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CRISE ECONÔMICA | Do Escracho ao neodesenvolvimentismo

Recentemente, foi publicado na Folha um artigo, que se choca com a própria opinião do jornal em questão, chamado Escracho e escrito por Eleonora de Lucena. Com bastante repercussão, mas... se a elite está dando um tiro no pé ao apoiar o impeachment, seria o PT um governo da elite? A elite nacional seria “burra”, ou o PT apenas serviu enquanto garantia seus lucros?

sexta-feira 29 de julho de 2016 | Edição do dia

O artigo de Eleonora questiona o papel da elite brasileira em apoiar e inclusive participar do golpe institucional promovido no Brasil, dizendo nas décadas petistas as bonanças foram tantas que tanto os pobres entraram em cena, quanto os rentistas também lucraram.

Eleonora de Lucena afirma em seu artigo o seguinte: “A elite brasileira está dando um tiro no pé. Embarca na canoa do retrocesso social, dá as mãos a grupos fossilizados de oligarquias regionais, submete-se a interesses externos, abandona qualquer esboço de projeto para o país (...). Com instituições esfarrapadas, o Brasil está à beira do abismo. O empresariado parece não perceber que a destruição do país é prejudicial a ele mesmo. Sem líderes, deixa-se levar pela miragem da lógica mundial financista e imediatista, que detesta a democracia. ”

Seria então a elite brasileira e o empresariado nacional “burros”, uma vez que não reconhecem a “presepada” que estão fazendo? A resposta é não. Esse senso comum parte de um pressuposto que a elite brasileira poderia cumprir um papel progressista de desenvolvimento nacional. O que mostra a não consideração das condições estruturais do capitalismo brasileiro, que significam uma dependência externa que definem a nossa burguesia nacional, ao mesmo tempo que podam qualquer chance de um “desenvolvimento”.

Ao sabor dos ciclos econômicos do capitalismo, uma economia dependente como a do Brasil consegue realizar algumas reformas em prol da população em momentos de ascensão, mas isso de maneira nenhuma nos permite afirmar um caráter progressista na burguesia nacional, ou muito menos um caráter emancipatório de uma política econômica heterodoxa no capitalismo.

E mesmo esses “avanços” se refletem de forma diferente em um país dependente como o nosso. O neodesenvolvimentismo, por exemplo, irá enaltecer a campeã nacional do Brasil, a JBS, um dos maiores frigoríficos do mundo e um dos principais fornecedores de carne dos EUA. Mas irá esquecer que essa mesma empresa é também a campeã de acidentes do trabalho no Brasil, deixando milhares de trabalhadores inválidos todos os anos. Ou mesmo podemos citar o caso do aumento de postos de trabalho na década lulista, mas que vieram acompanhadas do aumento da precarização do trabalho, triplicando a terceirização no Brasil.

Ao mesmo tempo, em momentos de crise os primeiros atacados são a classe trabalhadora e a juventude, que outrora votaram naquele governo. As concessões de crédito se transformaram em algozes da população, com mais de 60 milhões de brasileiros com o “nome sujo” no Serasa, e 40% da população adulta endividada, causado em grande parte pelo desemprego crescente que entre a juventude está entre os 20%, a inflação que chega a 11%, e os aumentos da taxa de juros que afetam no financiamento de carros e casas.

O que mostra na verdade que aquela ilusão de desenvolvimento de alguns anos atrás, não se passava de um ciclo favorável do capitalismo sustentado pelo boom das commodities e aumento do comércio mundial, e favorecido pelo consumo interno no Brasil, que hoje já mostra seus limites estruturais.
O neodesenvolvimentismo poderia afirmar que isso significou um avanço para o país e uma certa autonomização nacional, mas na verdade só reafirmou a primarização da economia brasileira e o caráter volátil de nossa economia, permanecemos dependentes e aquele sonho distante do PT ... ficou só no sonho mesmo.

Sonho este que não deu certo, não apenas pelas alianças com classes burguesas para chegar ao poder, mas justamente na tentativa de criar um governo de conciliação de classes tão opostas como a burguesa e a classe trabalhadora.

Trotsky coloca sobre a burguesia nacional: Sua debilidade geral e sua atrasada aparição os impede alcançar um mais alto nível de desenvolvimento que o de servir a um senhor imperialista contra outro. Não podem lançar uma luta séria contra toda cominação imperialista e por uma autêntica independência nacional por temor a desencadear um movimento de massas dos trabalhadores do país, que por sua vez ameaçaria sua própria existência social” (Trotsky, 2000, p.93)¹

Dessa forma então, onde não tendo força nem para afastar as águias carecas do imperialismo, muito menos conseguir uma independência nacional com medo de inflamar as massas rumo à revolução, o Estado acaba se elevando acima das classes sociais e se tornando uma espécie de árbitro entre elas. No fundo, trata-se de uma modalidade política própria de momentos de crise quando a irresolução se instaura de permeio entre as diversas facções das classes dominantes. Por isso, ele é um regime político de exceção.

No caso brasileiro, isso só durou enquanto a direita não era forte o suficiente para impor todo o plano econômico neoliberal. Com a crise desse regime, nas manifestações de junho de 2013 e com o empresariado não podendo lucrar mais rios de dinheiro como antes, este busca outros ramos de investimento e acumulação mesmo que isso signifique apoiar um golpe institucional para destituir seu aliado anterior. Até mesmo porque o que o guia é o lucro, “a extração de mais-valia” como comenta Eleonora, e não um projeto de independência nacional, impossível no contexto do imperialismo.

É, contudo, certo como afirma Eleonora, de que o golpe institucional aprofunda os ataques que já vinham sendo implementados na saúde, educação e previdência social. É certo também que as alianças dos golpistas com setores do imperialismo mundial querem punir a partir da lava-jato, esses setores que antes se aliaram com o PT, o que representa também uma perseguição dos movimentos sociais, com prisões arbitrárias, uma justiça bastante seletiva e ligada aos grandes interesses.

Também é certo que a “velha luta de classes está escrachada nas esquinas” e que a luz do fim do túnel vem das lutas com ocupações e aos gritos de “Fora Temer!”, mas isso de forma nenhuma pode significar uma ilusão em uma passado menos agressivo sustentado por um ciclo econômico favorável, até porque o favorável não existe mais e a governança do partido dos trabalhadores, nunca foi pra classe que o deu nome.

Essa velha luta de classes, tem que se desprender das amarras impostas pelo governo do PT e das burocracias sindicais e estudantis, que não os querem nas ruas, e partir para questionar os golpistas e o imperialismo, e também a burguesia nacional que de nada tem de progressista. Arranquemos esperança ao futuro.

¹TROTSKY, Leon. Escritos latino-americanos, Buenos Aires, Argentina: CEIP, 2000.




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