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TRIBUNA ABERTA | Da moda do direito à cidade hedonista à consciência da revolução urbana

sábado 16 de maio de 2015 | 01:23

Imediatamente antes e depois da eleição do prefeito Fernando Haddad (PT), o centro expandido da cidade de São Paulo presenciou um ajuste na cultura urbana da cidade. Isto vai desde as festas ao ar livre oficiais e extra oficiais, ocupações e coletivos culturais até a implementação das ciclovias, ciclo-faixas e "praias urbanas", passando pelo Wi-Fi nas praças, a volta dos ambulantes, artistas e artesãos se apresentando e vendendo seus produtos nas calçadas e o empréstimo de bicicletas via parceria com o Itaú.

Isto tudo é muito diverso e tem experiências específicas que valem a pena olhar no detalhe, porém há um elemento fundamental que liga todas elas: a política do direito à cidade. Esta política é muito bem intencionada e traz uma série de consequências dialéticas, principalmente em um país como o Brasil. No entanto, ela tem um horizonte que bloqueia um avanço para uma perspectiva de revolução urbana, pois cria falsas harmonias para disfarçar e tornar a barbárie mais palatável. A reforma e ocupação das praças, neste contexto, acaba também por servir de política de higienização social muito perversa, pois expulsa os "noinhas" e coloca os integrados no espaço público que segue sendo muito excludente. Isto porque a política do direito à cidade tem limites objetivos e não ataca a raiz do problema do colapso urbano que, até provarem o contrário, ainda está na produção e na partilha da riqueza que a sociedade coletivamente produz, mas que é apropriada privadamente na sua quase totalidade, por algumas famílias.

Estas festas "alternativas" de verniz hedonista ou seja lá como queiram chamar, finalmente mostraram a que vieram. Se no começo havia a euforia do direito à cidade para diferenciá-las das demais opções, hoje elas passaram a ser apenas mais uma opção de consumo de São Paulo. Perdeu-se qualquer perspectiva de politização das pessoas a respeito da dinâmica excludente do espaço urbano em termos materiais e culturais. Hoje em dia elas vendem ingressos antecipados (aproximadamente, vinte e cinco reais), fazem uma decoraçãozinha diferentona e colocam aquelas músicas produtoras de transe de 40 minutos, cobram R$10 pela Heineken, R$5 pela catuaba e está tudo certo. Nada contra qualquer uma dessas coisas em si ou querer dinheiro para pagar as contas; eu também preciso. A questão é que tornaram-se atividades com a finalidade única e exclusiva de fazer lucro. Qualquer perspectiva experimental de verdade foi abandonada porque sempre acabam operando a lógica da separação total de forma cultural e forma social. Esta separação normalmente tem um alto preço como podemos ver na atual confusão ideológica que impacta diretamente a correlação de forças políticas na sociedade.

Penso que é preciso enfatizar novamente que estas vivências mudam, têm suas particularidades e diferentes níveis de erros e acertos, mas que todas perderam a perspectiva de acabar com a "cultura do entretenimento" que só aprofunda a alienação das relações reais, dos interesses que regem a sociedade e que jogam água no moinho da ideia de cultura como fim e não como meio para dizer algo. Contudo, como já dizia Brecht, "as esperanças estão nas contradições" e, desse modo, é possível levantar a hipótese de que com o agravamento da crise e a consequente deterioração do padrão de vida das pessoas, cada vez mais haverá uma tensão para que surjam alternativas de fato emergentes. O teatro de grupo de São Paulo é algo que, nos seus melhores momentos, destoa muito de tudo isto e aponta um caminho. A tarefa dos trabalhadores e trabalhadoras da cultura - que inclui não apenas artistas, mas também professores e críticos - parece ser o convencimento do maior número possível de pessoas a colocar parte considerável do seu metabolismo social a serviço da transformação da sociedade. Especialmente porque, só em uma sociedade emancipada poderão existir as condições de possibilidade para que a produção e recepção culturais façam parte da vida de todos e todas e não somente de alguns privilegiados.

Crédito da imagem: Heloisa Ballarini / SECOM


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