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CULTURA | Cultura e Revolução: O jornal (II)

Trotsky enfatizava muito a importância de um jornal, que fosse de todos os trabalhadores, que discutisse desde os grandes assuntos como também relacionasse o cotidiano do trabalhador com a revolução e toda sua transformação, também para alcançar aqueles que não se envolvem tanto com política, mas que tinham uma grande dedicação pelo trabalho, mostrar a eles que também eram sujeitos políticos, a imprensa tinha um papel fundamental, que de acordo com Trotsky era o de educar a classe trabalhadora.

Mateus CastorCientista Social (USP), professor e estudante de História

quinta-feira 4 de agosto de 2016 | Edição do dia

Se antes era propagandeado pela monarquia, igreja e jornais uma cultura que se baseasse na individualidade, no desejo de ter muitos bens materiais, na pequenitude dos humanos perante Deus, na submissão da mulher em relação ao homem, no nojo por Judeus e na homofobia, agora era papel dos revolucionários varrer tudo isso para lata de lixo da história e trazer uma cultura que valorizasse o fruto do trabalho coletivo e tudo aquilo que potencializasse a criatividade humana e novas relações a níveis que o capitalismo jamais permitiria.

Pela cultura ser um debate aparentemente secundário, muitos consideram sua reflexão fruto do perfeccionismo e meticulosidade de Trotsky, isso justamente porque não enxergaram a importância da transformação cultural. Naquele momento, pela primeira vez na história, a sociedade vivia sob o controle dos trabalhadores, a produção era feita de acordo com as necessidades para viver como fosse decidido coletivamente. Além disso, a Rússia havia começado a se recuperar da guerra, era preciso educar o povo, era preciso cuidar dos bens materiais, não sujar o ambiente público, não desperdiçar etc. Esses costumes surgiram e foram ensinados por aqueles que sempre tiveram quem limpasse sua sujeira, sempre tiveram um servo ou escravo para comer seus restos, era preciso combater esses hábitos e criar novos. Era preciso mostrar como o socialismo fazia diretamente parte da vida das pessoas, assim como o capitalismo fez naquela época e ainda faz hoje, essa tarefa era e é inseparável da construção de um mídia para as massas.

“Um jornal não tem direito de não se interessar pelo que interesse às massas, à multidão operária. Certamente que todo o jornal pode e deve dar a sua interpretação dos fatos visto que é chamado a educar, desenvolver e elevar o nível cultural. Mas não atingirá esse objectivo, salvo se se apoiar nos fatos e nos pensamentos que interessem à massa dos leitores.”

Trotsky enfatizava muito a importância de um jornal, que fosse de todos os trabalhadores, que discutisse desde os grandes assuntos como também relacionasse o cotidiano do trabalhador com a revolução e toda sua transformação, também para alcançar aqueles que não se envolvem tanto com política, mas que tinham uma grande dedicação pelo trabalho, mostrar a eles que também eram sujeitos políticos, a imprensa tinha um papel fundamental, que de acordo com Trotsky era o de educar a classe trabalhadora.

A mídia como conhecemos hoje tem a clara função de ser uma ferramenta de dominação burguesa, um dos seus papéis mais importantes é formar uma grande massa alienada que não se reconheça enquanto classe, explorada e oprimida e que acredite nos valores e costumes tradicionais da família e igreja. Mas no nascer da URSS o seu papel deveria ser o oposto, não era mais função do jornal ser uma ferramenta de alienação, de massa de manobra, como foi aqui no Brasil durante o processo de Impeachment, a imprensa não cumpria mais o papel de propagar discursos de ódio a minorias e nem defender e justificar cortes e ajustes durante uma crise econômica. Ela deveria ser um instrumento de educação e que fizesse parte da vida cotidiana de um trabalhador, um jornal operário tem essa função, além de informar, educa e se torna uma arma contra a burguesia, que na URSS havia sido expropriada, mas ela ainda estava lá, no mundo inteiro, os explorados e oprimidos que viviam na antiga Rússia precisavam tomar conhecimento disso, a batalha ainda não havia terminado, a revolução deveria se espalhar pelo mundo.

Os jornais que circulavam na URSS tinham muitos erros considerados graves pelo dirigente bolchevique, eram mal impressos, mal escritos, havia pouco cuidado em passar a informação adequadamente, não eram apenas meros detalhes, não se tratava mais de um público pequeno, e sim com a grande massa russa, era preciso arrumar esses problemas, formar os jornalistas para serem claros no que escreviam, por exemplo, muitos usavam abreviações como “lib” para liberal nos textos, o que poderia simplesmente apagar a possibilidade de entendimento de quem lia se esse não estivesse habituado a ler o jornal. Ele enfatiza esse problema em diversos trechos, como o seguinte.

“Por outro lado, os nossos jornalistas, cronistas e repórteres jogam com um amontoado de siglas incompreensíveis, como palhaços com os seus balões. Por exemplo, relata-se uma discussão com determinado camarada, presidente da “S.A.M.”. Esta sigla é utilizada dezenas de vezes ao longo de todo o artigo. É preciso ser-se um burocrata informado para compreender que se trata do Serviço de Administração Municipal(3). A massa dos leitores nunca decifrará esta abreviatura e, irritada, porá de parte o artigo e talvez todo o jornal. Os nossos jornalistas devem compenetrar-se de que as abreviaturas e as siglas só são válidas na medida em que se tornem imediatamente compreensíveis; quando apenas servem para confundir os espíritos, é criminoso e estúpido utilizá-las.”

Além disso falavam de cidades e países como se aquilo já fosse de conhecimento de todos, sendo que a maioria tinha pouca ou nenhuma noção de onde ficava a Inglaterra, Ucrânia etc. Era preciso ter cuidado com os títulos, com a notícia, nota, reportagem, crítica ou qualquer que seja o gênero do texto, deveria ser claro e objetivo. Como ele reivindica abaixo:

“É isso o que com freqüência sucede porque o autor do artigo ou da pequena notícia não sabe sempre do que fala e, para ser franco, porque é demasiado preguiçoso para se informar, para ler, para usar o telefone comprovando as suas informações. Evita pois o lado vivo do assunto e relata, “a propósito” de qualquer fato, que a burguesia é a burguesia e o proletariado é o proletariado. Caros colegas jornalistas, o leitor suplica-vos que evitem dar-lhes lições, fazer-lhes sermões, dirigir-lhes apóstrofes ou ser agressivos, mas antes que lhe descrevam e expliquem clara e inteligivelmente o que se passou, aonde e como se passou. As lições e as exortações ressaltarão por si mesmas.”

Nós do Esquerda Diário nos damos essa tarefa de construir um diário que seja referência para os trabalhadores, juventude, negros, LGBTs e todos os que sofrem a opressão e exploração capitalista todos os dias de suas vidas, a partir dessas mesmas reflexões que Lenin iniciou e Trotsky deu continuidade, as quais acabamos de analisar, ambos levantando a importância de um jornal classista que se conecte com o cotidiano do trabalhador e que além de notícias, análises de conjuntura, notas e críticas, também fale sobre arte, cinema, esportes e os problemas que atingem 99% da população e por fim, que se fortaleça ainda mais como uma ferramenta de luta, que agora chega a mais de 100 mil curtidas no facebook.

Estamos numa nova fase, e mais do que nunca convidamos todos aqueles que desejam escrever sobre os mais variados assuntos, desde denunciar a podridão do sistema em que vivemos até uma poesia, a participarem da construção dessa ferramente independente dos patrões para que cada vez nos choquemos e lutemos com aqueles que nos negam o direito de viver!

Muitos tentaram diminuir a importância de suas críticas, reflexões e conclusões sobre a cultura, considerado-as fruto de seu detalhismo e meticulosidade, sem aplicação real. Mostramos justamente o contrário acima, suas preocupações “secundárias” tinham um embasamento forte e justificado, havia uma lógica, como já brevemente expus na parte I. A cultura se manifesta justamente nesses pequenos detalhes, que muitas vezes são ignorados, se não fortalecidos, esses detalhes estão escondidos nos costumes, hábitos, ritos, rituais, relações, família e tudo o que compõe a vida humana e Trotsky genialmente desenvolve sua reflexão ao longo do livro como veremos semana que vem.

“Para realizar projetos grandiosos, é preciso dispensar grande atenção aos mais pequenos detalhes!- é essa a palavra de ordem que deve congregar todos os cidadãos conscientes do país quando abordam um novo período de construção e de desenvolvimento cultural.”


Temas

cultura    Trotsky    Teoria



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