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DEPRESSÃO E CLASSE TRABALHADORA | Depressão é coisa de classe média?

Mais uma vez fui à médica para falar da situação da minha cabeça. Dia cinzento, daqueles que combinam com o meu humor. Tudo cinza novamente. E eu no caminho pensando no que dizer. Aumentar a dose. É a única pedida. Penso eu. Mas não posso pedir. Não estou indo à farmácia, ainda. Preciso sugerir.

terça-feira 2 de agosto de 2016 | Edição do dia

Passando por debaixo das grandes árvores da rua ao lado de casa, relembro as outras vezes que fiz o mesmo caminho. Fico assustado. Tinha na cabeça as mesmas preocupações. E o mesmo estado de humor. O remédio não adiantava. O problema era mais embaixo. Estava indo porque sem o remédio as coisas poderiam piorar.

Passando por outras árvores próximas ao meu destino, lembro de um outro momento há alguns anos atrás, quando eu passava por ali voltando das aulas. Um momento mais estável, mais feliz. Um momento em que tinha perturbações mais sãs. Sempre me pergunto quando surgiu o meu problema.

Entro no hospital. Subo as escadas e sigo à direita. “Saúde Mental” diz a placa indicando a seção. Da primeira vez que pisei aqui tive a sensação de que só iria encontrar bichos grilos, barbudos com camisetas amassadas, como eu. Ledo engano. Trabalhadores e trabalhadoras sentados, entrando e saindo, procurando um atendimento assim como se estivessem com uma dor de dente ou uma enxaqueca.

Na primeira terapia em grupo eles estavam lá. Relatando as perturbações, os medos, as aflições. Lembro especialmente de alguns relatos.

A primeira a se abrir foi uma mulher negra de uns trinta e poucos anos. Angustiada, não conseguia completar direito o que começava a falar. Falou que era a segunda vez que estava ali. Já tinha passado por situações agudas de depressão. Problemas com o marido, com os filhos, com o trabalho. Trabalhava atendendo ao público. Isso a debilitava. Crises de choro constantes. Sentimento de fuga. Pensamentos suicidas.

O segundo foi um senhor japonês. Rosto fraterno mas perturbado. Sua filha estava com depressão. Ela tinha cursado gastronomia e trabalhava em um restaurante. O ritmo de trabalho era muito puxado. O assédio era grande. Nenhuma folga na semana. Entrou em colapso. Perdeu toda a vontade que tinha no que era então sua maior paixão. Não saia mais da cama, nem sequer entrava na cozinha de casa. Trauma. Tentou se matar. A partir disso, o pai também entrou em depressão. Não saia mais de casa como medo da filha tentar novamente alguma coisa. Problemas com a medicação.

Outra mulher também relatou problemas com o trabalho. 3 anos sem férias. Sua patroa não queria conceder esse direito. Falava que precisava dela. Cansaço, stress. Caiu em depressão. A medicação tinha melhorado alguma coisa, mas já não estava adiantando.. Depois de algum tempo pediu demissão. O medicamento era caro e não tinha no SUS. Desempregada não conseguia pagar mais a terapia e os remédios.

Logo em seguida, uma moça mais jovem muito tímida começou a falar, chorando. Trabalhava em uma fábrica, na esteira. Uma supervisora a estava perseguindo. Crises de choro, impotência, medo.

Um rapaz ainda me chamou a atenção. Era pedreiro. Estava com problemas pelo uso de bebida e de outras drogas. Tinha separado da mulher. Ele diz que ela foi uma ingrata e que o abandonou. Não sabia o que fazer. Pulava de um emprego para outro. Não conseguia fixar sua atenção em nada. Chegava em casa a noite e só perturbações. Ligava a TV e não conseguia assistir. Ligava uma música e não conseguia escutar. Mexia no celular e não conseguia prender seu interesse. Um pastor na rádio falou para colocar um copo de água em cima da aparelho para benzer com uma reza. Tomou a água benzida e isso não adiantou. Ajoelhava no pé da cama, rezava e pedia para Deus ajudar. Isso também não adiantou. Precisava de ajuda.

Chegou a minha vez de falar. Era o último, estava em choque. Todos aqueles relatos me faziam pensar que meu problema era ridículo. Um instante de silêncio e o senhor japonês me incentivou. Falou que meus problemas eram importantes. Comecei a falar de maneira desordenada. Mas falei. Falei das minhas loucuras. Veio a minha cabeça vários filmes que assisti e que retratavam terapias em grupo. Só que era diferente. Os filmes retratam de maneira estereotipada, irônica. Uma situação que pode fazer uma pessoa continuar a viver, onde ela expõem seus problemas mais íntimos, suas fraquezas, para pessoas totalmente estranhas nunca deve ter um caráter cômico.

Falei ainda que era importante ver que os problemas era comuns e não individuais. Falei que praticamente todos tinham falado de problemas com o trabalho e que isso provava que não era agente que era doente mas sim nossa sociedade.

Mas isso faz já algum tempo. Foi há alguns meses atrás. Hoje era diferente. Encontro individual com a psiquiatra. Esperando por ela me chamar sentia vergonha. Pensei: mais uma vez vou ter que dizer que as coisas não estão bem. Parece que não me esforcei muito. Quando entro na sala e ela me pergunta como eu estou não consigo dizer que está tudo mal. Falo que estou “mais ou menos”. Depois de algumas perguntas, ela sai. Vai consultar uma psiquiatra mais velha. Fico sozinho. Olho pela janela e sinto que as coisas se repetem. Das outras vezes ela fez a mesma coisa. Fiquei sozinho, aguardando com ansiedade e com desesperança. Ela volta, trás a notícia que eu já esperava: aumentar a dose. Vai resolver?




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