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Carta aberta dos professores da Escola Estadual Senador Adolfo Gordo à comunidade

Nós, professores da escola estadual Senador Adolfo Gordo, reunidos em 22 de maio de 2020, decidimos registrar e tornar pública nossa preocupação com a estratégia adotada pela SEDUC que, ao ser aplicada pelas diretorias de ensino e gestões escolares, tem gerado ainda mais transtornos e desgastes neste cenário de pandemia e isolamento social.

sábado 30 de maio de 2020 | Edição do dia

Vivemos uma crise sem precedentes na história da humanidade. Com o número de mortos contabilizados as centenas por dia, qualquer tentativa de manter o cotidiano escolar acaba sendo desumano. Precisamos evitar a visão de educação que se preocupa mais com o cumprimento do calendário do que com o ensino em si, sem se importar com a realidade que estudantes e professores enfrentam com suas famílias.

Em dois meses de quarentena, o assédio da Secretaria de Educação só aumentou. Nós professores somos pressionados a passar atividades que os estudantes não têm condições de acompanhar, mesmo que superem as dificuldades impostas pela pandemia. Os dados informam que muitos alunos não têm acesso à internet, dessa forma, menos da metade acessou a plataforma criada pelo governo. Para a grande maioria dos estudantes com acesso, a conectividade ocorre apenas pelo celular, sendo que existem poucos aparelhos disponíveis na família. Esse é um problema que também afeta os professores. Nós não temos treinamento para este tipo de trabalho e muitos não tem um computador à disposição. A resposta da SEDUC de que devemos comparecer à unidade escolar contradiz as diretrizes de quarentena do estado e se mostra criminosa.

Assim, trazemos nossas questões de maneira resumida nos três pontos que se seguem:

1º - Dificuldades de acesso e manuseio de ferramentas digitais:
Muitos professores não têm condições técnicas minimamente necessárias para o trabalho em regime domiciliar, como problemas com conexão, celular com memoria insuficiente, computador, scanner e a falta de outros equipamentos. Tal condição é agravada na medida em que a SEDUC, por meio de comunicados oficiais, vincula o pagamento dos salários ao preenchimento e envio de planilhas, elaboração de roteiros de estudos e correção e devolutivas de atividades aos alunos.
Cabe o registro de que mesmo muitos professores que dispõem desses equipamentos em casa não têm formação para trabalhar virtualmente, o que aumenta a pressão sobre sobre quem não possui facilidade no manuseio de ferramentas digitais. Entendemos, assim, que os professores não devem ser responsabilizados pelo descaso da SEDUC em relação à falta de uma política efetiva de formação e requalificação dos professores da rede estadual.

2º - Assédio e constrangimentos:
Como uma das consequências das questões apontadas, a SEDUC criou condições de trabalho ainda mais precárias que as de antes do período de isolamento social, visto que situações em que professores têm se sentido constrangidos, e até mesmo assediados, são cada vez mais recorrentes. Temos, por exemplo, em ATPCs e reuniões, uma comparação entre professores que cumpriram e os que não cumpriram o que foi determinado, em prazos etc. Assim, alguns de nós têm se sentido constrangidos e expostos nos espaços coletivos, o que não condiz com nosso ambiente de trabalho.
Outro ponto de que tratamos é referente à orientação oficial da SEDUC de que os professores que não tiverem condições de trabalho domiciliar poderão ir até à unidade escolar para fazê-lo. Considerando a necessidade de os professores enviarem planilhas e cumprirem determinações de maneira virtual para não sofrerem com faltas e descontos, tal orientação, ainda que de maneira indireta, acaba por obrigar esses professores a se deslocarem de suas casas para irem até à escola, em total desacordo com as orientações das autoridades sanitárias e com o decreto do próprio governo sobre o isolamento e suspensão do trabalho presencial.

3º - Por fim, gostaríamos de registrar também nosso descontentamento e repúdio a todo e qualquer movimento da SEDUC no sentido de tirar proveito da situação atual para avançar na implementação da EAD na educação básica paulista. É público e notório que entidades ligadas a grandes grupos empresariais, como Fundação Lemman, Somos Educação e Instituto Ayrton Senna, muitas delas consideradas parceiras de primeira hora do atual governo, defendem a implementação da EAD na rede pública.
Sem se preocupar com as grandes dificuldades de estudantes e suas comunidades, empurra a responsabilidade pela educação formal das crianças para as mãos dos pais, sendo essa uma grande parcela de mães que já assumem boa parte das tarefas domésticas. Mesmo quando todas as necessidades são atendidas, segundo especialistas, o ensino à distância não substitui de nenhuma forma as atividades presenciais, que é o momento mais significativo da aprendizagem. Não precisamos ir longe para concluir que esse aprendizado remoto mal feito se trata de um profundo ataque aos nossos direitos.
Entendemos que existe a necessidade de nos organizarmos em conjunto com estudantes e suas famílias para que o vínculo com a escola não seja meramente formal. As saídas que precisamos virão apenas de nossa organização, já que os governantes estão comprometidos em atender apenas os grandes empresários. Essa interação que reivindicamos para a nossa escola.

Propostas:
1 - Solicitamos que se flexibilize os prazos para os professores que ainda não puderam entregar os documentos exigidos, bem como que a tratativa acerca de descumprimentos e outros problemas não sejam expostos e discutidos no espaço coletivo de formação.
2 - Que os professores que porventura não tenham realizado determinada atividade não sejam comparados com os demais, de modo que evitamos constrangimentos.
3 - Que possamos nos organizar de maneira mais autônoma em relação às orientações da SEDUC e da diretoria de ensino. Mesmo sabendo da necessidade de correspondermos ao direito às aulas, aos conteúdos e habilidades previstos no currículo, entendemos que em primeiro lugar deveríamos nos organizar para contatar nossos alunos mais vulneráveis, aqueles mesmos que o secretário de educação disse que terão reforço e recuperação quando as aulas voltarem a ser presenciais.
4 - Que possamos reservar uma parte dos ATPCs para organização e aprimoramento de uma estratégia de comunicação mais unificada de nossa escola, sem depender apenas dos aplicativos e plataformas disponibilizados pela SEDUC.

Assinam essa carta parte dos professores do Adolfo Gordo




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