para o fechamento da Fafen-PR é de que a unidade está com prejuízo porque a matéria-prima para a fabricação dos fertilizantes nitrogenados está com preços elevados. No entanto, isto é uma manobra contábil da empresa, uma vez que a Fafen compra da própria Petrobras esta matéria-prima, o resíduo asfáltico, o qual é, em realidade, o seu próprio refugo, ou seja, o resíduo da produção da refinaria da Petrobras no Paraná. Ainda, o Brasil é o quarto maior país consumidor de fertilizantes no mundo utilizado em grande medida pelo agronegócio, sendo que importa aproximadamente 80% daquilo que necessita. O que está por trás desta justificativa é, em realidade, uma mudança no plano estratégico da empresa que poderia ser traduzida em dois elementos: o programa de desestatização e a política de preços atual da empresa atrelada ao mercado internacional.

Quais mudanças estão em curso na maior empresa do país?

A importância da Petrobras para a economia brasileira é enorme, o porte da empresa contrasta com outras empresas de capital nacional ou estatal. Segundo a revista Exame que reúne os dados das 1000 melhores e maiores empresas do Brasil, em 2018, a Petrobras foi a que mais lucrou, que mais gerou receita, que mais pagou salário e que mais criou riqueza. Para colocar apenas um exemplo, ela chegou a representar, em 2013, 13% do PIB. Um recurso tão estratégico quanto o petróleo e o gás natural são fundamentais para o desenvolvimento das forças produtivas de um país. A história da Petrobras é entrelaçada por este debate nacional e pela história de luta da classe trabalhadora brasileira, as decisões de se ter uma empresa não se limita apenas à exploração e produção, mas também trabalha com o refino, com a distribuição, a produção de biocombustíveis e de outros derivados como os fertilizantes diz respeito ao que é chamado de Sistema Petrobrás - uma empresa integrada de energia-, e que está relacionado com a decisão de desenvolvimento produtivo e autonomia do país em relação a estes recursos.

Precisamente por este seu caráter altamente estratégico que o ataque à Petrobras foi um dos pilares fundamentais da operação Lava Jato e uma das razões para o golpe institucional de 2016 que culminou com a eleição do governo Bolsonaro e o ultra neoliberal Paulo Guedes no Ministério da Economia. O golpe veio para atender aos interesses do capital financeiro internacional, em particular, o imperialismo norte-americano e impor outro modelo de acumulação capitalista no país. Isto significa, por um lado, a maior exploração da classe trabalhadora, pela via da reforma trabalhista e da reforma da previdência, cujas consequências estamos começando a ver com o grande aprofundamento da precarização do trabalho; e, por outro lado, aprofundar o lugar do Brasil como ‘fazenda do mundo’ e fornecedor de matéria-prima e commodities, desestatizando, ou seja, privatizando empresas como a Petrobras e acabando com as aspirações de desenvolvimento da tecnologia de navios-sonda para a exploração de petróleo em águas subterrâneas que se enfrentava com um dos cartéis mais fechados do mundo.

O processo de desestatização da empresa que se aprofunda hoje está relacionado com uma orientação estratégica da empresa em focalizar a Petrobras nas atividades que são mais rentáveis e que geram mais lucros para os acionistas. Neste sentido, o interesse que existe é manter a empresa no setor de exploração e produção de petróleo - aquilo que mais gera caixa para a empresa hoje- ao passo que se desfaz de todas as outras atividades - refino, distribuição, produção de fertilizantes, entre outras. O nível de entreguismo ao capital privado estrangeiro é tão grande que, mesmo dentro desta perspectiva, a empresa vem se desfazendo de um dos recursos mais estratégicos que a empresa possui que é a enorme reserva de petróleo descoberta em águas profundas no Brasil, ou seja, o Pré-Sal. A disputa pela capacidade de explorar reservas de petróleo é estratégico não apenas para a Petrobras, mas é motivo de disputa entre o capital financeiro do setor, porque diz respeito à capacidade de exploração de petróleo que estas empresas terão no futuro, e consequentemente, de apropriação da chamada "renda do petróleo".

É importante lembrar que esta política de desestatização e desmantelamento do Sistema Petrobrás -uma empresa integrada de energia-, só é possível a partir da Lei do Petróleo de 1995, aprovada pelo Governo FHC sob a derrota da histórica greve dos petroleiros no mesmo ano. Desde então, a exploração e produção de petróleo e gás natural, tornaram-se um "mercado competitivo", em outras palavras, foi o fim do monopólio estatal no setor e o capital internacional imperialista ficou livre para atuar neste setor estratégico. Os governos petistas também seguiram esta orientação, a partir do momento que aprovaram a lei de partilha do Pré-Sal, a qual permitiu empresas estrangeiras participarem dos leilões.

Desde 2017 a empresa pratica uma política de preços para seus produtos vinculados com o preço internacional cotado em dólar, fato que vem aumentando o preço final de diversos produtos como o botijão de gás, a gasolina e o diesel. Ainda mais com a crescente desvalorização do real em relação ao dólar que atinge diversas famílias, que vem fazendo com que em alguns locais do país tenha que se voltar a utilizar lenha para cozinhar sobretudo no Nordeste do país -em todo país, são 14 milhões de famílias, segundo dados do IBGE, publicados em junho de 2019, um dado que veio aumentando nos últimos anos-, e que inclusive levou o ministro Paulo Guedes a frase absurda e racista dizendo que as empregadas domésticas estavam podendo ir para a Disney.

Os grandes beneficiários desta política são os Estados Unidos, uma vez que, praticando preços internacionais, a Petrobras deixa de realizar o refino (processo que dá origem a gasolina, diesel,entre outros derivados) internamente e passa a exportar petróleo cru para os Estados Unidos e importar os seus derivados. Este elemento fica claro quando vemos que a capacidade utilizada das refinarias da empresa vem diminuindo consideravelmente nos últimos anos, em 2009 chegou a ser de 90,9% e em 2018 estava em 75,8%, segundo dados ANP. Segundo os dados disponibilizados pelo Comexstat, no último ano, a importação de gasolina aumentou 50% -o oitavo item da nossa pauta- sendo que 91% advém dos Estados Unidos. Da mesma forma, o óleo combustível diesel proveniente do exterior, aumentou 28,8% - sendo o quarto item da nossa pauta- com 79% do produto de origem estadounidense. Os planos do imperialismo para o Brasil é cada vez mais o país da fazenda do mundo e submisso. Nas últimas semanas, o secretário de Energia dos Estados Unidos, Dan Brouillette, veio ao Brasil dizer que irá ajudar, a pedido do governo Bolsonaro, o país a realizar os leilões do Pré-Sal para que sejam competitivos suficientes para as próprias empresas estrangeiras que não compraram da primeira vez, comprarem .

É fato, que o consumo chinês de petróleo explodiu nos últimos anos, ao mesmo tempo que o país busca aumentar seu acesso e controle de novas reservas de petróleo e gás natural a fim de assegurar o princípio estratégico de abastecimento contínuo de petróleo diante da instabilidades geopolíticas mundiais. É neste ponto que entram o acesso e controle chinês de reservas brasileiras do Pré-Sal, tal presença chinesa na Plataforma continental do país, e fator de preocupação para os interesses imperialistas - geopolíticos dos EUA, que estão de olho vivo nas movimentações da Petrobras em exploração de petróleo marítimo. Podemos agregar que os EUA (e suas grandes companhias de refino e terceirização de trabalhadores do setor offshore, por exemplo) são um dos principais beneficiados pela atual orientação estratégica de negócios da Petrobrás : política de preços, redução dos custos de produção e venda de "ativos".

A força da classe trabalhadora brasileira a da categoria de petroleiros

O histórico de luta da categoria dos petroleiros, em especial dos trabalhadores das refinarias, remonta aos anos de 1930 no país, com lutas por aumentos salariais e melhores condições de trabalho. Em abril de 1964 a ocupação da Refinaria de Cubatão (Capuava) tinha como lema da campanha "Tudo de Petróleo para a Petrobrás e a Petrobrás para o Brasil", naquele contexto, a luta incluía como pauta a incorporação das Refinarias de Cubatão e outras privadas à Petrobrás, e o monopólio geral do petróleo (da produção, comercialização, refino e distribuição do produto). A repressão a essa mobilização foi enorme, os militares invadiram a Petrobrás e prenderam os trabalhadores. Em 1995, como já pontuamos acima, a greve dos petroleiros foi uma das maiores da sua história, que tinha como uma da pautas a defesa do monopólio estatal.

É reconhecendo esse histórico de luta e força da classe trabalhadora brasileira que no último relatório para os investidores de 2019 a Petrobras colocou como um dos principais fatores de risco operacional “greves e paralisações dos empregados da companhia ou de empregados de seus fornecedores, empresas contratadas e demais setores, bem como falta de pessoal especializado, podem afetar adversamente os resultados operacionais e o negócio da companhia”.

No entanto, o processo que está sendo desenvolvido aceleradamente pela Petrobras nos últimos anos é de conhecimento de todos, da sociedade, do sindicato e dos petroleiros há bastante tempo. O Sindicato dos Petroleiros organizado pela CUT, central sindical ligada ao PT, não mobilizou a categoria durante todo este período. A estratégia, ao contrário, foi realizar ações populares na justiça, sabendo que estas teriam nenhuma chance de se efetivarem. Neste sentido também foram coniventes com o projeto que está se desenvolvendo. E mesmo nesta, que é uma greve histórica dos petroleiros contra o governo Bolsonaro, as centrais sindicais como CUT poderiam fazer muito mais, poderiam mobilizar diversas outras categorias que estão sofrendo com o mesmo projeto de país, como professores, como bancários - com a CAIXA sendo atacada-, como Correios, entre tantos outros para fazer desta luta dos petroleiros um verdadeiro embate da classe trabalhadora contra Bolsonaro, o projeto de país entreguista que possui.

E se a fábrica que a Petrobrás quer fechar fosse controlada pelos trabalhadores?

Retomamos a pergunta inicial: e se os trabalhadores e a população controlassem os preços não apenas do botijão de gás, mas também da gasolina, do diesel e dos outros produtos feitos pela empresa? E se os trabalhadores e a população controlassem toda a produção da Petrobras?

A venda de botijão de gás a preços menores do que os praticados coloca um elemento interessante de como poderia ser a produção e distribuição desta empresa do ponto de vista das necessidades dos trabalhadores e da população. Hoje, os lucros do capital financeiro, em especial do imperialismo estadunidense, são conseguidos vendendo as nossas riquezas nacionais estratégicas como o Pré-Sal e jogando nas costas dos trabalhadores e da população pobre - que sofrem com o desemprego, a precarização do trabalho e da vida- a elevação dos preços de itens essenciais como a gasolina e o botijão de gás. Os trabalhadores podem dar uma outra saída.

Frente a intransigência da empresa que até agora não se dispôs a negociar as demissões, que quer fechar a fábrica e jogar milhares de famílias nas ruas, os trabalhadores que conhecem o seu funcionamento poderiam dar uma solução profunda colocando-a para produzir sob controle operário. Desta forma, sem a necessidade de diminuir os custos de produção, poderiam contratar os trabalhadores que hoje são terceirizados como efetivos, equiparando e aumentando seus salários, diminuindo a carga de trabalho. Poderiam produzir fertilizantes que fossem voltados não para a produção do agronegócio, mas sim para o cultivo de produtos básicos necessários para a alimentação de toda população.

Esta ação, que pode parecer distante, foi realizada, por exemplo, na Argentina com a fábrica gráfica da antiga Donnelley, quando esta empresa fechou as fábricas e deixou famílias nas ruas. Hoje, a gráfica se chama Madygraf e funciona sob controle dos próprios trabalhadores. Esta seria uma solução profunda para de fato questionar todo projeto que está se desenvolvendo da Petrobras e, consequentemente o projeto de país e poderia ser, ao mesmo tempo, o primeiro passo para torná-la 100% estatal sob controle dos trabalhadores e da população. Diferentemente de uma gráfica, uma ação como essa numa empresa extremamente estratégica para toda a economia como é a Petrobras teria um impacto imediato em toda economia nacional, seria possível desenvolvendo matérias primas voltadas aos interesses e as necessidades dos trabalhadores: os combustíveis mais baratos, por exemplo, teriam impactos não apenas nos custos das famílias, mas também no transporte coletivo.

Obviamente, uma ação como essa não seria fácil de ser conseguida, mas o aprofundamento do apoio com a população - que sofre as consequências deste mesmo projeto de país- bem como com outras categorias de trabalhadores pode ser a base para enfrentar com os interesses imperialistas no país que envolvem a privatização da Petrobrás, mas também o grande ataque aos trabalhadores como a reforma da previdência, a reforma trabalhista, o aumento sem limites da exploração do trabalho, e apresentar uma saída de um projeto de país que esteja voltado para os trabalhadores e a população pobre.

O programa de controle operário vem da tradição da terceira internacional, essa tática pode colocar onde de fato está o poder da sociedade: muito mais que nos governos, ele se encontra na produção e quem a detém detém também o poder. Por isso a luta pela estatização não só pode resolver os problemas práticos como reverter as demissões e fazer a fábrica seguir funcionando e vendendo a preço justo. Bem como, ser parte de retomar essa tradição e, ainda que em pequeno, recompor a subjetividade operária, podendo ser um grande exemplo internacional. Mas para isso o movimento operário terá que se enfrentar com as forças repressivas do estado, com as próprias burocracias operárias e com a chantagem e repressão imperialista – por nesse caso se tratar de um setor estratégico – assim essa luta ligada a política de “tribuno” como a distribuição do gás, pode fazer essa luta se tornar uma grande batalha de classes.


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[Petrobras]   /   [Privatização da Petrobras]

Flávia Silva

Campinas @FFerreiraFlavia
Economista e mestranda em História Econômica pela Unicamp.

Daphnae Helena

Economista e mestranda em Desenvolvimento Econômico na Unicamp
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