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TEORIA MARXISTA | É possível falar de “verdade objetiva” no pensamento marxista?

Uma distorção típica do pensamento de Marx consiste em apresentá-lo como um “materialista contemplativo”. Segundo esta visão, a concepção de mundo em Marx (sua filosofia) consistiria basicamente em reconhecer a existência da matéria; e em distinguir, por um lado, essa realidade externa, e por outro, a consciência, onde a realidade material é refletida. A verdade – como conceito – seria a correspondência entre a representação consciente do objeto e o objeto mesmo, correspondência que se propiciaria a partir da observação.

quinta-feira 14 de maio de 2015 | 00:45

Todas estas dissertações, na realidade nada de marxistas e nada de científicas, estão longe do que pensava o próprio Marx. Por exemplo, em Teses sobre Feuerbach, escrevia: “A questão de saber se o pensamento humano pode ser atribuído a verdade objetiva, não é uma questão teórica, mas uma questão prática. É na prática onde o homem tem que demonstrar a verdade, quer dizer, a realidade e o poder, a terrenalidade do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou irrealidade de um pensamento que se isola da prática, é um problema puramente escolástico.”
Nesta citação, Marx estabelece claramente a vinculação entre a prática e o caráter objetivo de uma verdade. Dito em termos talvez excessivamente simples: para Marx quem não age, não pode conhecer.

Quem passa longas horas debatendo “que esta estratégia é mais correta que esta”, sem submeter suas afirmações à prova dos acontecimentos, é um escolástico, um charlatão sofisticado. Por outro lado, esta tese de Marx, estabelece claramente uma posição: sim, há verdade objetiva. Marx se situa longe não só do kantismo mas também de Nietzche e sua visão de ser humano como um animal que inventa metáforas arbitrariamente que em seguida as inverte em conceitos de conhecimento. Sim, existem verdades objetivas e a prática as corrobora como tais.

Esta concepção da verdade objetiva, foi defendida também por Engels, o camarada, amigo e colaborador mais próximo de Marx. Discutindo contra os céticos mais célebres do seu tempo, Engels escrevia que há uma série “de filósofos que negam a possibilidade de conhecer o mundo, ou ao menos de conhecê-lo de um modo completo.”

Entre eles temos, dos modernos, Hume e Kant, que desempenharam um papel significativo no desenvolvimento da filosofia. Os argumentos decisivos na refutação deste ponto de vista foram aportados já por Hegel, na medida do que podia ser feito desde uma posição idealista; o que Feuerbach acrescenta de materialista, tem mais de engenhoso do que profundo. A refutação mais contundente destas extravagâncias, como de todas as demais extravagâncias filosóficas, é a prática, ou seja, o experimento e a indústria. Se podemos demonstrar a exatidão do nosso modo de conceber um processo natural reproduzindo nós mesmos, criando como resultado de suas mesmas condições, e se, ademais, colocamos a serviço de nossos próprios fins, colocamos fim à “coisa em si” inapreensível de Kant.” Este texto de Engels, em que polemiza com um conceito de verdade puramente contemplativa, é de 1886.

Em um prólogo de 1888 a este texto publicado com o título Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã, Engels descreve em relação às Teses e sua decisão de publicá-las como um anexo a sua própria elaboração: “encontrei em um velho caderno de Marx as onze teses sobre Feuerbach que se inserem no apêndice. Trata-se de notas tomadas para desenvolvê-las mais tarde, notas escritas a “toque de caixa” e não destinadas de modo algum a publicações, mas de um valor inapreciável, por ser o primeiro documento que contém o germe genial da nova concepção de mundo.” A continuidade entre o Engels de 1888 e o Marx de 1844 é, neste aspecto, explícita. Ao menos deveria dar o que pensar aos que persistem em ver uma oposição entre ambos, e que reproduzem lugares comuns em torno a um suposto Engels mecanicista.

Esta concepção clássica do marxismo encontrará continuidade durante o século XX no pensamento estratégico de León Trotsky. Em Lições de Outubro, escrito em setembro de 1924, discutindo contra os amantes das generalizações abstratas e das discussões estritamente argumentais que se alçavam no Partido Comunista da União Soviética, no processo inicial de burocratização, escrevia: “Ocupar-se agora de apreciar os diferentes pontos de vista sobre a revolução em geral e sobre a Revolução Russa, em particular, ignorando a experiência de 1917, faria entregar-se a uma escolástica estéril em vez de empreender uma análise marxista da política. Seria agir igual a indivíduos que discutiram as vantagens dos diversos métodos de natação, negando-se obstinadamente a olhar o rio onde os nadadores os aplicam. Não há melhor prova dos pontos de vista revolucionários que a aplicação deles durante a revolução, assim como o método da natação se comprova melhor quando o nadador se lança na água.”

Longe de qualquer “receita”, os marxistas revolucionários construímos uma estratégia baseando-nos na prática e na experiência histórica. É o único modo de descobrir quais “pensamentos” são mais verdadeiros objetivamente. Mas a história não transcorreu em vão. É possível aprender essas práticas e experiências passadas. Quem se propõe a combater pela revolução no século XXI necessita dessa aprendizagem.


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