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Declaração Révolution Permanente: “Participar da campanha de ‘Mélenchon para Primeiro Ministro’ significaria o fim do NPA enquanto organização independente”

Comitê de Redação - Révolution Permanente

Tradução: Lina Hamdan
Ilustração: Isadora de Lima Romera | @garatujas.isa

Declaração Révolution Permanente: “Participar da campanha de ‘Mélenchon para Primeiro Ministro’ significaria o fim do NPA enquanto organização independente”

Comitê de Redação - Révolution Permanente

A decisão será tomada nos próximos dias, mas a maioria da direção do Nouveau Parti Anticapitaliste (NPA) parece disposta a sacrificar a independência política e programática por uma união eleitoral e alguns possíveis cargos de deputados.

Desde o final do primeiro turno das eleições presidenciais francesas, há uma semana, as eleições legislativas estão no centro das discussões da “esquerda institucional” do país. Com 22% dos votos e o colapso de seus rivais, o partido La France Insoumise, de Mélenchon, pretende aproveitar sua posição hegemônica para expandir sua coligação Unidade Popular (UP) a todas as forças da “esquerda tradicional” sob sua direção. Em 2017, a organização de Jean-Luc Mélenchon já apresentava as eleições legislativas como um “terceiro turno”. Em 2022, esta ideia encontra um eco muito mais amplo, com a promessa de quase anular o resultado eleição presidencial, que acabou de acontecer, através da “eleição” de Jean-Luc Mélenchon como primeiro-ministro.

Numa carta inicialmente dirigida ao partido Europe Écologie Les Verts (EELV), ao Partido Comunista Francês (PCF) e ao Novo Partido Anticapitalista (NPA), a Unidade Popular propôs, no dia 14 de abril, “construir uma nova maioria governamental, ou seja, uma maioria política na Assembleia Nacional (o parlamento francês)” com base num “programa comum compartilhado” levado para as próximas eleições legislativas.

Uma nova esquerda “plural”, do Partido Socialista ao NPA?

Tal perspectiva pode parecer, a priori, contra a natureza para uma organização que se proclama anticapitalista. De fato, a ideia visa obter uma maioria governamental junto ao governo Macron (La République en Marche) no âmbito do sistema capitalista e no seio de uma potência imperialista como a França. No entanto, o NPA rapidamente agarrou a proposta.

Em uma primeira carta, em 19 de abril, o NPA, que apresentou Philippe Poutou para as eleições presidenciais, respondeu “favoravelmente ao pedido de uma reunião para discutir candidaturas comuns para as eleições legislativas”. Inédita, esta vontade de abrir a discussão foi então justificada pela “constatação da relação global de forças” e “da urgência de uma resposta unificada à classe dominante” que levaria a que “a questão das eleições legislativas se coloque hoje de forma diferente”. O NPA, no entanto, formulou duas condições para um acordo: “a independência política de cada organização (liberdade para cada organização se expressar e defender seu programa)” e o fato de que “a campanha seja conduzida com total independência das organizações da esquerda social-liberal, em particular o Partido Socialista”.

Desde então, essa atitude de abertura à aliança com a esquerda institucional não foi negada, mesmo que isso signifique recuar em todas as condições (mínimas) inicialmente formuladas. Em carta de 23 de abril, a exigência de independência política foi abandonada 4 dias depois de ter sido formulada. O NPA explica agora que compartilha “a ideia de que, dado o sucesso da sua campanha presidencial, é mesmo a Unidade Popular que tem mais cartas na mão: o futuro em comum é o ponto de referência na matéria e será a base do ‘programa compartilhado’”. Embora tenham condicionado inicialmente a possibilidade de um acordo, as “nuances ou divergências programáticas” não serão “linhas vermelhas” e o programa anticapitalista é liquidado. O fato dessa unidade expressar “uma ruptura positiva com os anos de ‘esquerda plural’ sob o domínio e direção hegemônica do Partido Socialista” agora parece suficiente.

O mesmo afastamento dos princípios básicos caracteriza a atitude adotada frente à personalização cada vez mais forte da campanha impulsionada pela UP, encarnada no slogan “Mélenchon primeiro-ministro”. Na sua primeira carta, o NPA assegurava que não se tratava de “votar num indivíduo e num programa elaborado por uma corrente, mas em 577 pessoas, com possibilidade de encontrar […] compromissos […], tudo mantendo a permissão de que nossas diferentes posições políticas possam ser representadas”. Desde então, a organização anticapitalista se contenta em esperar que a campanha não seja “em torno do único objetivo de Jean-Luc Mélenchon se tornar primeiro-ministro”.

Diante desses retrocessos, é muito provável que a “independência” em relação ao Partido Socialista tenha o mesmo destino, na medida em que o partido foi integrado ao processo e à reunião com a União Popular em 27 de abril. É certo que, num comunicado de imprensa de 28 de abril, o NPA renova as suas críticas ao PS. Mas a timidez das formulações deixa bem claro o caráter fundamentalmente secundário da presença desse “agente do social-liberalismo” que o NPA não “acredita” que possa “tornar-se, da noite para o dia, uma força de ruptura com as políticas liberais e anti-sociais”… compartilhando “mais do que nunca” com a Unidade Popular “o desafio de construir uma campanha comum entre diferentes forças em torno das candidaturas unificadas”. Um acordo sobre este plano também seria coerente depois de ter aceitado um bloco com os “capitalistas verdes” do EELV, parte integrante do governo social-liberal de “esquerda”, à frente de importantes cidades e regiões nas quais o partido votou notavelmente a favor da abertura do transporte público à concorrência.

Nesse contexto, o NPA pode bem afirmar que “pela nossa relação com as instituições, pela nossa concepção estratégica de ruptura com o capitalismo, não seríamos parte de um possível governo resultante dessa Unidade Popular ampliada se ganhasse a eleição”, mas compromete-se de fato com uma abordagem que carrega explicitamente este objetivo e endossa esta estratégia, afirmando que serão “solidários no parlamento quanto às orientações do nosso programa comum”. Se fosse até o fim, a decisão de participar dessa campanha marcaria, portanto, o fim do NPA como organização anticapitalista independente e, de fato, o transformaria em um cara “anticapitalista” para a reconstrução de uma esquerda governamental.

Reforma ou revolução?

É evidente que existe atualmente entre muitos trabalhadores, jovens e pessoas de origem imigrante uma espécie de esperança de que a importante votação recebida por Mélenchon na eleição presidencial, a 400 mil votos de chegar no segundo turno, abre caminho para uma alternativa à perspectiva de um governo Macron II. É por isso que a política da Unidade Popular para estas eleições legislativas encontra maior eco do que a de 2017.

Só que isso desloca o centro de gravidade da luta contra Macron e contra o avanço da extrema direita para o terreno institucional e parlamentar. Empregando uma retórica que promete aos trabalhadores “economizar greves e manifestações”, Mélenchon procura convencê-los a colocar seus destinos nas mãos de uma espécie de esquerda plural 2.0, claramente sob uma nova liderança, mas integrando grande parte dos responsáveis pelas piores traições do passado.

Ao fazê-lo, Mélenchon está semeando profundas ilusões na Quinta República – que a France Insoumise criticou duramente no passado – e a possibilidade de co-governar pacificamente com Macron e os interesses empresariais que ele encarna. Para além do caráter irrealista do objetivo de obter uma maioria parlamentar, impossível no atual antidemocrático regime francês, é óbvio que se isso acontecesse, Mélenchon não teria todos os poderes como a Unidade Popular quer agora fazer acreditar. Ao contrário, seria o primeiro-ministro de Macron, ou seja, em um governo de compromisso com um presidente que tem, entre outros, o poder de iniciar guerras e de dissolver a Assembleia Nacional. É preciso ter memória curta para não lembrar o fracasso da última experiência de co-governo entre esquerda e direita, a de Chirac-Jospin, durante o qual Jean-Luc Mélenchon foi Ministro da Educação Profissional. Não é por acaso que isso abriu caminho para o desastre eleitoral da esquerda na eleição presidencial de 2002, que possibilitou a chegada da extrema-direita do Front National, do pai de Marine Le Pen, no segundo turno pela primeira vez.

Estes fracassos e traições recorrentes encontram a sua origem numa estratégia reformista, isto é, na ideia de que seria possível “reformar” o sistema, mudar a sociedade de maneira gradual e pacífica, ocupando pouco a pouco espaços nas instituições, em particular graças ao sufrágio universal [1]. A realidade é que todas as grandes transformações sociais da história foram produto de relações de forças construídas pela mobilização nas ruas e nas empresas, fábricas e demais locais de trabalho, não por meio de negociações parlamentares. O papel do reformismo é precisamente canalizar a raiva para as instituições, para que esta não se expresse de forma subversiva, levantando a questão da derrubada do sistema, ou seja, da revolução. É por isso que, quando os trabalhadores e os jovens tomam seu destino em suas mãos e se revoltam contra o sistema capitalista, muitas vezes encontram do outro lado da barricada os deputados e políticos de “esquerda” que, por ocuparem os espaços que os sistema lhes dá, acabam querendo preservá-los a todo custo.

Por isso é tão grave, do ponto de vista dos revolucionários, que o NPA aceite que o programa dos reformistas, ou seja, a materialização desta estratégia, constitua a base das trocas e acordos com a France Insoumise. Como se o que separasse um programa e projeto revolucionário de um projeto reformista e institucional fosse uma questão de graus ou nuances. Concretamente, ao aceitar “defender tal programa [o Futuro em Comum] na eleição [legislativa]”, o NPA, embora alegue lamentar, subordina-se ao programa de Mélenchon. Em caso de acordo, os candidatos do NPA não poderão, portanto, exigir a “regularização de todos os migrantes sem documentos, o direito à autodeterminação dos povos, inclusive nas colônias francesas, a expropriação dos grandes grupos capitalistas, em particular dos setores energético e bancário…” para citar apenas as demandas mencionadas no último comunicado de imprensa do NPA.

Pior ainda, o NPA mostra-se disposto a apoiar o programa do “Futuro em Comum” inclusive em seus aspectos mais reacionários como a questão do imperialismo e da polícia, ao afirmar concordar em permanecer calado quanto a “desacordos significativos” sobre “política militar ou sobre o papel da polícia” que “de comum acordo” não estarão “no centro desta campanha."

Um processo que vem de longe

Como alertamos quando ainda fazíamos parte dele, o NPA está há algum tempo sob forte pressão para se adaptar à France Insoumise, com o qual já compartilhou listas conjuntas em base ao programa do partido de Mélenchon nas regiões da Occitânia e Nova Aquitânia nas últimas eleições regionais. Essa escolha foi feita pelas costas da maioria dos militantes do partido e lutamos firmemente contra ela na época. Esta é também a razão pela qual opusemos à ideia de uma terceira candidatura de Poutou a pré-candidatura de Anasse Kazib.

Dizíamos a esse respeito que era “evidente que o fato de apresentar para a eleição presidencial um dos porta-vozes das listas comuns com La France Insoumise [Poutou] já é em grande parte uma escolha de orientação e perfil para os próximos anos. Mas sobretudo porque a escolha unilateral da ex-maioria para impor essas listas ao partido constitui uma política de compromisso com a esquerda institucional que põe em questionamento mesmo as já insuficientes delimitações do NPA na sua fundação, a saber uma firme independência em relação à chamada esquerda social-liberal, isto é, o Partido Socialista (PS) e o Europe Ecologie – Les Verts (EELV)”.

Também escrevemos à época que “a velha maioria embarcou em um grande giro político, provavelmente sem possibilidade de retorno” e que, nesse contexto, “tal candidatura, que não por acaso seria encarnada por camaradas dos mais divisionistas do NPA, seria uma ferramenta para a construção de algo diferente do NPA”. É evidente que esse prognóstico está se confirmando neste exato momento, como evidenciam as tensões internas e os chamados incessantes de Poutou por uma “separação” das correntes minoritárias que se opõem a essa política.

De um certo ponto de vista, o eleitor de Mélenchon nas eleições presidenciais não estaria errado neste contexto em se perguntar: se não há problema para o NPA fazer campanha para eleger uma maioria governamental liderada por Mélenchon com base no programa do “Futuro em Comum”, então por que não apoiaram o candidato presidencial da Unidade Popular? A realidade é que a candidatura independente de Poutou à presidência foi produto da luta política que resultou na exclusão do Révolution Permanente [2], quando a atual direção do NPA estava engajada há algum tempo em um processo de aproximação com a France Insoumise e de renúncia gradual da independência política e programática do NPA. É claro que lamentamos que as atuais correntes de esquerda do NPA não tenham entendido, apesar de nossas repetidas advertências, que nossa exclusão e a campanha eleitoral que se seguiu, e para a qual contribuíram, foram apenas um trampolim para uma liquidação pura e simples do partido.

O que vai ser decidido neste fim de semana dentro do NPA é, portanto, muito mais do que uma tática eleitoral. É o abandono dos princípios fundadores com os quais o partido se dotou quando foi fundado em 2009 e da existência do NPA enquanto partido anticapitalista delimitado do reformismo e da esquerda gerencial. Se esta decisão se confirmar, poderá levar a uma retomada da dinâmica de crise e cisões no NPA e projetar sua direção a um caminho semelhante ao que seus companheiros espanhóis do Secretariado Unificado tomaram alguns anos antes: a dissolução política em um fenômeno do tipo neo-reformista.

Uma vez mais: um partido revolucionário para a luta de classes ou um Podemos à francesa?

Desde o fim do ciclo de lutas aberto entre 2016 e 2020, lutamos dentro do NPA para que um balanço sério fosse feito quanto ao fato do NPA não ter desempenhado nenhum papel particular na luta de classes e ter baseado cada vez mais a sua existência e sua atuação na participação nas eleições, em particular na presidencial de cinco em cinco anos.

Em uma contribuição de 22 de setembro de 2020, intitulada “O NPA em crise: construir um partido operário e revolucionário ou esperar um Podemos à francesa?” já estávamos defendendo a ideia de que: “Tendo a política horror ao vazio, existe o perigo de que os camaradas da tendência majoritária procurem compensar suas deficiências no terreno da intervenção e implantação na luta de classes pela popularidade de tal ou tal porta-voz e pela esperança de progredir, numa configuração política que teria mudado, nas políticas ‘unitárias’ vis-à-vis à chamada ‘esquerda radical’, permitindo alguns sucessos eleitorais”. Isso é precisamente o que está se desenrolando diante de nossos olhos.

Depois de ter apoiado Tsipras e Syriza na Grécia, que canalizaram e depois traíram a raiva social que se manifestou em mais de vinte jornadas de greve geral; depois de terem sido co-criadores, por meio de seus companheiros espanhóis da organização Anticapitalistas, do projeto Podemos (partido dirigido por Pablo Iglesias, que alguns anos depois acabou encabeçando o governo do Estado Espanhol em uma coalizão com o PSOE, contra o qual inicialmente se insurgiu), a corrente majoritária do NPA parece determinada a não tirar nenhuma lição desses fracassos e a seguir o mesmo caminho.

Muito longe da caricatura dos trotskistas que se dividem “a cada dia”, que ouvimos muito no momento da nossa exclusão, está esse grande desacordo estratégico, entre um projeto revolucionário de partido cujo centro de gravidade é a luta de classes e a adaptação aos fenômenos neorreformistas, que foi a base fundamental da luta política que conduzimos dentro do NPA até nossa exclusão. É também com base nestas lições que lançaremos nas próximas semanas um chamado à criação de uma nova organização, que dirigiremos fraternalmente a todos os camaradas do NPA que rejeitam a liquidação do seu partido, bem como aos trabalhadores e jovens que participaram das lutas dos últimos seis anos. Mais do que ajudar a alimentar a esperança em soluções institucionais, acreditamos ser urgente discutir a necessidade de construir uma organização revolucionária que seja realmente útil para as lutas de classes que não faltarão no segundo quinquênio de Macron.

Este artigo foi originalmente publicado no site Révolution Permanente, da França, que faz parte da rede La Izquierda Diario e traduzido para o português por Lina Hamdan.


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FOOTNOTES

[1Quanto à questão do reformismo, o jornal Révolution Permanente indica em sua declaração dois cursos que eles realizaram sobre o reformismo clássico e sobre o neo-reformismo.

[2Inicialmente, a candidatura de Poutou não era prevista pela direção do NPA, e até mesmo descartada pelo próprio. A ideia de sua terceira candidatura surgiu após o Révolution Permanente ter proposto a pré-candidatura de Anasse Kazib como um meio de se opor a essa proposta, colocando uma figura “peso pesado” para conseguir alinhar a maioria do partido por trás de sua direção historicamente majoritária.
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