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ESPECIAL 8 DE MARÇO | Debate sobre o aborto: legalizar ou seguir na clandestinidade?

A prática do aborto é uma realidade traumática na vida de milhares de mulheres de diferentes idades em nosso país, mas, ainda assim, é realizada cotidianamente. Abortar é crime no Código Penal brasileiro, com graduação da pena de acordo com cada caso, chegando a até 3 anos de prisão para a mulher. A criminalização do aborto não impede que quase 1 milhão de mulheres abortem no Brasil.

segunda-feira 23 de março de 2015 | 00:16

Recentes pesquisas feitas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ, apontavam ao menos 865 mil casos de abortos feitos no país, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, estipula que 7,4 milhões de mulheres no país já fizeram aborto ao menos uma vez na vida. São mulheres de diferentes idades (60% entre 18 e 29 anos, segundo dados da Pesquisa Nacional do Abortamento, PNA), muitas com ao menos um filho, em diferentes situações de relacionamento afetivo, de diferentes situações socioeconômicas, com diferentes posições e credos religiosos etc. Ou seja, são muito diversificadas as mulheres que “viram estatísticas” na prática do aborto. No entanto há um denominador comum entre essas mulheres: a clandestinidade. A criminalização do aborto submete as mulheres a práticas clandestinas, sozinhas ou através de clínicas ilegais, em que são expostas a graves riscos de saúde, por não pressupor nenhuma adequação médica ou sanitária.

Legalizar ou relegar às mulheres a brutalidade da clandestinidade?

As pesquisas do IBGE também apontam, e os casos ocorridos ano passado no Rio de Janeiro de Jandira Magdalena e de Elizângela Barbosa ilustram, que, apesar de muitas brasileiras “serem clandestinas”, são as mulheres pobres, trabalhadoras e que em sua maioria esmagadora são negras, as que correm os maiores riscos, porque não podem pagar milhares de reais para serem atendidas por clínicas “mais salubres” e “mais profissionais”. São estas mulheres que buscam medidas desesperadas, que se intoxicam com remédios incertos, se perfuram com objetos cortantes e que se amontoam nos corredores de clínicas improvisadas, a metros de distância dos gritos de outras mulheres, que resultam da não existência de uma infraestrutura mínima, como anestesias. Mais de 200 000 internações de mulheres decorrem de complicações por abortos, sendo mais de 154 000 por interrupção induzida (IBGE).

A questão que se coloca, então, é superior às opiniões particulares. A pergunta a ser feita não deve estar no âmbito de se “é correto ou não que as mulheres abortem”, mas, no âmbito que realmente importa: As mulheres devem continuar lançadas à brutalidade da clandestinidade ou deverão ter assegurados seus direitos reprodutivos e saúde através da legalização do aborto?

O Estado é laico?

Como muitas outras letras mortas da Constituição, a laicidade do Estado não é garantida. A não separação entre o Estado e as instituições religiosas, sobretudo a Igreja Católica e as Igrejas Evangélicas, é um dos pilares que sustentam a ilegalidade do Aborto e a marginalização de centenas de milhares de mulheres em nosso país. Não atoa alguns dos políticos mais “ativistas” contra a legalização do aborto e contra os direitos das mulheres, das Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transsexuais e Transgêneros, são declarados líderes religiosos e têm seu espaço reservado no Estado sem qualquer separação. Pertencentes à bancada que se é e se defende conservadora. A partir dessa junção inconstitucional, a ideologia dominante propaga a falsa concepção de que as mulheres são incapazes de tomar decisões, que são desequilibradas mentais em relação aos homens e que sua função social é de submissão, que deve servir à família e se realizar através da maternidade. Assim o Estado “justifica” a retirada do direito das mulheres de decidir sobre seus próprios corpos e vidas, hipocritamente às lançando à dor, à culpa, ao abalo psicológico e às valas clandestinas.

Avançar em nossos direitos ou voltar à estaca zero?

Esses mesmos políticos são os que querem impor suas próprias crenças através de projetos como o “Estatuto do Nascituro”, o “Cura Gay”, o “Dia do Orgulho Hétero”, a “Criminalização da heterofobia”, entre outros, que vão contra os direitos das mulheres e dos LGBTs. O projeto do “Estatuto do Nascituro”, criado pelo deputado Luiz Carlos Bassuma, na época era do PT, está ainda passando por instâncias deliberativas e tem o objetivo de proibir e criminalizar o aborto em casos já previstos por lei- Estupro (qualificado como “aborto sentimental”!!), risco para a mulher ou anencefalia do feto. No país que ocupa o 7º lugar no ranking mundial no assassinato de mulheres e onde uma mulher morre a cada dois dias em decorrência de abortos mal feitos (segundo dados da Organização Mundial de Saúde, OMS), a manutenção da ilegalidade do Aborto e a defesa de projetos como este é a afirmação de que a violência contra as mulheres não é um problema de Estado e que, ao contrário, deve ser legitimada por ele. Aí está a queda da máscara destes auto proclamados defensores da vida: Não bastasse a inaceitável realidade de milhares de mortes, ainda querem submeter as mulheres aos estupradores e frutos dessa violência física, psicológica e moral que assola milhares de mulheres em nosso país! Nos debates dos presidenciáveis, Dilma defendeu que o aborto já é tido como uma responsabilidade do Estado, que a Constituição garante três situações em que as mulheres podem abortar em segurança. Não bastasse o completo abandono do PT à essa discussão que é histórica da luta das mulheres e a afirmação em rede nacional que presa mais as alianças com a bancada conservadora do que a vida das mulheres, tem também os que acreditam que devemos voltar à estaca zero, retirando esses casos que ainda não bastam.

Defender o direito ao aborto, a anticoncepcionais, à saúde da mulher e à maternidade!
Apesar da ideologia machista dominante acerca do papel social da mulher e a imposição para que seja exclusivamente uma reprodutora, existem as mulheres que escolhem serem mães. Reconhecer o aborto como um direito não é o mesmo que decidir abortar, mas, sim, é não se conformar que todas as mulheres que por diferentes motivos recorram a essa prática o possam fazer em segurança. O aborto deve ser tratado como um direito, garantido e assegurado pelo estado, pois é uma questão de saúde pública e não individual, assim como o direito ao acesso a anticoncepcionais gratuitos em todos os postos de saúde, o direito ao atendimento ginecológico frequente e o próprio direito à maternidade. Aqui vemos novamente a negligência e a hipocrisia dos governos e dos conservadores “pró-vida”, não asseguram os direitos das mulheres mães que têm que pagar pelo cuidado de seus filhos por falta de creches, perder dias de trabalho ou mesmo deixa-los sozinhos em casa. Além de salários menores, defendidos como “justo porque engravidam”, também não têm assegurado uma licença maternidade suficiente aos primeiros cuidados das crianças, tampouco seus companheiros/pais têm uma licença paternidade, deixada, como de praxe, toda a responsabilidade com as mulheres.

A luta pelo direito ao aborto fortalece a luta de todos os trabalhadores!

O avanço em nossos direitos fortalece a luta de todos os trabalhadores, pois os capitalistas usam da opressão para nos dividir e explorar mais. Nós mulheres devemos ser sujeitas do combate ao machismo que sofremos nos organizando para lutar por nossa emancipação. Os homens devem tomar para si a defesa dos direitos das mulheres, superando sua própria condição na reprodução do machismo, pois cada direito conquistado fortalece a nossa classe. A negligência do governo, o conservadorismo das instituições religiosas e a exploração dos capitalistas caminham lado a lado para manter a nós mulheres algemadas diante de nossas vidas e impossibilidade de decisão e para manter a algema comum que carregamos junto aos homens e oprimidos. Nesse ano de crise e ataques já desferidos contra os trabalhadores a nossa luta é uma só, contra a crise criada pelos próprios capitalistas e que querem lançar em nossas costas!

Nesse 8 de março e em cada um dos 364 dias do ano devemos nos ligar aos trabalhadores e lutar para que nós mulheres tenhamos o direito de decidir por nossos corpos e não estejamos jogadas às mortes por abortos clandestinos: Pelo nosso direito ao aborto legal, seguro e gratuito!




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