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DEBATE | Debate com Nahuel Moreno: consignas motoras ou programa de transição? As tarefas dos revolucionários para a reconstrução da IV no fim da etapa de restauração burguesa - Parte I

Os momentos de agudização da luta de classes, como o que passamos a viver no Brasil a partir de junho de 2013, rompem com a antiga letargia e comodismo aparente que marcavam a etapa anterior para recolocar na ordem do dia debates e perspectivas que antes pareciam apagados.

segunda-feira 19 de setembro de 2016 | Edição do dia

Todo o “relato” burguês, por meio de seus ideólogos, de fim da história e do movimento operário, que tão profundamente marcaram a subjetividade durante todo final do século XX e começo do novo, deixam de fazer qualquer sentido, pois a história passa novamente a ser feita, diante dos nossos olhos, tendo os trabalhadores e a juventude novamente como seus protagonistas.

Esses momentos, que apesar de já serem de uma profunda ruptura com a etapa anterior ainda estão num marco preparatório para os grandes conflitos de classe que se anunciam, tendem a acabar com a antiga estabilidade existente nos grupos, partidos, movimentos, que representam as diferentes classes sociais. Os novos movimentos de luta, o emergir à vida política de amplos novos setores da sociedade fazem com que essas massas que se colocam a fazer política pela primeira vez, ainda de forma tateante e um pouco confusa, tenham experiências novas com as superestruturas que dizem as representar. É nesses momentos que essas estruturas políticas, partidos, movimentos, etc, devem provar sua capacidade de ser expressão histórica ativa das classes e grupos que dizem dirigir, são nesses momentos que se formam os efetivos blocos históricos que se tornam reais forças sociais que expressam os movimentos e embates da luta de classes por todo um amplo período histórico.

Se isso é verdade para todos os grupos e classes sociais essa realidade se aprofunda quando tratamos da relação entre proletariado e os grupos e partidos que se colocam como seus representantes, que se reivindicam o direito de ser vanguarda de sua luta por emancipação. Classe subalterna por excelência da sociedade capitalista, aquela que sintetiza todas as formas de exploração e opressão e que por não ter nada a perder, a não ser seus grilhões, tende aos movimentos mais radicalizados, o proletariado a maioria do tempo é alijado e atomizado, impedido de se organizar de forma própria e independente pelos diversos meios e aparatos ideológicos e hegemônicos burgueses, quando não pela coerção e violência direta. Quando se coloca em movimento após um longo momento de relativa letargia, consequência da profunda derrota sofrida, a classe operária tende, portanto, a testar e se colocar de forma crítica em relação a todos os setores que dizem a representar.

É essa pressão objetiva do proletariado que tende a colocar em crise toda estrutura organizativa anterior e a reorganizar e moldar de forma radicalmente nova a esquerda que se reivindica revolucionária. Enquanto na etapa anterior era possível a construção sectária de pequenos círculos e grupos auto-centrados, que não se colocavam a dialogar e disputar entre si, mas se limitavam a falar para si mesmos de forma auto-proclamatória, se autodeclarando cada um a vanguarda proletária, pois não havia uma efetiva pressão da base que testasse programas, estratégias, atuações efetivas na realidade, com a agudização da luta de classes essa antiga forma de militância e construção é superada e cada grupo ou partido tem que legitimar sua existência e direito histórico com uma efetiva capacidade de responder as necessidades dos trabalhadores e oprimidos que se colocam em luta.

Essa nova realidade só pode ser comemorada pelos efetivos revolucionários, aqueles que não querem apenas construir pequenas seitas e grupelhos que só falam para si mesmos, pois é ela que permite a construção de um real partido revolucionário, instrumento chave, fundamental, para uma ação histórica concreta que supere a miséria da exploração capitalista. É essa nova realidade que permite a construção do partido revolucionário pois é ela que dá base objetiva para que se testem programas, estratégias, atuações, combatividade, daqueles que se reivindicam revolucionários e permite as rupturas e fusões do melhor que existe na vanguarda militante, única via para a construção de uma efetiva organização revolucionária leninista.

Por essa pressão da realidade da luta de classes esse ano aconteceram duas importantes rupturas em partidos que existiam a décadas na esquerda que se reivindica revolucionária no Brasil. A primeira, no primeiro semestre, quando por volta de 40 militantes do PCO romperam com esse partido dado o rumo cada vez mais decididamente petista que ele assumiu no último período. Outra, mais importante, dado seu número e maior inserção em setores de vanguarda, quando mais de 700 militantes rompem com o PSTU para fundar uma nova organização, o MAIS (movimento por uma alternativa independente socialista).

O surgimento desse novo grupo pode ser um fator para a reorganização de toda esquerda que se reivindica revolucionária no Brasil pois por seu tamanho, dinamicidade inicial, capilaridade, esse grupo tende a ser atrativo a toda uma série de novos setores de juventude e militantes que despertam à vida política. Também porque o grupo se reivindica conscientemente ser um elemento reorganizador da esquerda. Ainda porque todos aqueles que se reivindicam revolucionários devem ter a gana de superar a marginalidade em que ainda se encontram os grupos de esquerda e uma nova organização que surge, uma primeira grande ruptura, pode ser o anuncio, e concretamente abre a possibilidade, de futuras fusões que sejam a base real para a construção de um efetivo partido revolucionário.

Para que sejam possíveis, no entanto, que rupturas que tendem a acontecer se tornem fusões que permitam a construção de um partido leninista, ou seja, não fusões oportunistas mas em chave revolucionária, é necessário que os debates estratégicos, programáticos, teóricos, legados pela etapa anterior sejam dirimido, pois a solidez e clareza teórica, que se expressa em um programa e estratégia corretos, é base essencial da formação de um real partido revolucionário.

O novo grupo que surge, o MAIS, é extremamente contraditório, com sinais que apontam a aprofundar os aspectos centristas da antiga organização a que pertenciam, o PSTU, quanto sinais que apontam a superação de seus erros teóricos mais profundos e absurdos. Vemos com bons olhos, no entanto, a perspectiva que coloca esse novo grupo de que é necessário à esquerda revolucionária se reorganizar para que possa representar um efetivo papel histórico num possível ascenso da luta de classes.

Como colocado acima essa possível reorganização da esquerda, no entanto, passa por um profundo debate teórico, programático, estratégico. Como esse novo grupo reivindica ainda o legado de Nahuel Moreno é necessário debater com os pressupostos teóricos do que se convencionou chamar de morenismo, em referencia ao dirigente argentino, e seus erros e desvios do trotskysmo. O autor dessas linhas publicou a não muito tempo atrás uma série de artigos criticando a revisão de Moreno da teoria da revolução permanente de Trotsky e sua perspectiva da possibilidade de uma “revolução democrática”. Assim, nesse novo artigo nos ateremos a outro aspecto da revisão que faz Moreno em relação a pressupostos centrais da teoria revolucionária do dirigente russo, sua revisão do programa de transição e de sua lógica como programa que entra em choque com o capitalismo e que deve levar a conclusão dos trabalhadores em luta da necessidade de sua superação, e a recuperação pelo argentino da velha divisão social-democrata entre um programa mínimo e um programa máximo, agora com novas denominações, consignas motoras (ou para a ação) e programa transitório.

Bases metodológicas para a separação entre consignas motoras e programa transitório, o objetivismo histórico

Nahuel Moreno resgata na segunda metade do século XX uma concepção histórica que parecia a muito ter sido superada tanto nos setores de esquerda, socialistas, quanto mesmo nos setores e pelos ideólogos burgueses. Reproduzindo uma forma caricata de hegelianismo Moreno defende que a pressão objetiva da história tende a levar a realidade rumo ao socialismo, independente da direção do processo, de seu programa, de sua estratégia.

Dizemos aqui uma forma caricata de hegelianismo, pois o grande filósofo prussiano, preso as concepções de seu tempo, portanto influenciado em grande mediada por uma concepção religiosa e muitas vezes mística do processo histórico, vê na história um processo teleológico, com um fim predeterminado, a qual todos os eventos e figuras, independente de sua vontade e consciência, tenderiam. A isso Hegel chamou de ‘astúcia da razão’, forma através da qual o ‘espírito absoluto’ no seu processo de autoconhecimento, que se realiza na história, chega a consciência de si como motor e fundamento do processo histórico real se utilizado das paixões e aspirações dos sujeitos históricos concretos, como um “deus que escreve certo por linhas tortas”.

Se é compreensível que mesmo um grande filósofo como Hegel expresse tais posições, pois mesmo os grandes pensadores não podem superar pura e simplesmente as restrições que as condições históricas lhes impõe, ao dirigente argentino essa concessão e compreensão histórica é bem menos possível, para não dizer diretamente impossível.

Reivindicando-se marxista, crítica radical a qualquer concepção teleológica da história, ainda mais no campo do trotskysmo, que se constrói também em luta direta contra a caricatura stalinista do marxismo, Moreno ao reivindicar esse objetivismo, essa possibilidade de que a história caminhe rumo ao socialismo independente da direção consciente de seres humanos reais, que tomam o fazer histórico em suas mãos, dá volta-face em aspectos centrais do desenvolvimento histórico do pensamento socialista.

Para fazermos uma crítica ao objetivismo histórico, a essa ideia absurda de que a história tem um rumo predeterminado, seja por um demiurgo que se coloca por fora da história e a manipula, seja pelo desenvolvimento objetivo das forças produtivas, numa deformada concepção mecanicista de materialismo, a primeira coisa que deve-se ter claro é que não existe nada de puramente objetivo na realidade histórico/social, humana; toda ação histórica, social, humana, pressupõe determinado nível ou patamar de intervenção consciente. Movimentos puramente objetivos, sem intervenção consciente, só existem na natureza, e ainda sim sem nenhum elemento teleológico, finalístico.

Do reconhecimento, no entanto, de que toda ação histórico/social pressupõe algum grau de intervenção consciente não se deve concluir, certamente, que a história se faz a partir de um plano traçado de antemão, que seria outra forma de se cair num finalismo.

Em sua ação histórica os múltiplos sujeitos que agem de forma consciente, classes, povos, grupos, indivíduos, ao atuarem a partir de conflitos e lutas chocam seus planos e projetos, fazendo com que eles se anulem como projetos particulares e se sintetizem numa realidade superior, que está para além dos planos e projetos traçados por cada um dos sujeitos colocados de forma isolada.

O desenvolvimento histórico cria as condições que permitem a superação desse agir histórico como forma cega que se sobrepõe as ações particulares dos indivíduos, tanto pelo desenvolvimento das forças produtivas que nos permitem um maior controle da natureza, quanto pela cada vez maior compreensão da história humana como expressão e fruto das ações dos seres humanos associados e não de nenhuma potência natural ou divina.

Essa possibilidade de que os seres humanos associados tomem a história de forma consciente em suas mãos, no entanto, entra em choque com a forma mais aguda de alienação e estranhamento em relação a essas possibilidades historicamente desenvolvidas, que é a sociedade capitalista e a dominação burguesa que ela pressupõe.

Assim, longe de ser um movimento objetivo da realidade o socialismo (que Marx chamou de “reino da liberdade” em contraposição ao “reino da necessidade” da sociedade capitalista e demais sociedades classistas, sociedades que ainda estão na “pré-história”) pressupõe a ação consciente da classe que por sua posição social é a única capaz de propor uma nova forma de sociedade que supere a capitalista, o proletariado. Para isso é fundamental que o proletariado construa seu instrumento e aparato hegemônico central, o partido revolucionário.

A RELAÇÃO ENTRE O OBJETIVISMO HISTÓRICO E CONSIGNAS MOTORAS EM CONTRAPOSIÇÃO AS CONSIGNAS TRANSITÓRIAS EM MORENO

Do exposto acima não se deduz imediatamente a relação que se estabelece para Moreno entre o objetivismo histórico e a adaptação a consciência imediata dos trabalhadores, sua divisão entre demandas motoras, que mobilizam, para a ação, e o programa transitório, revolucionário. Isso porque o próprio Moreno nunca sistematizou teoricamente essa relação entre essa base metodológica, teórica, e suas consequências programáticas e estratégicas. Exporemos aqui, portanto, como vemos se estabelecer essa relação no pensamento do argentino.

Como Moreno expõe diversas vezes em uma de suas principais obras teóricas, obra fundamental daquilo que se convencionou chamar de morenismo, a ‘Atualização do programa de transição’ (que melhor seria chamada de revisão do programa de transição) a arte de uma direção revolucionária (em sua concepção) é saber adaptar as consignas a consciência imediata dos trabalhadores que se colocam em luta, não criando uma distância entre o programa dos revolucionários e essa consciência imediata, sendo assim possível ao partido revolucionário mobilizar essas massas que se colocam em luta. Nesse sentido, as consignas que formula a direção revolucionária tem como papel se ligar as demandas diretas mais sentidas dos trabalhadores, tais como elas se expressam imediatamente, como forma de mobilizá-los para a ação. Assim, essas consignas são consignas para a ação, ou consignas motoras, pois são aquelas capazes de colocar em movimento os trabalhadores, sendo as consignas transitórias ou revolucionárias colocadas em segundo plano, dado sua distância em relação a consciência imediata da classe operária nos primeiros períodos de luta.

En el afán de lograr una consigna movilizadora no sólo debemos expresar las necesidades inmediatas del movimiento de masas, sino partir del nivel de conciencia de éste para formular la consigna. Debemos tratar de que la consigna sea una síntesis de las necesidades inmediatas y de la conciencia inmediata del movimiento de masas, con el objetivo de lograr una movilización. Es así como Trotsky, frente a la desocupación en Norteamérica (necesidad inmediata) y al hecho de que los obreros creían en Roosevelt (conciencia inmediata), aconsejó levantar una consigna movilizadora de presión a Roosevelt para que diera trabajo a todos los desocupados. Esta consigna tomaba en cuenta el bajo nivel político del proletariado norteamericano —que creía en un gobernante agente de los monopolios y del imperialismo— por un lado y la necesidad de superar la desocupación por otro. La consigna para la acción, por oportunista que parezca (presionar a Roosevelt o pedirle que dé trabajo) es, desde nuestro punto de vista trotskista, correcta si es la mejor fórmula para movilizar a los trabajadores, si es el puente para su movilización, para su unidad, para que salgan a la lucha.’’ Moreno, Nahuel Actualizacion del programa de transicion,

E ainda:

El nivel de conciencia de las masas nos indica cuáles son la táctica y la consigna adecuadas para movilizarlas, y no podemos desecharlas ni pasarnos por arriba de ese nivel de conciencia, confundiendo los principios y la estrategia con la táctica y las consignas. Si no actuamos así y si cometemos el error de creer que con tener sólo principios y solamente hacienda propaganda avanzamos, cometemos un crimen tan grande como el error opuesto del revisionismo, que es creer que las estrategias y principios son tácticas y consignas. En este caso se está afirmando que los principios son lo táctico, el media. Sin embargo, el principio es una categoría opuesta a la táctica, aunque íntimamente ligada, porque la táctica es un media y el principio es mucho más que una estrategia, es la base de nuestra política. Toda táctica tiene que ser principista y todo principio tiene que aceptar que debe expresarse a través de medios. Pero cada una de estas categorías tiene su ámbito. El ámbito de la táctica, igual que el de la consigna, es el ámbito de lo inmediato, no de lo histórico; es el ámbito de las necesidades inmediatas y de la conciencia inmediata —por más atrasada que ésta sea— del movimiento de masas. Y si el media no se adecua a estas condiciones deja de ser un medio: es la repetición de los principios.”

Aqui novamente Moreno reproduz uma forma caricata de hegelianismo e se afasta da forma e da tarefa que deveria ter o programa revolucionário no pensamento de Trotsky. Em sua crítica ao pensamento de Hegel, em seus manuscritos de Paris, em 1844, Marx mostra como contraditoriamente para o filosofo prussiano o espírito absoluto, supostamente o demiurgo da história, é sujeito histórico apenas post festum, apenas após o ocorrido. Ou seja, a realidade concreta, historicamente real e efetiva, se objetiva concretamente e o espírito absoluto apenas a sanciona, apenas a torna consciente, sem ser seu efetivo agente e realizador.

Igualmente para Moreno as consignas que deve levantar o partido revolucionário no primeiro momento, ao se adaptarem a consciência mais imediata dos trabalhadores que se colocam em luta, não são um elemento politizador e educador, que ajuda a avançar a consciência dos trabalhadores, parte da experiência efetiva desses trabalhadores que se colocam em luta com os limites e contradições de suas direções burocráticas, reformistas e centristas, e com os próprios limites impostos pelo capitalismo, mas apenas expressam algo que já existe de imediato e espontaneamente entre os próprios trabalhadores, sendo a sanção e legitimação, por assim dizer, do partido revolucionário a algo que os trabalhadores já colocam de forma espontânea e independente.

Essa adaptação de Moreno as demandas e consignas que surgem de forma imediata e espontânea na classe operária se dá porque com sua concepção objetivista, de que a história caminha rumo ao socialismo, deixa de ser papel do partido revolucionário, através de sua atuação e programa nas lutas, educar um setor de vanguarda na classe trabalhadora de que não bastam vitórias parciais e limitadas, que sejam conseguidas num momento de ascenso da luta mas que podem ser retiradas no refluxo posterior, mas que é necessário uma luta decidida contra a sociedade capitalista de conjunto, ou seja, deixa de ser papel do partido em cada luta parcial enraizar e inserir idéias revolucionárias, que não surgem de forma espontânea e imediata, no seio da classe operária.

Como a realidade histórica ruma para o socialismo basta o partido revolucionário acompanhar essa marcha, expressando programaticamente cada um dos passos e degraus com que se move o proletariado.

CONSTRUÇÃO DO PARTIDO E PROGRAMA REVOLUCIONÁRIO, LUTA CONTRA A COOPTAÇÃO BURGUESA

Diferente de para Moreno numa concepção efetivamente materialista, histórica e dialética da realidade social, concepção do qual um dos grandes mestres é Trotsky, não existe nenhuma finalidade nem nenhum movimento puramente objetivo na história. Se o desenvolvimento das forças produtivas cria condições objetivas para a realização do socialismo, essa possibilidade, potencialidade, só pode se tornar ato e concretude através da intervenção subjetiva, volitiva, de seres humanos conscientes. E para intervir de forma consciente e efetiva na história é necessário aos seres humanos historicamente determinados construir os instrumentos históricos, que nas sociedades classistas só podem ser aparatos hegemônicos, que expressam suas necessidades naquele contexto concreto.

Assim, a história, como síntese das ações humanas, de forma alguma tem um rumo ou finalidade objetivos dados de antemão, de forma natural, mas os rumos e caminhos que segue são fruto e expressão das ações conscientes de seres humanos concretos, que reconhecendo as possibilidades objetivas em determinadas situações interveem para realizar seus objetivos e aspirações.

Nas sociedades de classes, a capitalista sendo a mais desenvolvida e forma última de sua objetivação, essa construção de instrumentos para a intervenção na história, a construção de aparatos hegemônicos das diferentes classes sociais, se dá em luta entre as classes, é forma essencial e fundamental, inclusive, da luta e embate entre as classes sociais. Ou seja, a capacidade das diferentes classes de construir os aparatos hegemônicos necessários para a intervenção na história é parte fundamental de seus conflitos.

A luta de classes, portanto, é sempre um conflito político, luta pela conquista pelos diferentes grupos de hegemonia social, capacidade desses grupos de forjarem o bloco histórico capaz de dirigir a sociedade para determinado rumo, organizarem seus aliados e demais setores a partir de seu programa, estratégia, de seus objetivos históricos. Mesmo nos momentos de maior agudização das lutas, quando essa perde seu caráter “pacífico”, “legal”, nos momentos de guerra civil, a luta é predominantemente política e de conquista de hegemonia social.

A burguesia, classe dominante da sociedade capitalista, tendo o monopólio dos meios legais de coerção e controlando a maioria dos meios de difusão de informação e construção de consentimento busca cooptar ou reprimir os aparatos hegemônicos construídos pelo proletariado. Nos primeiros momentos de luta, quando a correlação de forças não exige ou não permite que ela possa reprimir diretamente as mobilizações dos trabalhadores, o movimento imediato dos capitalistas é buscar cooptar o movimento, absorver suas demandas mais imediatas, aquelas que não se chocam imediatamente com a sociedade capitalista, esperando um momento de refluxo e desorganização das classes subalternas para recuperar o terreno perdido no campo de batalha. Trocando espaço ou trincheiras por tempo, a burguesia consegue se reorganizar em suas linhas internas para preparar o contra ataque, portanto.

Assim, a vitória tática, a conquista de uma demanda parcial, pode preparar a derrota estratégica, quando não ligada a uma estratégia e programa revolucionários. É esse o papel das consignas transitórias, mesmo nos momentos iniciais da luta, educar um setor da vanguarda e auto-educar o partido de que não bastam as vitórias parciais e táticas, não basta a conquista de demandas limitadas, que elas podem sim ser uma trincheiras e um trampolim para movimentos mais agudos e audazes, mas só quando ligadas desde um primeiro momentos a uma perspectiva e estratégia mais ampla. O partido que se pretende uma direção revolucionária deve ter claro que não está pronto, mas que se prova e se forja sempre novamente nas grandes batalhas da luta de classes. Que é a partir de aproximações sucessivas que se constrói como efetiva vanguarda revolucionária da classe operária.

E assim como o educador se educa ao transmitir e construir conhecimento com seus estudantes o partido revolucionário só se forja como vanguarda se nos grandes fenômenos de luta de classes, mesmo em seus momentos iniciais, constrói um setor de trabalhadores que absorvem um programa e estratégia revolucionários, se consegue aproveitar esses momentos de luta para conquistar trincheiras e ganhar espaço para seu programa.

Se nos grandes embates da luta de classes o partido revolucionário ao invés de defender um programa revolucionário, transitório, defende um programa mínimo, adaptado a consciência imediata dos trabalhadores, passível de ser absorvido para dentro das instituições e relações capitalistas, mesmo que ele ganhe influência entre o proletariado essa vitória tática permitiu à burguesia conquistar uma trincheira, avançar para a absorção e cooptação do partido, fazer dele não instrumento da revolução social, mas parte das válvulas de descompressão das contradições inerentes a sociedade capitalista.

O partido é organismo que busca enraizar e difundir, tornar dirigente, um programa e estratégia revolucionários. Assim, na concepção do revolucionário russo, oposta pelo vértice a concepção exposta por Moreno, o programa não deve se adaptar a consciência imediata dos trabalhadores, mas ser arma e elemento para o avanço dessa consciência, para que os trabalhadores em luta tirem por si mesmos conclusões revolucionárias das contradições do capitalismo.


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