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MUDAR MAIS PARA MANTER? | Crise política: Cunha e Renan ressuscitam proposta de parlamentarismo

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quarta-feira 30 de dezembro de 2015 | 00:00

Foto: Um carrosel, rodando para ficar no mesmo lugar?

Com a dificuldade de governar da presidente Dilma Rousseff, os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) decidiram retomar a discussão em torno da mudança do sistema de governo para o parlamentarismo. Renan encomendou estudo à consultoria legislativa sobre o tema e Cunha afirma que, se houver consenso, vai pautar proposta em 2016.

A área técnica do Senado avaliou os sistemas na Alemanha, na Austrália, na Áustria, na Bélgica e no Canadá. A pessoas próximas, Renan justificou que tomou a medida em resposta a vários pedidos que recebeu para dar andamento a essa discussão na Casa, caso a crise no governo Dilma se agravasse.

Uma das alternativas, nesse cenário, seria convencer a presidente a passar o poder ao Parlamento e ficar como chefe de Estado. Mas o assunto esfriou com a aproximação de Renan ao governo. Próximo ao peemedebista, o senador José Serra (PSDB-SP) é um dos maiores entusiastas da troca de sistema.

No Senado, a proposta mais avançada é do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), que recebeu o apoio de 40 senadores para tramitar. O texto prevê a realização de um referendo em 2017, caso o Congresso o aprove, e entrada em vigor do parlamentarismo em 2019, com o novo governo. "O regime presidencialista é gerador de crise, regime parlamentarista é gerador de soluções", destaca.

Colocando o parlamentarismo na agenda, para mudar mas também negociar

Já na Câmara, Eduardo Cunha afirma que se houver unanimidade dos colegas, o tema entrará como prioridade na sua agenda para 2016. "Se estivéssemos em um regime parlamentarista a atual crise estaria resolvida. No presidencialismo não tem essa previsão de dissolução do Parlamento e novas eleições", afirmou ele. "Somos obrigados a conviver com um governo capenga, sem apoio popular, até o fim do mandato. Se estivéssemos no parlamentarismo o atual governo já tinha caído."

Para ele, contudo, qualquer mudança na Constituição só deve valer para depois do término do mandato da presidente Dilma. "Senão é golpe", diz.

A discussão na Câmara está mais avançada. Proposta de emenda à Constituição (PEC) apresentada em 1995 pelo então deputado Eduardo Jorge (PV), foi aprovada em comissão especial e depende apenas da inclusão na pauta do plenário na Câmara. O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PA) já apresentou requerimento para que haja prioridade nessa discussão. Se aprovado, o texto segue ao Senado.
Estas discussões sobre o parlamentarismo, que volta e meia rondam a política nacional, sobretudo em momentos de crise servem de discussão de alternativas políticas, porém também como elementos de pressão sobre o executivo. Renan Calheiros agora erguido em fiel garantidor de Dilma ao encabeçar esta proposta junto a Cunha tenta se mostrar como algo mais que um governista dentro do PMDB e ao mesmo tempo pode “vender seu peixe” mais caro para Dilma e o PT.

Uma velha resposta às crises políticas, que não as soluciona nem garante “maior representatividade”

Na crise política que se abriu após a morte de Getúlio Vargas, e particularmente depois da renúncia de Jânio Quadros a solução que diversos setores da elite nacional encontraram para impedir a posse de Jango foi a adoção do parlamentarismo. Tancredo Neves, avô de Aécio, tornou-se primeiro ministro por um ano até que um plebiscito reinstaurou o presidencialismo e poderes a Jango. Agora, em meio à crise política que atravessa não só o governo de Dilma mas também a popularidade do parlamento com intermináveis denúncias de corrupção como as que atingem Cunha e também Renan, esta proposta volta à tona.

A proposta tenta argumentar que os desejos dos eleitores seriam melhor representados em um sistema parlamentarista, havendo possibilidades de convocação de novas eleições a qualquer momento. Este argumento é triplamente falacioso.

Em primeiro lugar falta com a verdade ao partir do pressuposto que neste sistema marcado por graves restrições democráticas para que os trabalhadores disputem as eleições, onde até mesmo Marina Silva com ajuda financeira do Itaú teve dificuldade em regularizar seu partido, haveria “representatividade”. Um parlamentarismo onde até um conhecido partido como o PSOL é proibido de participar dos debates na TV por não contar com 9 deputados federais está longe ser “representativo”. Ou parlamentarismo com clausulas de barreira como na Alemanha, onde qualquer partido com menos de 5% dos votos fica proibido de entrar no parlamento também não parece “representativo”.

Em segundo lugar esta proposta esconde em meio a um intenso jogo de troca de governos que pode ocorrer no parlamentarismo como questões centrais à burguesia escapam ao controle democrático. Volta e meia governos são formados em países parlamentaristas por fora da intenção de seus votantes, como os governos de “união nacional” ou “técnicos”, que ocorreram na Grécia e Itália. E mais grave, em um parlamentarismo questões de “estado” e não de “governo” não ficam a cargo do primeiro ministro mas sim do “presidente” que costuma ser eleito para longuíssimos mandatos de uma década. As relações exteriores, o exército, as polícias, o banco central, e outras questões “chave” não sofrem o “troca-troca”. Ou seja, com um discurso democrático buscam, na verdade, blindar o Estado, retirar do debate, supostamente democrático, temas centrais.

Esta proposta também esbarra em importantes limites na configuração das elites no país. Em um parlamentarismo, sem uma forte figura central que distribua “benesses” os interesses regionais tendem a conflitar mais. As elites do país, nascidas de sua acumulação a partir do campo, do tráfico negreiro e como importadoras locais de produtos manufaturados, antes e depois da industrialização e urbanização do país seguem tendo interesses contraditórios e todas elas dependem do Estado nacional e um forte executivo para dois motivos centrais: reprimir o proletariado e setores populares, e para negociar melhores condições para si, frente as demais e frente aos imperialismos.

Até mesmo a mais poderosa elite nacional, a paulista, sempre dependeu do Estado nacional para bancar seus empréstimos e honrar seus compromissos, isto desde os tempos do café. Símbolos das elites de outras regiões como a família Marinho do Rio de Janeiro, Eike Batista, a Odebrecht da Bahia, a Queiroz Galvão de Pernambuco, todas dependem fortemente do Estado para sua acumulação, seja para obter concessões (de rádio, TV, mineração, rodovias) ou para as licitações públicas.

Levar à frente uma proposta de parlamentarismo com os próprios partidos fragmentados em interesses regionais e de caudilhos, como bem ilustra o PMDB, parece uma proposta que pode até se tornar viável para alguns setores da elite se não houver outra saída menos custosa, mas, mesmo assim, não parece que esta resposta resolveria importantes contradições, entre elas da integração nacional que não ocorre facilmente senão sob um forte executivo com maior legitimidade popular, suas tropas, seu BNDES e outros instrumentos financeiros para arbitrar, supostamente em nome da nação, como distribuir os recursos entre os estados, como colocar nos bolsos de cada empreiteira os importantes negócios legais ou não do Estado nacional.

A continuidade da crise política em 2016 promete seguir colocando lenha na fogueira deste velho debate que passa ao largo das necessidades dos trabalhadores em poder trazer abaixo um regime podre de corrupção, privilégios, impunidades, e que serve aos grandes empresários que demitem e destroem o meio ambiente como vimos na privatizada Vale do Rio Doce.

Com citações da Agência Estado




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