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NOVA DELHI | Centenas de milhares de camponeses ocupam a capital da Índia contra as políticas do Governo

Cerca de 300.000 agricultores protestaram em Nova Delhi contra três leis agrícolas do governo de Narendra Modi, que atacam os camponeses em benefício do agronegócio. Os agricultores, que bloquearam os acessos e as principais vias da capital, foram duramente reprimidos.

quinta-feira 3 de dezembro de 2020 | Edição do dia

Há meses, agricultores de toda a Índia têm protestado contra três novas leis pró-mercado, aprovadas pelo governo de Narendra Modi. Nesta semana, essa luta chegou a um ponto crítico. Mais de 300 mil agricultores, com o apoio dos trabalhadores e dos movimentos sociais, aumentaram a pressão, em Nova Delhi, contra essa legislação, que busca acabar com a agricultura, da qual vive 50% da população, para dar lugar às privatizações, às multinacionais do agronegócio e ao agropower.

Tais leis, aprovadas pelo parlamento indiano em setembro, permitirão que os agricultores vendam seus produtos diretamente a compradores privados, eliminando o mercado regulado pelo Estado, que garantia um preço mínimo aos agricultores. Também permitirão que os agricultores firmem um contrato legal com as empresas antes de planejar a colheita. A lei também permite o armazenamento de grãos até a obtenção de melhores preços, medida que até então era ilegal. Esta é outra tentativa flagrante do regime de Modi para pressionar privatizações na Índia e de aumentar os lucros capitalistas. Essas medidas, chamadas de “leis negras” pelos fazendeiros, vão levar à corporativização do setor agrícola e os agricultores ficarão à mercê de grandes corporações que terão maior poder de barganha.

Até agora, os agricultores vendem seus produtos a intermediários no Agriculture Produce Marketing Committee (APMC), um mercado regulado pelo Estado, conhecido como mandi, que garante um preço mínimo de subsídio (MSP). Esses intermediários, então, vendem os produtos para empresas estatais ou privadas. Nos mercados APMC, o Estado também arrecada impostos sobre cada transação.

Embora o sistema mandi esteja longe de ser perfeito e necessite de uma reconfiguração, essas novas leis desregulamentam esse setor e o abre para o livre mercado. Antes dessas medidas, os agricultores tinham garantido um preço mínimo para seus produtos e um mercado acessível onde pudessem vendê-los regularmente, sem ter que arcar com os custos adicionais de armazenamento, um custo que seria alto para os pequenos produtores. Agora, os agricultores ficarão à mercê das grandes corporações, que terão maior poder de barganha e ditarão os preços e os termos dos contratos.

Há anos os agricultores vêm exigindo a ajuda do Estado e, agora, surgem essas medidas. O setor agrícola é responsável por 17% do PIB da Índia e emprega metade dos 1,3 bilhão de pessoas. A maioria desses trabalhadores vive em pequenos lotes de terra e está sobrecarregada de dívidas. Durante anos, os agricultores caíram ainda mais na pobreza devido às más colheitas devido às mudanças climáticas e à queda dos preços das commodities. Incapazes de fazer face às despesas ou pagar dívidas cada vez maiores, muitos agricultores, todos os anos, tiram a própria vida.

Agora, ignorando os apelos para garantir um preço mínimo e o perdão da dívida, o governo Modi está, cinicamente, chamando essas medidas de privatização, de "alívio".

Em seu discurso mensal no rádio, Modi continuou a defender esses projetos, apresentando-os como libertadores. "Essas reformas não só quebraram as correntes dos agricultores", disse ele, "mas também lhes deram novos direitos e oportunidades". Na realidade, as algemas são apenas outro tipo e estão mais apertadas do que nunca.

Agricultores marcham em Nova Delhi

Os protestos de agricultores contra as três leis começaram em agosto deste ano, mas têm aumentado desde que foram aprovadas no Parlamento, em setembro. Os sindicatos agrícolas convocaram uma greve em setembro, com protestos bloqueando os principais estados agrícolas, como Punjab e Haryana. No início de novembro, agricultores em mais de 20 estados participaram de protestos coordenados, bloqueando as principais ruas e rodovias em mais de 5.000 locais diferentes.

Este foi apenas o início da ação que está se desenvolvendo no momento, onde sob a consigna Delhi Chalo (Vamos para Delhi), centenas de milhares de agricultores marcharam em direção à capital para manifestações fora do Parlamento. Com amplo apoio popular e viajando em tratores e caminhões, muitos deles chegaram a Delhi na última quinta-feira, quando 250 milhões de trabalhadores em todo o país fizeram uma greve geral contra as leis trabalhistas e pró-patronais de Modi, paralisando grande parte do país.

Milhares de agricultores que entraram em Nova Delhi foram recebidos com uma repressão brutal da polícia, que os atacou violentamente com gás lacrimogêneo e canhões de água.

Os agricultores, no entanto, não recuaram. Os manifestantes bloquearam alguns dos principais acessos à cidade, rompendo as barricadas da polícia. Em sua fronteira com o estado de Haryana, por exemplo, os agricultores bloquearam a estrada por dias, enquanto mais agricultores que chegam à capital ameaçaram bloquear as estradas para Delhi em cinco pontos de acesso principais. O ministro da União, Amit Shah, em meio à escalada de protestos, se ofereceu para se reunir com os agricultores para discutir o assunto, caso eles se mudassem para o Parque Burari, o terreno designado para o protesto. Desde então, os agricultores rejeitaram a proposta para evitar que o Governo desarticule a capacidade de pressão que acumularam.

Além disso, o partido de Narendra Modi, o Bharatiya Janata Party (BJP), continua tentando pintar os protestos como "antinacionais", sua acusação favorita para qualquer um que discorde de suas decisões. Modi vem desenvolvendo um forte perfil nacionalista e xenófobo em relação aos muçulmanos, paquistaneses e contra a China, para tentar fundir uma unidade nacional reacionária que lhe permita aprovar leis neoliberais contra trabalhadores e camponeses, além de anular as críticas à gestão catastrófica da pandemia do coronavírus.

No entanto, esse discurso nacionalista contra os agricultores não só não conseguiu virar a opinião pública contra ele, mas os protestos ganharam amplo apoio em todo o país entre os trabalhadores e movimentos sociais, que continuam a mostrar solidariedade às pessoas que alimentam o país.

Mais de 500 sindicatos de agricultores declararam seu apoio à ação em andamento. Em meio à greve geral de 26 de novembro, organizações trabalhistas e movimentos sociais organizaram bloqueios de estradas em Mumbai, um dos principais centros econômicos do país, em protesto contra as leis trabalhistas e agrícolas de Modi. Durante a greve, os sindicatos, além de lutar pelas próprias reivindicações, espalharam mensagens de solidariedade às lutas dos agricultores. Todos os khaps (organizações comunitárias locais), na vizinha Haryana, declararam unanimemente seu apoio ao protesto e irão para Delhi apoiar o movimento. Algumas das mulheres que participaram de uma ocupação de vários meses no ano passado, no bairro de Shaheen Bagh, em Delhi, bloquearam uma importante rota de transporte em protesto contra a Lei de Cidadania (uma lei que discrimina muçulmanos sem documentos e estabelece as bases para para uma cidadania baseada na religião), eles também têm visitado acampamentos de agricultores para mostrar solidariedade e apoio. Um dos rostos dos protestos de Shaheen Bagh, a octogenária Bilkis Bano, foi presa na terça-feira por sua participação nas manifestações. Movimentos sociais e organizações comunitárias em todo o país têm apoiado milhares de pessoas que se preparam para tomar a cidade.

O caminho para uma greve geral

A greve geral de 26 de novembro, convocada por 10 sindicatos centrais e mais de 250 organizações de agricultores, foi possivelmente a maior do mundo. Mais de 200 milhões de trabalhadores em setores estratégicos como aço, mineração, telecomunicações, transportes e bancos entraram em greve, paralisando o país. Isso coincidiu com a chegada de milhares de agricultores a Delhi, onde desde então ocuparam as principais estradas e acessos. A greve mostrou a força das massas, a posição estratégica e o imenso poder dos trabalhadores.

Mas uma greve de um dia não é suficiente. Os atuais protestos de agricultores têm sido um dos maiores desafios para o regime de Modi. Embora o governo do BJP tenha maioria no Congresso, esses protestos desafiaram profundamente sua capacidade de governar com impunidade.

Para vencer de forma decisiva, não só as reivindicações dos camponeses, mas também conseguir avanços importantes para todas as massas trabalhadoras do país contra a classe capitalista, é necessário que os trabalhadores se juntem à luta dos camponeses. Os trabalhadores devem ir além dos limites impostos a eles pelos líderes reformistas e stalinistas das maiores burocracias sindicais, como o Centro dos Sindicatos Indianos, o Congresso Sindical de Todas as Índias e o Congresso Sindical Nacional Indiano, e lutar ao lado das centenas de milhares de agricultores, com a ferramenta mais poderosa de seu arsenal: a greve.

“Os camponeses devem saber que a bandeira vermelha hasteada nas cidades é a bandeira da luta por demandas imediatas e vitais”, disse Lenin, em 1905, “não só dos trabalhadores industriais e agrícolas, mas também de milhões e dezenas de milhões de pequenos agricultores ".




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