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#JustiçaporKauã | Claudemir Kauã, 17 anos, entregador: atropelado por um empresário num carro de luxo

domingo 13 de fevereiro de 2022 | Edição do dia

E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Chico Buarque – Construção

Claudemir Kauã dos Santos Queiroz tinha apenas 17 anos, trabalhava como entregador de aplicativo, era recém casado e havia acabado de tornar pai de um menino há 20 dias atrás. No dia 10 de fevereiro, enquanto realizava uma entrega de bicicleta, morreu atropelado na Av. Corifeu de Azevedo Marques enquanto atravessava a rua na faixa de pedestre, empurrando sua bicicleta.

O motorista dirigia um carro de luxo da marca Volvo, avaliado em mais de 100 mil reais, dirigia em alta velocidade e apresentava claros sinais de embriaguez, além de ter se recusado a fazer o teste do bafômetro.

A morte de um jovem de forma tão bárbara já seria terrível por si só. Mas o caso de Claudemir Kauã chocou a todos ao evidenciar de forma tão gritante o contraste abismal de classe em nosso país. De um lado milhões de jovens, a em sua maioria negros, com suas bicicletas, uma bag de entrega nas costas, cicatrizes da vida nas mãos, nas pernas e em suas almas, muitos sonhos e quilômetros pela frente para ganhar R$ 1.000,00 por mês. De outro um empresário bêbado, um capitalista pilotando R$ 100 mil reais em alta velocidade, um carro que por si só pagaria o salário de milhares de entregadores e conseguido graças a exploração e a vida de trabalhadores como Claudemir Kauã. Uma aventura leviana e banal que arrancou a vida de um jovem trabalhador aos 17 anos de idade, é assim que os patrões tratam a classe trabalhadora.

O empresário Rafael Maurício Diniz atropelou Kauã e arrastou seu corpo por quase cem metros, até parar. Tentou fugir do local, mas foi contido por outros entregadores, revoltados com o atropelamento. Embora Rafael, que estava com a habilitação suspensa desde 2021 por dirigir embriagado, confessasse em depoimento ter ingerido álcool e tenha tentado fugir sem prestar socorro à vítima, a acusação foi de homicídio culposo, ou seja, a polícia entende que não houve a intenção de matar mesmo diante de tantas evidências

No último ano foram mais de 800 jovens mortos em circunstâncias parecidas com a de Kauã, com o motorista embriagado. Não nos esquecemos do jovem David Santos que teve um braço arrancado ao ser atropelado em sua bicicleta enquanto estava indo para o trabalho em circunstâncias semelhantes. Em 2019 Audelice Bernardina, diarista de 65 anos foi atropelada também por um empresário bêbado que já havia sido condenado por um crime semelhante, ocorrido em 2014, quando atropelou e matou um motoboy, também com um carro de luxo.

Kauã era um trabalhador. Filho de trabalhadores, casado com uma trabalhadora. Era pedalando que tirava o sustento para sua recém formada família. Nos dirigimos a sua mãe Helaine e a seu pai Claudemir para manifestar nossa mais profunda solidariedade diante dessa tragédia. Perder um filho é uma dor imensa e insuportável.

Com 17 anos eles ainda sonham com o futuro e ainda sãos crianças sob os olhos dos pais que também carregam sonhos por seus filhos. Eles, que ainda brincam de bola mesmo tendo que acordar cedo para trabalhar, que recebem um salário suado que na maioria das vezes é pouco para sustentar a família. Isso porque roubam a juventude, os sonhos e as oportunidades de quem ainda nem saiu da adolescência. É simbólico que Kauã tenha sido atropelado em uma avenida ao lado da USP, uma das maiores universidades do país que deveria estar aberta a toda juventude e aos filhos da classe trabalhadora em primeiro lugar mas que hoje impede que jovens como Kauã possam estudar nessa universidade pelo filtro social e racial do vestibular.

Nos solidarizamos também com sua esposa Beatriz Monteiro, mãe do Richard, que acabou de vir ao mundo e já testemunha a tragédia que roubou seu pai. Aos amigos, familiares, nosso profundo pesar.

A vida deveria estar começando aos 17. O asfalto sujo de fuligem, borracha e sangue não deveria ser a sepultura de alguém que sequer experimentou o melhor do mundo. Assim como milhões de meninos negros, a juventude perde a vida pedalando para sobreviver, ou trabalhando em empregos precários que arrancam o lucro do nosso suor, da energia que deixamos no nosso trabalho nos dão em troca um salário baixíssimo.Perdem a vida numa bala perdida ou propositalmente confundidos com bandidos pela polícia e pelos "olhos que condenam" de uma sociedade racista.

Que as lágrimas que jorram dos olhos, que o grito sufocado, entalado na garganta, por justiça encontre eco na luta da nossa classe. Tomemos com força o grito por justiça para Kauã, para que a juventude negra tenha direito ao futuro.




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