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POLÍTICA | Crises e oportunidades em tempos de Corona vírus

As mudanças no senso comun e a disputa por uma saída anticapitalista diante da crise desencadeada pela COVID-19 foram abordadas no editorial do “El Círculo Rojo” (O Círculo Vermelho), programa do Esquerda Diário da Argentina, que é transmitido aos domingos, das 21h às 23h pela Rádio Con Vos, 89.9, (Argentina)

segunda-feira 30 de março de 2020 | Edição do dia

A crise desencadeada pela pandemia do coronavírus abriu intermináveis discussões e polarizações: por um lado, aqueles que afirmam ser uma das piores epidemias de todos os tempos assim como uma das mais letais, portanto as drásticas medidas são as mais necessárias. Por outro lado, aqueles que asseguram que toda a comoção entorno da COVID-19 é um absoluto exagero, intencionalmente gerada para provocar o pânico na população, fortalecer o poder punitivo dos estados até se resolverem algumas das crises pelas quais o capitalismo contemporâneo vem enfrentando.

A realidade é que com os dados que temos hoje e tentando eliminar a “pandemia” de informações, com a superprodução de versões e rumores, é muito difícil saber em qual ponto a verdade está. Provavelmente, o tempo e as consequências sanitárias que o vírus deixa pelo caminho, permite abordá-lo.

No entanto, menos discutíveis são os efeitos que a crise vem evidenciando: as condições de vida, saúde e trabalho da grande parte da população do mundo. As consequências da mercantilização dos sistemas de saúde (o que implica a sua destruição enquanto serviço público). A Itália, neste aspecto, é um exemplo paradigmático ou as implicações do capitalismo selvagem nas condições de trabalho ou moradia. Hoje, ambas as questões impedem que uma parte considerável da população cumpra com o slogan aparentemente inofensivo de “ficar em casa”.
O interessante é que isso fica evidente aos olhos de amplos setores da sociedade e, de fato, está provocando um colapso ideológico dos mais radicais dos paradigmas capitalistas: o neoliberalismo.

Antonio Gramsci dizia que “É possível concluir que, por si só, crises econômicas imediatas produzam acontecimentos fundamentais; eles apenas podem criar um terreno mais favorável à difusão de certas maneiras de pensar, colocando e resolvendo os problemas que implicam todo o desenvolvimento subsequente da vida estatal”. Tal raciocínio pode ser aplicado, apesar de não ser apenas econômico, mas obviamente terá consequências econômicas e sociais catastróficas, como asseguram praticamente todos os analistas de qualquer ideologia.

Algumas questões estão começando a ficar evidentes: em primeiro lugar que este tipo de crise não são “desastres naturais”. O intelectual e geógrafo britânico, David Harvey, escreveu em um artigo intitulado Política anticapitalista em tempos de COVID-19: “Adoto uma visão mais dialética e relacional da relação metabólica com a natureza. O capital modifica as condições do meio ambiente de sua própria reprodução, porem o faz em um contexto de consequências involuntárias (como as mudanças climáticas) e com forças evolutivas autônomas e independentes que andam perpetuamente reconfigurando as condições ambientais. Desde este ponto de vista, não há nada que seja um desastre verdadeiramente natural.”

Isto tem sido percebido por muitas pessoas e está presente na discussão sobre “achatar a curva” de infecções para evitar mortes: o que essa estratégia nos revela é que o problema está menos no vírus do que nas insuficiências dos sistemas de saúde para dispor de ferramentas, profissionais, infraestrutura e orçamento para enfrentar uma pandemia dessas proporções, quando especialistas, já há algum tempo, vinham alertando sobre a possibilidade de seu aparecimento. O problema, em última instância, não é o vírus, e sim, o desprezo ao “sistema” de saúde pública. O discurso que diz ser um “inimigo invisível” e as metáforas da guerra querem ocultar a verdadeira responsabilidade de uma classe dominante que destrói tudo o que não gera valor comercial.

Essas mudanças silenciosas e, por enquanto, passivas (logicamente, porque a quarentena implica confinamento), no entanto, não param de manifestar-se: em nosso país, a consultoria Analogías questionou, em seu último estudo, as pessoas sobre se elas acreditavam que o Estado deveria tomar a decisão de controlar a produção e distribuição de bens essenciais se os empresários aumentarem os preços da produção: 82% responderam que sim. Enquanto um trabalho realizado atualmente pela consultoria Zuban Córdoba e Associados, de Gustavo Córdoba, revelou que 57% dos consultados estariam a favor da nacionalização do sistema de saúde diante da crise.

Governos de distintos países (Irlanda ou Espanha, para dar dois exemplos) “nacionalizaram” ou seminacionalizaram os sistemas de saúde, declarando-os de utilidade pública. Isso, à sua maneira e de maneira distorcida, é um "tributo" à necessidade de acabar com a anarquia imposta pela ordem do capital e planejar a economia de acordo com as necessidades sociais.

Permito-me outra citação de um pensador revolucionário, pois estamos vivendo momentos extraordinários. Lenin (o líder da Revolução de Outubro na Rússia) disse que em momentos de crise ou catástrofe "a realidade explica nosso dogma": o que até ontem foi marcado como irracional ou ilusório, agora é considerado absolutamente racional e necessário.

Há mais conclusões ou semiconclusões que são extraídas do calor da experiência desta crise: que é a classe trabalhadora, colocada na vanguarda da solidariedade e que produz as principais fontes para enfrentar a pandemia.Por outro lado, a Farmacologia vem acumulando álcool em gel para lucrar no meio de uma pandemia; Paolo Rocca demitiu 1.500 trabalhadores que trabalhavam para a Techint em meio a uma crise, ou especuladores elevando os preços em meio a esse desastre. Como um exemplo contrário: os trabalhadores da empresa recuperada Madygraf (ex-Donnelley) vem convertendo sua produção, para produzir álcool em gele máscaras.
Agora, devemos alertar sobre uma operação em andamento para redirecionar essas reflexões ou intuições "anti-empresariais" ou "anticapitalistas", no sentido de incorporar o neoliberalismo com algumas doses de estatismo ou apostar em um novo "pacto estatal-social" que implique a construção de um “neoliberalismo social ou opção pelos pobres”. Há uma disputa programática e ideológica a apostar em uma solução anticapitalista que retornará toda a lógica e não mudará algumas coisas, para que o essencial permaneça mais ou menos o mesmo. Essa luta está aberta, para enfrentar não apenas as consequências imediatas da pandemia, mas também a catástrofe socioeconômica que ameaça vir.




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