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ECONOMIA INTERNACIONAL | Comoção bancária e colapso do petróleo: o que está por trás?

Fatos que tomaram o lugar. As razões do sistema bancário e do petróleo. Luz sobre os elos débeis. China e Estados Unidos tem muito que dizer.

Paula BachBuenos Aires

sábado 27 de fevereiro de 2016 | 01:26

Um particular desconcerto no mainstream ocorre no presente momento da crise econômica mundial. Lamentos com certo tom “tangueiro” tais como o de que já nunca voltaremos ao que antes de 2008 pensávamos como normal, ou de quem sabe o quê poderia explicar o que está acontecendo, se tornam lugares comuns. O que acontece na superfície é que há vários anos, o crescimento econômico, o investimento, a produtividade, entre outras variáveis, não estão respondendo – sobretudo nos países centrais- ao comportamento “esperado”. Dito de maneira muito simples, depois de uma recessão significativamente profunda como a de 2009 e com a magnitude de estímulos monetários implementados, grande parte dos economistas supunha que o crescimento econômico em algum momento responderia a lógica do “ciclo”, elevando-se acima da tendência prognosticada antes da crise. Isso não só não sucedeu, senão que o crescimento se localizou abaixo de tal tendência. Para piorar a situação, há sete anos da queda do Lehman, a ânsia de luz no final do túnel – que ninguém a nega- começou a se transformar no fantasma de uma nova recessão – ou, como mínimo, de nova desaceleração.

Se ao menos as causas superficiais e imediatas do início da crise de 2008 ou do posterior episódio europeu, resultaram mais ou menos diáfanos, na situação atual as coisas se revelam de uma maneira bastante caótica. Dentro da desordem, a persistente e pronunciada queda do preço do petróleo e em particular, o desabamento das ações bancárias nas recentes quedas das bolsas de valores, tomaram o lugar nas primeiras semanas do ano. Mas, o que está por detrás desses fatos?

Há alguns anos, nesta mesma coluna, apontávamos que se durante os últimos anos o crescimento chinês – e suas derivações- havia atuado como “lado real” das massas de dinheiro barato enviadas ao mundo pelos países centrais, a reversão desta sinergia entre “o financeiro e o real” estava colocando agora em destaque o “lado ineficaz” das políticas monetárias e amplificando os traços de uma alavancagem bancária que se sustentou durante anos. A partir desta mesma ideia ensaiaremos aqui uma primeira abordagem tanto da questão bancária como petroleira.

Porque salta os bancos?

Deixemos falar Martin Wolf quem em sua coluna do Financial Times de 16 de fevereiro com o título “Os bancos seguem sendo os elos débeis da cadeia econômica”, indaga o porquê da debilidade atual dos bancos. Pergunta-se Wolf sobre a causa que explica que durante a queda das ações que ocorreram desde o começo do ano, as ações do setor bancário tenham caído de forma particularmente pronunciada. Enquanto no Estados Unidos o índice Standard & Poors 500 acumulou uma queda de 7,5% entre 4 de fevereiro e 16 de janeiro, o índice de ações bancárias caiu em 16,1%. Durante o mesmo período e para o caso da Europa, o índice FTSE Eurofist 300, caiu 9,5% enquanto o índice de ações bancárias desabou em 18,5%. A primeira resposta de Wolf é que uma visão de mais longo prazo permite observar que as ações bancárias não puderam recuperar as enormes perdas sofridas como consequência da crise de 2007/2009. Se o 15 de fevereiro de 2015, o índice S&P 500 foi de 23% acima de seu nível de 2 de julho 2007, o setor bancário de Estados Unidos se encontrava ainda em 51% abaixo. Por outro lado e refletindo a debilidade da recuperação europeia, o índice FTSE Eurofist se mostrava na mesma data, ainda um 21% abaixo de seu nível em 2007, mas seu setor bancário se encontrava ainda 71% abaixo. Segundo Wolf o problema em parte poderia se explicar pelo fato de que a relação preço-lucro das ações ajustadas ciclicamente é encontrada – em particular no mercado norte-americano- em níveis superados só durante os pontos mais altos das bolhas dos mercados de valores de 1929 e 2000. Por isso seria possível que investidores simplesmente se tenham dado conta que os riscos de baixa sobrepassam as possibilidades de altas.

Contudo Wolf não parece se conformar com esta explicação e oscila entre uma fundamentação centrada na debilidade endêmica dos bancos e outra articulada ao redor do argumento de que é a atual fragilidade da economia expressada por múltiplos flancos que fez soprar os fusíveis dos bancos que arrasta fortes debilidades há anos, incluindo uma acomodação (relação entre empréstimos e capital próprio) que mantém uma relação de 20 para 1. Nesta dualidade, Wolf parece se inclinar em um sentido similar ao que formulamos no texto anterior. Apresenta como fatores centrais explicativos tanto o fim da euforia em relação com a China como – e com ainda maior ênfase- a circunstância de que as economias de alta renda ainda não tem se recuperado da crise financeira e da posterior crise da Zona do Euro, tal como demonstram as extremamente baixas taxas de juros. De modo tal que a continua pressão deflacionária, é o que estaria colocando luz sobre a situação dos bancos que são apostas significativamente alavancadas na economia. Se as economia estão enfermas, arremata, os bancos provavelmente estão mais enfermos ainda. E, o que é pior, quanto mais doentes estejam os bancos, mais doentes estarão as economias.

Reforça a ideia com o argumento de que as preocupações sobre os bancos estão centradas atualmente não só no preço das ações senão particularmente nos preços do bônus conversível (“CoCos”). Estes bônus que fizeram agitar o Deutsche Bank, Société Général e outros bancos europeus são ao dizer de Wolf, híbridos: dívida bancária durante as épocas boas que se convertem em ações quando as ações ordinárias se tornam demasiadamente pequenas na relação com os balanços dos bancos. Por outro lado – continua Wolf- a ameaça da deflação aumenta a probabilidade de taxa de juros negativas cujo efeito sobre a saúde dos bancos é preocupante.

Há anos que os bancos se mantém alavancados e sem dúvida constituem um elo débil, mas sua fragilidade se torna um dado verdadeiramente crítico quando “o mundo da economia real”, quer dizer o mundo no qual se produz efetivamente o valor e a mais-valia, começa a enviar “sinais negativos”. Parte desses sinais estão dados pela circunstância de que a China (e, consequentemente, a maior parte dos países chamados “emergentes”) já não é o oásis para o investimento de capital dos países centrais que, ainda com significativas debilidades, continuou sendo – e de maneira ampla- desde o ano de 2010. Pelo contrário a China está se convertendo progressivamente em um competidor pelos espaços mundiais para acumulação de capital. No mesmo sentido, e em grande parte como resposta à circunstância de sobreacumulação de capitais na China, os aumentos salariais e a consequente queda da taxa de lucro, a política dos países centrais de inundar o mundo com dinheiro barato está encontrando seus limites.

Estes limites tem expressão tanto na progressiva contração de fundos injetados na economia por parte do Federal Reserve (Fed) norte-americano desde 2014, como em sua atual intenção de elevar as taxas de juros e as taxas negativas que estão em vigor nos diversos países centrais. Mas dito mais prosaicamente, toda a confusão de assuntos se manifesta no acontecimento de que o fluxo de capital vindo dos países centrais com destino para os países “emergentes” caiu abruptamente durante o ano passado marcando seu maior declínio em 30 anos. A situação dos bancos não pode permanecer imune aos efeitos desta tendência que efetivamente termina “colocando luz” sobre uma debilidade endêmica. Algo similar sucede com o funcionamento das chamadas “bolhas” como veremos a seguir.

Bolha petroleira

Como também formulamos nesta coluna, a combinação entre as baixas taxas de juros nos Estado Unidos – e demais países centrais- e a poderosa recuperação chinesa, foram os fatores determinantes que permitiram, a partir do ano de 2010, um novo ciclo acelerado de aumento dos preços das matérias primas tanto de origem agrícola, como mineral e industrial – incluindo, obviamente, o petróleo. Esta relação reproduziu em outro plano a mencionada “sinergia” entre o “lado financeiro” e o “lado real” da economia. Essa sinergia estimulou o que em grande parte foi uma bolha montada em cima do preço das matérias primas que, diferentemente da bolha das ponto com ou a imobiliária, se desenvolveu fundamentalmente por fora dos países centrais, com exceção do caso do petróleo e do gás de xisto (shale gas e shale oil). Se o desenvolvimento do mercado petroleiro nos Estados Unidos, esteve longe de puxar a economia norte-americana como fizeram bolhas anteriores, é inegável que cumpriu um papel importante no crescimento – ainda que débil- dos últimos anos.

Como aponta Alejandro Nadal no La Jornada, nos Estados Unidos “o boom do fracking hidráulico foi acompanhado de um feroz sobre endividamento por parte das companhias da gás e petróleo. Muitas destas companhias puderam se financiar através de títulos de má qualidade e inclusive de títulos junkies. Com a promessa de que estavam iniciando a revolução energética que Estados Unidos havia esperado há muitos anos, puderam vender esses títulos a investidores incautos com a promessa de que manteriam rendimentos altos durante muito tempo”.

Mas o preço do petróleo sofreu uma contração ao redor de 72% em relação a seu valor de 108 dólares alcançado em junho de 2014 enquanto que o do gás se contraiu cerca de 40% durante os últimos 12 meses. Como resultado, não só economias como a de Rússia ou Venezuela estão atravessando crises extremamente profundas – e a ameaça iminente sobre a Bolívia- senão que o índice de companhias energéticas S&P 500 dos Estados Unidos acumulou uma queda de 10% no que já do ano e as ações de empresas como Marathon Oil ou Anadarko Petroleum, caíram mais de 20%.

Como também aponta Nadal "Hoje que o preço do cru não bruto não permite cobrir o custo de produção médio na maioria dos lugares com instalações para o fracking hidráulico, o colapso da indústria se acelera. O número de instalações (rigs) de fracking na operação nos Estados Unidos tem caído de 1864 em outubro de 2016 para umas 619 em janeiro deste ano. Se estima que a metade das empresas petroleiras no negócio de fracking estadounidense terá que quebrar (...) Uma parte significativa do crescimento da economia estadounidense depois da crise de 2008 se deveu às inversões do setor energético (e, em especial, do fracking). Mas quando as empresas petroleiras tem que aplicar o freio de emergência, o efeito de contração, com todos seus multiplicadores, não tarda a se manifestar".

A dupla causa da impossibilidade chinesa de continuar sustentando o "modelo exportador" e seu efeito amplificador sobre as contradições da economia norte-americana, voltam a ocupar um lugar central na explicação no desinfle da bolha petroleira, sem por isso subestimar outras razões específicas. O menor crescimento chinês não só afeta diretamente os preços das matérias-primas - sobretudo industriais- como também se coloca como limite à saída de dinheiro barato dos Estados Unidos e outros países centrais na busca de lucros que não podem ser obtidos em território próprio. A retirada gradual das medidas monetárias expansivas norte-americanas reforçou o processo de reversão do fluxo de capitais, aumentando o valor do dólar. Elementos que contribuem, por sua vez, para a contração da parte especulativa que explica o aumento do preço das matérias primas, incluso o petróleo. De modo que novamente, o "real" aparece como limite para o "financeiro". E sua combinação em seu sentido "vicioso" possui um alto poder explicativo sobre muitos dos fenômenos que se manifestam hoje como emergentes neste novo momento da crise econômica mundial.




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