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ONDE ESTÁ SANTIAGO MALDONADO? | Caso Maldonado: o que a promotora esconde

Reproduzimos a declaração de Myriam Bregman, María Victoria Moyano Artigas e Alejandrina Barry, do Centro de Profissionais pelos Direitos Humanos em defesa de Santiago, jovem desaparecido em meio a uma repressão brutal da policia ao povo Mapuche, no sul do país.

sexta-feira 1º de setembro de 2017 | Edição do dia

Desaparecido desde o dia 1 de agosto, Santiago Maldonado, de 28 anos, enfrentou uma brutal repressão na comunidade "Lof en Resistencia Cushamen", em Chubut (sul da Argentina). No conflito, Santiago acabou sendo atingido por um tiro e foi levado pela polícia, sendo esta sua última aparição em público, mais de 100 agentes da Gendarmería (polícia argentina) estiveram presentes.

A promotora federal de Esquel, Silvina Ávila, apresentou ontem um relatório, a pedido de uma comissão da ONU e da CIDH, que diferentes meios e o próprio governo nacional estão utilizando para encobrir o papel fundamental e exclusivo da Gendarmeria Nacional Argentina e de funcionários do próprio Ministério de Segurança no desaparecimento forçado de Santiago Maldonado.

O relatório tendencioso da promotora inverte o ônus da prova: em um desaparecimento forçado é do próprio Estado o dever de informar o que aconteceu com a vítima.

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É a própria promotora que deve dar conta de tudo que foi feito até agora para encontrar Santiago. Ao contrário, a promotora dá a entender que deve ser a comunidade perseguida Mapuche, que está sendo assediada pelas forças repressivas do Estado e paraestatais há meses, a que deve dar provas de um desaparecimento provocado pelo próprio Estado.

A promotora não responde aos seguintes elementos, que são chave para encontrar a verdade do que aconteceu com o jovem Maldonado.

1)Por que ao menos 120 soldados da Gendarmeria, de pelo menos três esquadrões diferentes ingressaram violentamente a Pu Lof em Resistência do Estado de Cushamen, e estiveram no território por volta de seis horas, impedindo o ingresso dos integrantes da Assembleia Permanente dos Direitos Humanos local e de jornalistas durante toda a operação, para reprimir a não mais que 20 pessoas sem nenhum tipo de ordem judicial (a mesma somente se referia à dispersão da rota 40, o que ocorreu várias horas antes). É evidente que nesse lapso de tempo de seis horas pode-se destruir, remover, forjar e/ou “plantar” qualquer tipo de provas para encobrir a ação criminosa que significa o desaparecimento forçado de Santiago Maldonado.

2)Por que não se menciona que incrivelmente a Gendarmeria diz não possuir as filmagens de toda a operação, quando é de conhecimento publico que por protocolo interno devem filmar toda sua ação, mais ainda quando é produzida no contexto de um protesto social.

3)Por que não se menciona no relatório qual foi o papel do chefe de gabinete de assessores do Ministério de Segurança, Pablo Noceti, quem se encontrava na região desde vários dias antes do desaparecimento de Santiago. Noceti realizou declarações ameaçadoras na rádio contra a comunidade de Pu Lof dias antes. Durante sua estadia se deu uma violentíssima repressão na cidade de Bariloche contra manifestantes que exigiam a liberdade de Facundo Jones Huala, com alguns manifestantes feridos e quase uma dezena detidos. Noceti realizou uma reunião em 31 de julho com o alto comando da Gendarmeria Nacional da região, como o chefe do Agrupamento XIV, Conrado Héctor Balari, o do esquadrão 32 de El Bolsón, Fábian Méndez, e o do 36, Pablo Badie, todos participantes diretos da ação repressiva de 1º de agosto na qual desapareceu Santiago Maldonado. Pablo Noceti esteve presente no lugar dos fatos, não uma vez “para saudar”, como afirmou a ministra Patricia Bullrich, mas também foi visto várias horas depois no mesmo lugar, como afirmaram várias testemunhas. A Gendarmeria (polícia argentina) é uma força vertical que responde diretamente aos mandos do Poder Executivo.

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4)Por que nenhum funcionário judicial esteve presente na busca de provas no esquadrão da Gendarmeria de El Bolsón, senão que ficou nas mãos de efetivos da Policia Federal, acompanhados pelos próprios gendarmes, todos subordinados do Ministério de Segurança.

5)Por que a promotora Ávila omite que a comunidade de onde foi arrancado Santiago Maldonado esta assustada e conta com mais de 40 membros processados penalmente pelo mesmo Poder Judiciário do contexto de ações do protesto, provocações constantes da Gendarmeria e da Policia da província de Chubut, bem como pessoas anônimas que atiraram de caminhões na comunidade. Os supostos "não colaboradores" do promotor Ávila são os mesmos que poderiam ter estado à beira de correr o mesmo destino que Maldonado.

6)No quadro repressivo que sofre a comunidade Mapuche, o promotor Ávila também esconde que, no dia 11 de janeiro deste ano, o juiz Guido Otranto ordenou outra repressão brutal de Pu Lof em Cushamen, onde mais de 300 soldados estavam envolvidos, vários feridos e detidos com o suposto objetivo de liberar as vias de La Trochita. Na operação foram utilizados cavalaria, drones, hidrantes e helicópteros. Ninguém investigou todas as alegações de coerção ilegal, deixando o fato em total impunidade e como um antecedente obscuro do que aconteceu meses depois, no dia 1 de agosto

7)A promotora deveria saber que a própria história nos últimos anos mostrou que não é fácil ser uma testemunha contra as Forças Armadas ou de segurança na Argentina. Jorge Julio Lopez foi novamente sequestrado e desapareceu por ter sido testemunha em uma causa de danos para a humanidade. Não aceitamos revitimização das vítimas.

Insistimos: como indicam taxativamente a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçados e a Convenção Americana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, ambas reconhecidas pela Argentina, são as instituições do Estado, o Poder Executivo e o Judiciário quem tem a obrigação e a responsabilidade de explicar o que aconteceu com Santiago Maldonado, desaparecido forçadamente a partir de 1º de agosto de 2017, e aplicar sanções penais a todos os responsáveis.

Se a Dra. Silvina Ávila continuar a acusar a comunidade Mapuche de não poder exercer suas próprias obrigações como promotora, emanadas de tratados internacionais, estaria encobrindo um crime estatal cometido pela principal força de segurança do Estado, a Gendarmeria Nacional. O que apenas a promotora, o juiz Otranto, a ministra Patricia Bullrich e todas as instituições do Estado envolvidas devem responder é: onde está Santiago Maldonado?




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