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DURO GOLPE NO DEUTSCHE BANK | Cresce o atrito entre os Estados Unidos e a Alemanha

Frequentemente ignorada frente a outros conflitos mais visíveis, a guerra financeira e comercial entre os EUA e a Alemanha fica mais e mais intensa. Um último golpe na fraca coordenação internacional frente à crise?

Juan ChingoParis | @JuanChingoFT

terça-feira 20 de setembro de 2016 | Edição do dia

O banco emblemático das finanças alemãs, o Deutsche Bank (DB), está sob ameaça de uma multa brutal pela justiça norte-americana. Nesta sexta-feira, o Wall Street Journal revelou a quantia astronômica de 14 bilhões de dólares, a pena que o Ministério de Justiça está preparando para infligir no banco de Frankfurt que se apresenta como “um dos maiores bancos universais do mundo". Este é acusado de ter enganado os investidores em produtos estruturados respaldados por hipotecas antes da crise. Ou seja, de terem se “americanizado” já que praticamente todos seus colegas norte-americanos participaram neste tipo de prática antes da famosa crise das "subprime".

Dito com outras palavras, assim como outros bancos, o DB teve neste momento enormes lucros mediante a especulação e outras práticas duvidosas no mercado imobiliário dos Estados Unidos. Assim, enquanto o JP Morgan Chase concordou pagar 13 bilhões de dólares para evitar a ira judicial, o Citigroup tinha pago 7 bilhões em um caso similar, e o Bank of America teve que pagar 16.650 bilhões de dólares que se mantém como o recorde absoluto. Mas, diferente destes casos, desta vez a Justiça norte-americana avança sobre um banco europeu. Os EUA já tinham sido mais duros com outra empresa alemã, a Volkswagen, penalizada em 15 bilhões de dólares pelo "Dieselgate". Mas junto com esta forte multa, o problema para o Deutsche Bank já fragilizado economicamente, é que pode ver aumentar a conta a pagar porque o grupo está implicado em outros casos judiciais delicados (o ultimo é um caso de lavagem de dinheiro na Rússia, que é também seguido pela justiça dos Estados Unidos). Nestes marcos, não surpreende que o Fundo Monetário Internacional estimava no último 30/6 que o Deutsche Bank era a instituição sistêmica (1) mais perigosa do mundo, à frente do HSBC e do Credit Suisse, devido a sua alta exposição a outras empresas e à forte variação de sua cotização na bolsa depois de dez anos.

A “Corporate America” unida em apoio à Apple contra a Comissão Europeia

Os mais poderosos chefes executivos das empresas estadunidenses estão se unindo ao lado da Apple em sua batalha fiscal contra a União Europeia, apelando diretamente aos chefes de governo europeus para anular a demanda de Bruxelas que exige bilhões de euros da empresa de tecnologia. Assim, um grupo de 185 CEOs estadunidenses pediu aos líderes dos 28 estados membros da UE para deter a Comissão Europeia em sua intenção de exigir 13 bilhões de euros em impostos mal pagos da Apple, chamando a tentativa de uma "grave ferida autoinfligida".

O chamado aos governos nacionais para que intervenham – contido nas cartas enviadas aos líderes na quinta-feira pelo Business Roundtable – marca uma escalada de ataques dos Estados Unidos à Comissão Europeia, cuja decisão foi criticada como "lixo político" pelo chefe da Apple, Tim Cook. A comissão neste mês provocou uma disputa transatlântica ordenando a Dublin recuperar até 13 bilhões de euros da Apple, com o argumento de que as disposições fiscais favoráveis à empresa idealizadas pela Irlanda constituíam uma ajuda estatal ilegal entre 2003 e 2014. Em "circunstâncias excepcionais" os estados membros da UE têm o poder de anular as decisões da Comissão sobre ajudas estatais ilegais. No entanto, este tipo de intervenção não tem precedentes e é muito pouco provável no caso da Apple, já que requer a unanimidade dos 28 estados membros da UE. Muitos países da UE respaldam a sanção fiscal; Michel Sapin, Ministro de Finanças de França, qualificou a decisão de "totalmente legítima".

Um clima político pesado que agudiza as disputas transatlânticas

A deterioração das bases políticas e geopolíticas da chamada globalização cujos primeiros sinais tínhamos antecipado em relação à crise e a guerra na Ucrânia em 2014/15 (ver aqui e aqui) está afetando fortemente o clima de negócios e potencialmente de forma mais perigosa a fraca margem que ainda sobre para uma coordenação internacional caso a crise mundial se descontrole novamente, o que é altamente provável mais cedo que tarde (ver aqui).

Em especial a um e outro lado do Atlântico o cenário ainda incerto das presidenciais norte-americanas radicaliza o mundo dos affaires. Assim, é provável que, exigindo esta alta soma ao Deutsche Bank, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos espera sem dúvida lutar por muito menos. Mas a negociação adiante chega no pior momento: os candidatos e sobretudo a democrata Hillary Clinton, são acusados regularmente de estarem próximos de Wall Street, o que poderia levar o caso à arena política. O banco alemão é um dos que mais especulou sobre o mercado hipotecário dos Estados Unidos, cujo colapso privou de moradia milhões de estadunidenses.

Neste contexto complexo das relações transatlânticas, a severidade da justiça norte-americana caiu como uma bomba não só economicamente senão que também politicamente na Europa. É que enquanto as autoridades norte-americanas atuam fortemente sobre o comportamento dos bancos na crise hipotecária que acontece em seu território, a Comissão Europeia não tem nem os meios nem as atribuições para lançar uma investigação sobre a crise da dívida europeia, na qual os bancos de investimento norte-americanos como Goldman Sachs foram atores beneficiados e privilegiados.

Economicamente, a situação dos bancos europeus é muito crítica, em especial o DB. Em meio a uma crise de seu modelo econômico, expressão das mudanças que vêm acontecendo na financeirização da economia como é o caso por exemplo das taxas de juros negativas, os bancos europeus passam por um período de mutação difícil, cujo último sobressalto foram as vendas de pânico que sofreram as ações do francês BNP Paribas, o Deutsche Bank e outros como o suíço UBS em janeiro de 2016. Sobretudo, o banco alemão que assumiu riscos excessivos no passado não inspira confiança. A cada dois meses os mercados lançam rumores de quebra da instituição. Como diz um analista financeiro: “Há um fantasma Deutsche Bank. É a vítima favorita das pessoas que vêm os mercados financeiros como um gigantesco castelo de cartas… se os 14 bilhões de euros de multa se confirmam, coisa que não acredito, haverá igualmente uma forte instabilidade dos mercados até que o Deutsche Bank encontre uma maneira de fechar seu financiamento".

Todas questões que as autoridades dos Estados Unidos não ignoram. Por isto, sem cair em uma crassa “teoria da conspiração” como gostam certos círculos da extrema-direita continental ou de correntes soberanistas de esquerda ou de direita da Velha Europa, ninguém duvida que esta dureza na decisão norte-americana é em resposta – tão só semanas depois – ao caso Apple. O ‘olho por olho, dente por dente’, de um ou outro lado do Atlântico mostra um salto da guerra comercial e financeira entre os EUA e a Alemanha, e não anuncia nada bom para a burguesia mundial frente a necessária coordenação em caso de um eventual salto da crise mundial, depois do resultado nulo da recente Cúpula do G20 na China. Estamos decididamente entrando em tempos turbulentos econômicos, políticos e geopolíticos que podem abrir grandes brechas para a luta de classes.

(1) O gigante alemão se considera um dos bancos mais sistêmicos no mundo, ou seja, cuja quebra eventualmente pode causar um efeito dominó no sistema financeiro mundial.




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