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#SEMANAMIGUEL | Caso Miguel nos mostra o caráter de classe e racista da justiça burguesa

Cristina SantosRecife | @crisantosss

domingo 30 de maio de 2021 | Edição do dia

Ilustração: Victor Cubaiá

Esta semana se completa 1 ano da morte do menino Miguel, por culpa da então patroa de sua mãe, Sarí Corte Real, que o abandonou sozinho no elevador e apertou o botão que o levou ao nono andar, de onde caiu. Desde então sua mãe, Mirtes Renata, vem levando uma incansável luta por justiça.

Em uma sociedade de classes, sabemos que a justiça possui um caráter também de classe. Os marcos legais foram constituídos para proteger a propriedade privada da burguesia e aos burgueses. Fato é que sabemos que Sarí Corte Real foi responsável pela morte de Miguel, chegou a ser presa em flagrante mais foi liberada ao pagar a fiança de 20 mil reais. Não é preciso muita imaginação para deduzir o que aconteceria com Mirtes se os papéis fossem invertidos e fosse ela, a empregada, a abandonar o filho da patroa; assim também como se a patroa teria abandonado no elevador uma criança branca de sua própria classe, um familiar ou parente.
Sarí Corte Real é membra da elite política pernambucana. Em junho de 2020, era a primeira-dama de Tamandaré, casada com o prefeito Sergio Hacker do PSB, partido que nucleia membros da oligarquia do estado como a família Campos e Arraes (que recentemente teve migração para o PT).

Nós marxistas partimos de que o Estado é um órgão de dominação de uma classe sobre outra. Classe burguesa sobre a classe trabalhadora. Mesmo que busquem se apresentar como poderes independentes, executivo, legislativo e judiciário são componentes deste Estado de dominação de classe. Os juízes do STF, por exemplo, que não são eleitos por ninguém, podem julgar se uma lei está ou não de acordo com a constituição – uma casta burocrática de 11 que compõem o STF e que decidem por 210 milhões de brasileiros - com altos salários e enormes privilégios e se colocam por cima da sociedade civil, sendo parte junto com Bolsonaro de ataques ao conjunto da classe trabalhadora e do povo pobre, como com a lei de terceirização irrestrita, a reforma trabalhista e da previdência. Por isso é necessário defender que todo juiz ou parlamentar receba o salário de uma professora, pelo fim do privilégio e da manutenção de castas burocráticas.

Além desse fator fundacional do caráter de classe do Estado e suas instituições, um país que manteve a escravidão por tantos anos como o Brasil, onde a burguesia se desenvolveu espremida entre a espoliação imperialista e o pavor da luta negra, a própria legislação foi construída buscando criminalizar e encarcerar a população negra. Justamente pela burguesia ter um medo absurdo das rebelioes, revoltas, greves e mobilizações dos negros, ela se utilizou de instituições legais pra promulgar leis que dificultavam a organização dos escravizados, trabalhadores tidos como “livre” e libertos, dificultando as fugas pros quilombos, organizações de greves etc; e quando algo desse tipo ocorria essas isntuições puniam os negros que se rebelavam severamente, inclusive com a morte.

Logo após a abolição, o estado brasileiro criou leis que criminalizam aspectos culturais negros, como a capoeira, por exemplo. A lei da vadiagem foi regulamentada no Brasil em 1942, mas já consta no código penal desde 1890, apenas um ano após de declarada formalmente a abolição e surge em uma realidade onde havia uma enorme população negra desempregada nas ruas.

Nina Rodrigues, médico legista que é homenageado nomeando o IML de Salvador, defendia a criação de leis eugenistas com base na discriminação da população negra. No seu livro ‘Mestiçagem, Degenerescência e Crime’, ele coloca o mestiço e o negro como “naturalmente delinquentes”, e com base nisso, propõe uma reforma penal que atribua penas mais rígidas para negros e negras¹. Por mais que as ideias de Rodrigues não se concretizaram em leis, a prática da polícia nos morros, periferias e palafitas do país seguem em consonância com elas.

Os “autos de resistências” criados durante a ditadura militar para justificar as execuções da polícia são amparados pela figura de “legítima defesa” no código penal; e a tentativa de Bolsonaro de aprofundar essa figura jurídica racista através do chamado “excludente de ilicitude” são outro exemplo do caráter racista das leis burguesas.

Por mais que no nosso país tenhamos exemplos bastante categóricos que deixa explícito o caráter de classe, a regra mais geral é que a legislação cumpra a função de um véu para nos tapar as vistas para as cruéis desigualdades do sistema capitalista: apresenta um amontoado de artigos sob os quais “todo e qualquer” indivíduo está a mercê, dando uma relativa aparência de “igualdade jurídica”. Mas no Brasil, país profundamente atravessado pelo racismo, sabemos que a justiça tem classe e cor.

No caso Miguel, desde o início ficou explícito o caráter de classe da justiça. Sarí Corte Real pagou a fiança mesmo tendo sido presa em flagrante, voltou para casa e responde em liberdade. Além disso, foi descoberta irregularidades na própria contratação de Mirtes e de sua mãe. Sarí e Sergio Hacker as mantinham no quadro de funcionárias comissionadas da prefeitura, enquanto na realidade trabalhavam na casa deles. Mesmo com uma decisão da justiça do trabalho de Tamandaré dizendo que são obrigados a ressarcir os desvios de verbas públicas, o valor decretado pela justiça foi de 386 mil reais, quando o pedido inicial era de 2 milhões de reais; e os patrões ainda recorreram da decisão. Seguem apostando na sua impunidade de classe.

Outro momento bastante marcante aconteceu no começo deste ano, quando uma das testemunhas do caso foram ouvidas sem que Mirtes e seus advogados estivessem presentes, como denunciamos aqui no Esquerda Diário. Agora, soma-se as batalhas de Mirtes Renata a luta pela anulação dessa sessão ilegal, que não poderia nem ter acontecido.

O caso Miguel deixa evidente a falácia da “igualdade jurídica” e desvela o caráter de classe da justiça burguesa. Por isso precisamos atuar em cada brecha que as próprias leis possuem na sua tentativa de aparentar “neutralidade” e mostrar que de neutra elas não têm nada; e nessas brechas, o fiel da balança será sempre, a correlação de força entre as classes.

Neste 02 de junho, nos somamos a campanha encabeçada por Mirtes Renata na #SemanaMiguel, para exigir #JustiçaporMiguel, buscando denunciar fortemente o caráter racista e de classe do judiciário, colocando com que é preciso arrancar justiça com a força da mobilização e da luta, como Mirtes vem fazendo.

Por essa razão, é preciso que a luta por justiça por Miguel seja uma luta do conjunto dos setores oprimidos e explorados, pois é também uma luta contra o Estado racista e contra um setor da elite política de Pernambuco, parasitas que vivem da exploração em um dos estados mais assolados pelo desemprego e pela fome.


1 Disponível em: https://super.abril.com.br/especiais/racismo-disfarcado-de-ciencia-como-foi-a-eugenia-no-brasil/




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