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COLUNA | De Carolina de Jesus para Ana Carolina de Jesus: A vida na favela

Esse texto é dedicado a Maria Carolina de Jesus, mulher negra e favelada que transformou seu cotidiano na favela e no lixão em escritos originais, tocantes e fortes que se cruzam com a realidade de milhares e milhares de pessoas espalhadas pelos becos e vielas desse país.

segunda-feira 14 de junho de 2021 | Edição do dia

Foto: Divulgação

“Aqui na favela quase todos lutam com dificuldades para viver. Mas quem manifesta o que sofre é só eu. E faço isso em prol dos outros.”

Poetisa apaixonada pelos livros e inimiga da fome e miséria. Quarto de Despejo - Diário de Uma Favelada retrata a vida de Carolina de Jesus, mulher negra, mãe solo e moradora da favela do Canindé, localizada na cidade de São Paulo. As palavras escritas por Carolina de Jesus são registros de uma vida profundamente marcada pela pobreza, racismo e a fome. As linhas escritas por Carolina ultrapassam qualquer intenção de leitura superficial de seu livro, nenhuma palavra no livro é vazia de sentido e razão, cada verso desenvolvido se transforma em poesia expressando uma realidade repleta de pobreza e opressão. Do mesmo desejo de se revoltar contra o que assola nossas vidas e nos negam todos os dias o nosso direito à uma vida regada de plenitude e livre de opressões, faço dos escritos de Carolina de Jesus minha própria revolta contra o preconceito e desumanidade que vivem os favelados em cada canto desse país.

Te perguntar onde você mora já te causou algum incomodo? Perguntar onde alguém mora não é nenhuma grande pergunta matemática daquelas equações difíceis, é só você responder onde você mora. A grande questão dessa pergunta é a resposta, como se não bastasse o racismo rasgando nossa alma e pesando tanto na nossa vida, as grandes elites brasileiras também faz pesar na vida dos moradores de favelas o preconceito, o desgosto pelos favelados que vivem em más condições de moradia, um desgosto que é carregado de indiferença por nossas vidas, além dos nomes, vocês já pararam para pensar as inúmeras vidas que a polícia já matou dentro das favelas? O que uma criança de dez anos faz aos dez anos? No morro do Turano, eu ficava calculando em qual parede eu poderia ficar parada para nenhuma bala de fuzil atravessar meu corpo. Carolina de Jesus já dizia e afirmo com todas as palavras “a vida na favela é negada de humanidade”.

“É Igual a nós que não gostamos da favela, mas somos obrigados a residir na favela.”

Não gostar da favela é ser igual a tantas e tantas Carolinas de Jesus que residem em favelas obrigadas a viverem a vida sem o direito a escolha. Porém, veja bem, nosso NÃO GOSTAR DA FAVELA, é completamente diferente desse não gostar de favela preconceito e racista construído para desumanizar ainda mais a minha gente. O nosso não gostar da favela é não aceitar as brutalidades do Estado contra a gente. A cidade é organizada socialmente para manutenção dos privilégios e poder da burguesia e o contraste social favela versus asfalto é um contraste da desigualdade e desumanização social contra os negros e os pobres moradores de favelas. Toda essa lógica de ausência de direitos e humanidade é totalmente arquitetada e pensada para ser assim, após a abolição da escravidão a burguesia nacional com seu DNA extremamente racista reservou para os negros uma parte da cidade que é marcada pela falta de infraestrutura e dignidade. Mas reparem, a violência e a desumanização de nossas vidas estão sempre presentes em todas as favelas em qualquer parte desse país.

Carolina de Jesus se vestiu de rebeldia e razão isso se faz presente nas suas palavras escritas, confesso que me impressionou a firmeza, delicadeza e coragem de Carolina em afirmar que de todos os seus sonhos um deles era extinção da favela. O desgosto da vida pobre na favela e o horror de ter visto a cor da fome fez de Carolina de Jesus ser uma das maiores escritoras brasileiras do nosso país, onde suas obras ultrapassaram os anos e cada escrito são completamente pertinentes aos problemas de nossa época. Através das palavras, Carolina conseguiu expressar para o Brasil e o mundo o que dói no peito dos favelados e o que está entalado na nossa garganta. Carolina de Jesus deixou essa vida e entrou para a história. Separei esse pequeno trecho como forma de atiçar a curiosidade pela obra e vida de Carolina de Jesus.

“Eu deixei o leito as 3 da manhã porque quando a gente perde o sono começa pensar nas misérias que nos rodeia(...) Deixei o leito para escrever. Enquanto escrevo vou pensando que resido num castelo cor de ouro que reluz na luz do sol. Que as janelas são de prata e as luzes de brilhantes. Que minha vista circula no jardim e eu contemplo as flores de todas as qualidades (...) É preciso criar este ambiente de fantasia, para esquecer que estou na favela. Fiz o café e fui carregar água. Olhei o céu, a estrela Dalva já estava no céu. Como é horrível pisar na lama.”




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