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QUILOMBO VERMELHO | Carta Programa do Quilombo Vermelho: Luta Negra Anticapitalista

Apresentamos a carta programa da agrupação de negras e negros Quilombo Vermelho Luta Negra Anticapitalista. Publicada originalmente no lançamento da agrupação, em 18 de novembro de 2017, essa carta programa foi atualizada diante dos novos acontecimentos mundiais, que mais do que nunca reafirmam a centralidade da luta negra como parte da luta de classes.

sábado 22 de agosto de 2020 | Edição do dia

A rebelião que emergiu no coração do principal país imperialista do mundo, após a divulgação do vídeo do assassinato de George Floyd, se combinou com a revolta pelas consequências da crise capitalista agravada pela pandemia da Covid-19 e se alastrou por diversos países. A explosão da luta antirracista e contra a polícia teve como uma das suas principais fortalezas a unidade na luta contra o racismo e a violência policial de negros, brancos, latinos, árabes e asiáticos. Sob o grito de “Vidas Negras Importam” e “sem justiça, sem paz” emergiu uma contradência à xenofobia nacionalista reacionária da extrema direita de Trump e que também aqui se expressa com Bolsonaro e seu governo reacionário de militares. A luta antirracista está no centro da luta de classes internacional e a unidade entre os mais oprimidos e explorados por esse sistema vem fazendo os capitalistas tremerem.

Para que essa força seja vitoriosa é necessário estar armada com um programa e uma estratégia capaz de se contrapor ao reacionarismo da extrema direita racista de Trump e seu capacho Bolsonaro, mas também das tentativas de cooptação e desvios promovidas pelo Partido Democrata e o establishment imperialista norte-americano, e no Brasil contra todos os representantes do golpismo, da direita tradicional e do judiciário, mas também dos que defendem a conciliação de classes. Variantes do mesmo sistema capitalista que busca manter a exploração da classe trabalhadora, tendo como pilar de sustentação a opressão racial e de gênero. Com essa carta programa, apresentamos nossa contribuição, baseada na teoria e prática do marxismo revolucionário, para a construção de uma luta negra anticapitalista e socialista.

Vivemos no país com mais negros fora da África. Foram 4,8 milhões de escravos africanos capturados e trazidos à força para o que viria a ser o Brasil. O que pode aparenta ser somente um dado a mais, revela que nada pode ser entendido neste país de passado escravista, sem levar em conta o papel fundamental da escravidão e do racismo. Nós negros somos a maioria da classe operária brasileira, e a luta negra é parte da luta de classes.

Esse passado é também presente, e o sentimos na pele todos os dias. Os negros e principalmente as mulheres negras estão nos postos de trabalho mais precários, recebem os piores salários, são 9 de cada 10 entre os mortos pela polícia mais assassina do mundo. Nós sofremos com a violência e a humilhação das ofensas racistas desde crianças, aprendendo que os negros são a cor do “suspeito padrão”. Por George Floyd, Breona Taylor, João Pedro, Marielle, por cada vida negra que nos foi levada, sejamos milhares nas ruas de todo planeta.

No capitalismo, uma sociedade baseada na exploração, o racismo corre nas veias da burguesia desde o seu surgimento. Esta classe que é dona das máquinas, das terras, da tecnologia, e que se apropria de todo o trabalho produzido pela classe trabalhadora, ergueu suas riquezas através da escravidão. O racismo serviu ao acúmulo de capital no passado, e ainda hoje beneficia a burguesia, que é herdeira dos senhores de escravos e permite que esta aprofunde a exploração da classe trabalhadora. Ao pagar salários inferiores e rebaixar as condições de vida dos negros, a burguesia consegue dividir a nossa classe e, assim, rebaixar os salários e condições de vida do conjunto da classe trabalhadora.

Por isso, é impossível conquistar a igualdade entre homens e mulheres, negros e brancos, dentro do capitalismo, uma sociedade baseada na desigualdade e na exploração. Nossa luta negra contra o racismo precisa ser também contra o capitalismo.

Os negros têm uma heróica história de luta, resistência e ousadia. Em todos os lugares do mundo onde existia a escravidão e o racismo os negros lutaram e se rebelaram.

Foram incontáveis as greves de fome, fugas, rebeliões, incêndios de plantios, assassinatos de feitores e senhores de engenho. Os quilombos são o símbolo mais forte dessa resistência e Palmares ficou marcado no imaginário de todos os negros em nosso país. A identidade negra é forte e intolerável para a burguesia, pois carrega nas veias essa trajetória de insubordinação que ameaça o poder da classe dominante.

Para tentar apagar a força dessa história, no Brasil a burguesia desenvolveu nas primeiras décadas do século XX uma ideologia própria, a “democracia racial”, com o objetivo de negar que há racismo e perpetuar a sua dominação.

Essa teoria é alimentada até hoje para tentar desarmar o potencial explosivo que a luta negra pode ter no país. É que, para temor da classe dominante, em todos os processos da luta de classes a energia do povo negro reprimida pelo cotidiano racista e a opressão se expressa de maneira muito mais intensa e mais viva.

A burguesia racista e suas instituições temem que esta identidade negra se apresente nas ruas, ganhe as fábricas, os locais de trabalho e estudo, e essa autoafirmação logo conduza a sentir mais confiança em suas próprias forças e termine questionando toda ordem capitalista e as instituições que nos exploram e nos oprimem. Por isso, tentam a todo custo separar a luta negra da luta da classe trabalhadora e da luta contra o capitalismo. Eles querem que acreditemos que o único horizonte possível da luta contra o racismo é o “empoderamento individual”. Tentam aprisionar a enorme energia revolucionária dos negros e negras na esfera do consumo e da indústria cultural.

Frente a isso, queremos erguer o nosso combate ao racismo a partir de uma posição de independência de classe; que lute para que os negros encontrem, através da unidade das fileiras operárias e dos métodos de luta da classe trabalhadora, apoio e impulso para liberar toda essa energia reprimida e direcioná-la contra a burguesia e todos os seus agentes. É com esse objetivo que construímos este Quilombo Vermelho.

Do nosso lado está a moral daqueles que dedicaram suas vidas para que os negros conquistassem a liberdade, dos que se foram lutando contra todas as formas que toma essa barbárie que é o racismo; ao nosso lado estão também os ensinamentos de todos aqueles que lutaram pela transformação revolucionária da sociedade.

ESCRAVIDÃO, RACISMO E CAPITALISMO

“O trabalho de pele branca não pode se emancipar onde o trabalho de pele negra é marcado a ferro” Karl Marx

A escravidão e o comércio de escravos foram fundamentais para o desenvolvimento do capitalismo. O sequestro, o trabalho forçado, as torturas, os estupros e castigos físicos nas fazendas da América possibilitaram a concentração de enormes somas de capital nas mãos dos comerciantes de escravos, a burguesia europeia, sendo dessa forma essenciais para o desenvolvimento do capitalismo. O racismo surge com a escravidão. É um fenômeno histórico, ou seja, não é algo que “sempre existiu” como parte da “natureza humana”. Foi uma ideologia criada a serviço de justificar a escravidão que se deu em uma escala nunca antes vista na história, que em primeiro lugar devastou a vida de milhões de indígenas, para logo depois encontrar na escravidão negra um negócio extremamente lucrativo. O racismo surgiu com o capitalismo e com ele merece morrer. Houve escravidão antes do racismo, mas a escravidão moderna, ligada a esse processo de desenvolvimento do capitalismo, foi um empreendimento econômico, cultural e político tremendo, que se baseava no racismo como forma de justificar a suposta inferioridade dos negros em relação aos brancos, baseando-a em aspectos físicos e culturais. As Américas precisavam de mão de obra em larga escala e a mão de obra escrava se mostrou a mais lucrativa. Quem iria trabalhar para alguém se fosse livre para cultivar a sua própria terra?

O racismo e a escravidão permitiram à burguesia acumular capital e assim fortalecer os seus próprios interesses econômicos, políticos e sociais contra os interesses da nobreza e da monarquia que dominavam a sociedade durante o feudalismo europeu. A burguesia é racista desde seu surgimento. Assim, também, não é possível combater o racismo sem lutar contra o capitalismo, sem uma posição claramente anticapitalista, que defenda os interesses do conjunto dos trabalhadores e do povo pobre. Com essa perspectiva, cada luta contra o racismo fortalece a luta de todos os trabalhadores. E quanto mais fortes os trabalhadores estiverem, mais forças teremos para enfrentar o racismo.

FORA BOLSONARO, MOURÃO E OS MILITARES! CONTRA A EXTREMA DIREITA RACISTA LUTAMOS SEM NENHUMA ILUSÃO NO STF, JUDICIÁRIO E GOLPISTAS.

O governo Bolsonaro é herdeiro do golpismo institucional que se instalou no país nos últimos anos para atacar as condições de vida dos trabalhadores e aumentar a espoliação do Brasil pelo capital estrangeiro, cortando direitos sociais e avançando na privatização dos recursos naturais e das empresas públicas, como a Vale e a Petrobrás. Um golpe que deixou como ferida aberta o assassinato de Marielle Franco. Com Trump na Casa Branca, e a ascensão de tendências nacionalistas nos países centrais, a disputa entre "Estados-nação" em detrimento das "tendências globalizadoras" esteve no centro da política mundial. Foi nesse cenário que o capital financeiro internacional tentou, a todo custo, impor uma subordinação ainda maior às economias dependentes, como a América Latina, usando sua influência sobre o poder judiciário em vários países para, por trás de um suposto “combate à corrupção”, aumentar a exploração e destruir os direitos dos trabalhadores e do povo pobre, e ganhar com a privatização de estatais e recursos naturais.

No Brasil, essa ofensiva imperialista se materializou principalmente na Operação Lava Jato, conduzida pelo agora ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, uma gigantesca manipulação política do poder judiciário. Esse crescente autoritarismo do poder judiciário, em associação com os grandes meios de comunicação de massas para pressionar o parlamento e a opinião pública, passou a contar com o apoio cada vez maior do Alto Comando Militar. Bolsonaro foi se transformando no principal representante político do “antipetismo”, graças à decadência dos principais partidos tradicionais de direita. Além disso, capitalizou o apoio de um amplo espectro da população - em sua grande maioria de cunho religioso, com destaque para as igrejas evangélicas - que rechaça os avanços dos movimentos feminista, negro e LGBT internacionalmente no que diz respeito às transformações de valores e da cultura, vendo por exemplo, na golpista Rede Globo um símbolo desta verdadeira “destruição da família tradicional brasileira”. Isso, combinado com a demagogia de Bolsonaro contra a corrupção (cada vez mais desmascaradas pelos escândalos da sua família com a milícia e com o caso de Queiroz) e pela segurança pública (inclusive com a promessa de facilitar o porte de armas), permitiu que ele emergisse dialogando com essas três grandes “feridas sociais”, capitalizando assim o espaço político da direita tradicional.

O golpe institucional fortaleceu os setores mais conservadores e racistas da sociedade, assim como instituições reacionárias como o judiciário e a polícia federal. A aprovação da reforma trabalhista, da lei da terceirização e da reforma da previdência são exemplos dessas medidas que serão sentidas de forma mais dura pelas negras e negros em nosso país.

Há um profundo desgaste da população com os partidos tradicionais do regime político que vinha sendo canalizado pela direita. Foi o PT quem abriu caminho para a direita ao favorecer os empresários e latifundiários e se aliar a seus partidos em nome da “governabilidade”. Essa direita, herdeira direta da Casa Grande, tem se apoiado nesse desgaste para se colocar como novidade. A direita não é alternativa! Esses políticos da Casa Grande, apesar de toda demagogia querem o negro “em seu lugar”, que para eles significa nas cozinhas das senhoras brancas, nas favelas, nos empregos precários, na mira da polícia. É essa direita que quer legalizar o trabalho escravocrata nas fazendas, em pleno século XXI! É a direita que quer fortalecer ainda mais a repressão ao povo através do judiciário racista, fazendo de tudo para aprovar a redução da maioridade penal. Bolsonaro e governadores como Dória, Witzel, Zema, Leite, Ibaneis estão entre os principais nomes. Nós temos que saber que eles são os representantes diretos da Casa Grande.

É necessário lembrar que Lula e Dilma foram eleitos dizendo que defenderiam interesses da população negra e com apoio de setores do movimento negro. Mais ainda, foram eleitos porque uma parcela enorme da população enxergava que seus governos seriam um passo na luta contra a desigualdade racial. Muitos setores do povo negro veem o Lula como alternativa de fato por ter concedido aos pobres, aos negros, alguns direitos que deveriam ser considerados mínimos e universais, tais como medidas de combate à fome extrema, como o Bolsa-Família, de ampliação da educação, como Reuni e mais oferta de água no Nordeste. Foi também nos governos federais do PT que o Estatuto da Igualdade Racial e as cotas foram aprovadas. Nosso povo merece muito mais e temos muito mais a conquistar com nossa luta.

Em seu governo Lula e o PT tiveram como parte da sua decisão estratégica de tomar para si um "projeto de país" baseado no agronegócio exportador, no trabalho precário e no clientelismo estatal, mantendo o Brasil como um dos países mais desiguais do mundo, mesmo depois do ciclo de crescimento econômico que favoreceu o segundo governo Lula, projeto esse que não tem "governabilidade" sem o papel de contenção social das igrejas e de repressão policial nas favelas, junto com a prisão em massa de pobres e negros, sem um enorme aumento do poder econômico e político da oligarquia latifundiária e capitalista ligada ao agronegócio, sem uma política externa que envolveu liderar as tropas no Haiti que massacravam negras e negros. Esse projeto de país é que assentou as bases para que, depois do enorme questionamento a todas as representações políticas que explodiu em junho de 2013, ao não ter surgido uma alternativa de massas pela esquerda ao PT, já em 2014 fosse eleito um Congresso muito mais reacionário, onde os que até então eram aliados do PT passassem de malas e bagagens para o lado da Lava Jato, da ofensiva golpista e do bolsonarismo, para descarregar a crise econômica sobre as costas dos trabalhadores e entregar o país de bandeja ao imperialismo.

A entrada em cena da luta de classes na principal potência do mundo, alterou as condições em que se travava a disputa política no Brasil, acentuou no bloco bolsonarista suas contradições internas, ao mesmo tempo que o medo de que se desenvolva uma movimento do mesmo tipo do Brasil pressiona as classes dominantes a buscar uma solução de compromisso para a escalada das tensões e para fazer passar mais ataques. A saída de Sérgio Moro do governo Bolsonaro, em meio a troca de acusações mútuas, não provocou o cataclismo no governo que muitos previam, mas deu lugar a um realinhamento global das forças entre a direita e a extrema-direita.

É neste marco que as propostas de "frentes amplas" que gritam “Fora Bolsonaro” se tornam cada vez mais fantasiosas e hoje vemos um pacto entre os setores do regime para fazer “passar a boiada” de ataques. O próprio "impeachment" - seja "popular" ou não - significaria a unidade de pelo menos 300 deputados que incluiria inevitavelmente suas alas reacionárias em uma mesma decisão para retirar do poder o presidente e permitir a entrada de seu vice, o também racista Mourão. Também não podemos confiar que o judiciário golpista possa ser uma alternativa para a suposta “defesa da democracia”. Ao contrário desta política, apoiada dos setores da direita ao PSOL, apostamos no desenvolvimento da luta dos trabalhadores e da juventude, como foi a Paralisação Internacional dos Entregadores de Aplicativos, as lutas das trabalhadoras da saúde e toda resistência operária e popular, como as revoltas contra os assassinatos e a violência policial contra o povo negro e levantamos como resposta o Fora Bolsonaro e Mourão, porque não podemos aceitar que nosso ódio a Bolsonaro dê lugar aos militares apoiadores da ditadura. Do ponto de vista da esquerda consideramos que seria fundamental organizar uma Coordenação por Fora Bolsonaro e Mourão como já viemos propondo ao PSTU e ao Bloco de Esquerda Radical do PSOL.

Mas não queremos mudar somente os jogadores, queremos mudar as regras do jogo. Quem tem que decidir o futuro desse país são os trabalhadores, o povo negro e pobre! Contra esse regime herdeiro da escravidão e do golpe institucional lutamos sem nenhuma confiança no STF, nos golpistas e empresários e por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana imposta pela luta, que revogue os ataques do governo Bolsonaro, do judiciário e dos golpistas, e sirva para avançar nos questionamentos a todas as instituições capitalistas.

Uma nova constituinte livre e soberana substituiria todo o regime e permitiria, a partir do mais amplo sufrágio, abrir caminho para que as massas possam debater e decidir sobre os grandes problemas nacionais que atingem o povo pobre, negro e trabalhador do nosso país e nesse processo acelerar a experiência com a democracia degradada dos ricos que vivemos, indo de encontro a necessidade de lutar por um governo dos trabalhadores em ruptura com o capitalismo.

Em defesa da Reforma Agrária e pela imediata demarcação dos territórios indígenas e quilombolas!

A elite buscou de todas as formas de impedir o acesso à terra pelos negros. Depois da abolição da escravidão o governo restringiu ainda mais o acesso dos negros às terras, favorecendo os latifundiários e protegendo a todo o custo a propriedade privada. O que Bolsonaro e os militares tentam aprofundar é justamente a garantida da concentração de terras assegurada pelo Estado, da sede de lucro dos latifundiários, do agronegócio e também das empreiteiras que são os principais inimigos das comunidades quilombolas e dos indígenas na luta pela demarcação de suas terras. O PT em seus anos de governo buscou conciliar com esses setores fortalecendo as bases reacionárias que depois deram o golpe institucional. Nesta questão fundamental para a luta dos negros em nosso país também é necessário um programa anticapitalista que avance sobre os latifúndios para garantir a reforma agrária. Queremos um Quilombo Vermelho para lutar pela demarcação imediata de todos os territórios quilombolas e indígenas, e para lutar pelo fim dos assassinatos no campo!

COMBATER A DEMOCRACIA RACIAL E A BURGUESIA HERDEIRA DA CASA GRANDE

Depois da abolição da escravidão, o racismo não deixou de existir. Ao contrário, se tornou ainda mais complexo. Nesse momento, a burguesia avança em vários terrenos – políticos, econômicos ideológicos, para “mostrar” que mesmo com os negros juridicamente livres, havia diferenças de todo tipo entre negros e brancos. Se na escravidão boa parte da “ordem” era garantida pelos senhores de escravos, agora o Estado toma decididamente as rédeas da repressão ao povo negro, criando uma série de leis para reduzir os direitos dos negros e legitimar, aos olhos da justiça racista, a repressão sistemática ao povo negro, agora livre.

Antes queriam os negros como escravos nas senzalas, nas ruas somente se fosse a serviço do senhor de escravos. Agora, querem o negro nos piores empregos, nas favelas e nas prisões. Neste contexto, a partir dos anos 1930 ganha força o mito da democracia racial. Esse mito basicamente diz que não há racismo no Brasil (!) e que a desigualdade social não tem nada a ver com a questão racial. Querem que acreditemos que as condições da colonização no Brasil foram muito mais “suaves” e harmônicas em relação a países como Estados Unidos. Mas essa visão do passado tinha tudo a ver com os objetivos daquela época e com os do presente. O mito da democracia racial, ao buscar por todas as formas possíveis negar a existência do racismo no Brasil, o país mais negro fora da África, estava – e está – relacionado com as exigências específicas da manutenção do domínio da classe dominante no Brasil.

A eleição de Jair Bolsonaro representou um choque a direita nas relações raciais no Brasil. O racismo desvelado pela extrema direita é parte intrínseca de seu projeto ultraneoliberal. Se apoiam na democracia racial para tentar afirmar que não existe racismo em nosso país, mas rompem com essa tese atacando cada expressão da identidade negra. Por isso, destilam ódio contra indígenas e quilombolas, fomentam a violência policial, questionam o assassinato de Marielle e tem como marca da sua eleição o assassinato de Mestre Moa do Katendê.

Hoje é praticamente impossível pra grande maioria da burguesia negar que existe racismo no Brasil. No entanto, por trás do mito da democracia racial, o que a burguesia quer esconder é que o povo negro se encontra nos piores empregos e com os piores salários. A imensa maioria dos negros e negras no Brasil vive em favelas, sem acesso ao saneamento básico, à moradia digna. E por isso, são as negras e negros aqueles que mais morrem pela Covid-19, não por fatores genéticos, mas pelo racismo.

A burguesia, através do Estado e dos meios de comunicação, usa de todos os meios possíveis para menosprezar quem vive nas favelas. O argumento mais usado é dizer que lá só existem ladrões e traficantes. Na verdade, quem mora nas favelas é o povo pobre, a enorme maioria negra, que é empurrada para lá pelos baixos salários.
Na favela moram muitos trabalhadores terceirizados, dos setores mais precários, os que mais sofrem com a repressão policial; são os que têm seus filhos, familiares e amigos assassinados pela polícia racista. As leis que os políticos burgueses aprovam para explorar ainda mais os trabalhadores afetam em primeiro lugar os negros, com as mulheres à frente. É o caso, por exemplo, da lei de terceirização, da reforma trabalhista e da reforma da previdência ataques diretos aos direitos dos trabalhadores.

A reforma trabalhista, por exemplo, atinge sobretudo as mulheres negras pois, entre outras medidas, avançam na precarização, legaliza o trabalho insalubre de mulheres grávidas, colocando em risco as vidas tanto da mãe quanto do filho. A reforma da previdência nos obriga a trabalhar até morrer sem direitos.
Nós, negros, precisamos estar na linha de frente contra as reformas, ataques e toda obra do golpe institucional, pois somos os mais atingidos!

LUTA NEGRA E LUTA DE CLASSES

“A história revolucionária dos negros é rica, inspiradora e desconhecida. Negros se rebelaram contra os caçadores de escravos na África; rebelaram se contra os comerciantes de escravos no Atlântico. Se rebelaram nas plantations. O negro dócil é um mito (...) O único lugar onde os negros não se rebelaram é nos livros de historiadores capitalistas”.
CLR James

Nesta sociedade capitalista, baseada na exploração, o racismo permite que a burguesia busque naturalizar que os negros estejam nos piores empregos e recebam os piores salários, dividindo a classe trabalhadora. Entender esse aspecto da relação entre exploração capitalista e opressão racial é fundamental para unir as fileiras da classe trabalhadora. E por que isso é importante? Porque a classe trabalhadora tem um papel decisivo na produção, é produtora de tudo o que existe, toda essa riqueza é apropriada pela burguesia e, nos países de passado escravista, a constituição da classe trabalhadora tem uma relação fundamental com os negros. É a classe que pode paralisar a produção, a circulação de mercadorias, de pessoas, das riquezas.

A revolta contra a brutalidade policial e o racismo sistêmico representou um giro à esquerda na situação política nos EUA com mobilizações massivas, se expandindo ainda que com impacto mais limitado, para países do continente europeu, africano e asiático. Potencializando o movimento pela derrubada das estátuas de símbolos colonialistas e escravagistas. No Brasil, se combinaram com as mobilizações “antifascistas” contra o governo Bolsonaro e os militares. Essa fúria negra em meio a pandemia e a crise capitalista marca uma inflexão muito importante na luta de classes. Nos Estados Unidos intensificou a onda de greves, como expressa a importante paralisação de trabalhadores portuários da Costa Oeste se somando ao Black Lives Matters, deu um novo impulso a luta dos trabalhadores da saúde e a batalha pela expulsão da polícia dos sindicatos e centrais sindicais dos trabalhadores.

O potencial de que os “coveiros do capitalismo” – como diziam Marx e Engels no Manifesto Comunista se referindo aos trabalhadores – num país como o Brasil, extravasem esse ódio de classe, pode dar aos negros, no seio da classe trabalhadora, um papel predominante de energia moral decisiva em um processo revolucionário de combate ao capitalismo. Consequentemente, a burguesia tem um ódio mortal a todo passo adiante do povo negro que questione essa ordem baseada na exploração e na opressão.

A luta do povo negro por liberdade foi decisiva para o fim da escravidão em todos os países escravistas

Negras e negros resistiram de incontáveis maneiras aos horrores da escravidão. Atrasaram o ritmo do trabalho, roubaram mercadoria para comprar sua liberdade ou organizar as suas revoltas, e buscavam a todo custo manter seus familiares por perto. Mas também ousaram mais. Entre tantos exemplos, dominaram o quanto puderam as ruas das cidades provocando o medo das autoridades e as elites cariocas tremiam com as capoeiras no século XIX. Sonharam, planejaram e executaram todo o tipo de ação que permitisse uma vida mais perto da liberdade.
Os europeus buscaram destruir as culturas e sociedades nativas, como os Incas, Maias e Astecas.

A riqueza cultural e material dessas sociedades foi constantemente ameaçada e em alguns casos destruída pela sede de lucro do capitalismo. No Brasil, a elite usou populações indígenas como mão de obra escrava pelos primeiros 150 anos. Houve outros motivos, mas o lucro envolvido no comércio de escravos negros falou mais alto e a escravidão de africanos se tornou a regra em seguida. Os indígenas nativos resistiram heroicamente.

São incontáveis os exemplos de resistência e ousadia dos negros. Revolta dos Malês na Bahia, que é considerada uma das maiores insurreições de escravos urbanos das Américas; Revolta de Carrancas em Minas Gerais; Quilombo de Campo Grande, que abrigava vários quilombos na região entre Minas Gerais e São Paulo; a região de Vassouras no Rio de Janeiro; o Quilombo de Malunguinho no Recife; o Quilombo do buraco do Tatu, também na Bahia; a revolta de Preto Cosme (considerada a maior insurreição da história do Império do Brasil); a presença de capoeiras nas cidades e a conjuração baiana são alguns poucos exemplos das centenas de quilombos e revoltas negras que se fizeram presentes em todos os lugares onde havia escravização e opressão racista. Palmares é um dos mais conhecidos, que resistiu por cerca de 130 anos, onde viveram cerca 30 mil palmarinos. Sua existência era uma ameaça às autoridades escravistas e um sinal de esperança e força para os escravos de toda região.

A luta heróica de Zumbi, de Dandara, de todos os palmarinos, ecoa na memória de todo povo negro ainda hoje. A liberdade corria no sangue dos palmarinos, e hoje toda negra e todo negro, jovem ou idoso, que conhece um pouco dessa história abre um sorriso de orgulho, levanta a cabeça e sente seu coração bater mais forte. A identidade negra está completamente ligada à luta de classes. É uma identidade de resistência e de revoluções. Por isso, a direita racista se enfurece quando essa história é lembrada, quando nós nos debruçamos sobre ela para erguer a cabeça e enfrentar nossos inimigos de hoje.

O mito da democracia racial busca apagar essa história de resistência e ousadia. Ao afirmar a existência do racismo nos colocamos em combate

Cada negro que afirma orgulhosamente sua negritude enfraquece o mito da democracia racial. Cada trabalhador e estudante branco que se coloca na trincheira do combate ao racismo também. O mito da democracia racial não é indestrutível. Mas é nas ruas, nas fábricas, nas lutas que vamos destruí-lo. Ter a luta contra o racismo no centro da luta de classes internacional mostra a força da nossa luta. E não será por dentro desse sistema capitalista que faz do Brasil esse país racista, machista e homofóbico, que mais mata pessoas trans no mundo, que esse mito cairá por terra.

Somente uma perspectiva anticapitalista, antiimperialista e internacionalista pode liberar a energia do povo negro, destruir esse mito reacionário e colocar de pé um país livre da opressão e da exploração. Para isso é necessário lutar, em todos os momentos, pela unidade entre os trabalhadores. Entre homens e mulheres, negros e brancos. Uma unidade que estamos vendo se forjar nas ruas em diversos países, e que está fazendo os capitalistas tremerem. Ter um grande números de jovens e trabalhadores brancos lutando contra o racismo, unificando as forças da nossa classe que a burguesia sempre buscou dividir e fragmentar. Como nos conta CRL James, em seu brilhante texto “A revolução e o negro”:

“Em Flint, durante as greves com ocupação de dois anos atrás, setecentos brancos do sul, embebidos desde a infância no racismo, se encontraram cercados no prédio da General Motors com um negro entre eles. Quando chegou a hora da primeira refeição, o negro, sabendo quem e o que seus companheiros eram, se postou ao fundo. Imediatamente foi proposto que não deveria haver discriminação racial entre os grevistas. Setecentas mãos se levantaram juntas. Diante de seu inimigo de classe os homens reconheceram que o racismo era algo subordinado e que não se poderia permitir que atrapalhasse sua luta. O negro foi convidado a sentar-se primeiro, e depois que a vitória foi alcançada, na triunfante marcha para fora da fábrica, foi concedido a ele o lugar de destaque. Esse é o prognóstico do futuro. Na África, na América, no Caribe, em uma escala nacional e internacional, os milhões de negros erguerão suas cabeças, deixarão de estar ajoelhados, e escreverão alguns dos mais massivos e brilhantes capítulos da história do socialismo revolucionário”.

A energia transformadora do povo negro em combate pela liberdade, por uma vida digna, pelos sonhos de cada mulher, jovem ou homem negro é tudo que o bolsonarismo e a democracia racial quer conter. Porque essa energia quando está associada à luta contra a burguesia é uma força que pode derrotar nossos inimigos. A luta do povo negro e da classe trabalhadora estão profundamente ligadas, se entrelaçam e se misturam de mil maneiras, já que de uma maneira ou de outra, atacam os interesses da burguesia. Por responsabilidade das direções do movimento operário – historicamente influenciadas pelo stalinismo –, dos partidos políticos e também de organizações sindicais, as demandas do povo negro são defendidas de maneira separada da classe trabalhadora. Nós do Quilombo Vermelho, entendemos que essas lutas precisam estar entrelaçadas, porque uma fortalece a outra. Em uma perspectiva anticapitalista, elas são inseparáveis.

Para que essa unidade seja possível é necessário que os sindicatos, as organizações dos trabalhadores, incorporem a defesa dos interesses do povo negro, as várias lutas contra o racismo, como parte efetiva de sua política. Isso passa pela batalha para que os sindicatos não vejam as lutas de cada categoria como um fim em si mesmo, buscando unificar as demandas da classe trabalhadora com aquelas mais sentidas pelos setores oprimidos do país, como o fim da violência policial, nas favelas, moradia digna, saúde, reforma agrária e assim apresentando a classe trabalhadora como um tribuno de todo o povo. É fundamental que os negros se organizem em seus locais de trabalho e nos sindicatos organizem secretarias que sejam linha de frente da defesa dessas demandas.

Um exemplo essencial é a urgência de uma luta de massas pela equiparação salarial entre homens e mulheres, negros e brancos. Basta de mulheres negras receberem 60% a menos que um homem branco! Também é fundamental a luta contra a terceirização e a.precarização, que nos últimos anos se agravou com os trabalhos por aplicativos. Todos os sindicatos precisam defender a incorporação imediata dos trabalhadores terceirizados com o mesmo salário dos trabalhadores efetivos. E no serviço público, efetivação sem necessidade de concurso público, já que se trata de trabalhadores que já comprovaram na prática sua capacidade de desempenhar a tarefa.

Diante da pandemia, que mata especialmente os negros, levantamos um programa emergencial no combate a crise que passa pela necessidade da manutenção do auxílio emergencial aumentando seu valor para 2 mil reais, juntamente com a isenção nas contas de água, luz e internet. Nossa saúde mais do que nunca não pode ser tratada como uma mercadoria, lutamos por álcool gel, máscaras, EPI´s, testes massivos, contratação e liberação do grupo de risco, liberação com remuneração de todos trabalhadores dos serviços não essenciais. E pela reconversão da produção industrial e por um sistema de saúde único estatal, sob controle da classe trabalhadora, algo que deveria ser levantada pelo conjunto da esquerda e dos sindicatos.

Basta de Perseguição às religiões de matrizes africanas

Parte importante da cultura negra se expressa através das religiões de matrizes africanas. O mesmo estado prende e assassina o povo negro é conivente com a perseguição à livre expressão religiosa do povo negro. Os padres e pastores fundamentalistas, que disseminam o ódio contra essas religiões, são os mesmos que atacam os direitos das mulheres e que exploram a fé do povo trabalhador para acumular fortunas pessoais. Basta de perseguição às religiões de matrizes africanas! Pela separação do Estado e religião, por um estado laico que garanta liberdade de cultos religiosos e manifestações culturais!

FORTALECER NOSSA IDENTIDADE NEGRA CONTRA O RACISMO E O CAPITALISMO

As manifestações de junho de 2013 abriram uma nova situação na luta de classes do país, questionando todas as instituições do regime da democracia podre dos ricos. Esse questionamento abre espaço à esquerda e à direita. A identidade negra vem ganhando cada vez mais força no Brasil, e isso foi um golpe no coração da ideologia da democracia racial. Hoje não é mais possível esconder que existe racismo em nosso país, e cada vez mais estamos vendo grandes empresas como Amazon, Ifood, Bradesco e Rede Globo, que sempre lucraram e ainda lucram muito com a exploração das negras e negros, buscando aparecer como antirracistas, tentando cooptar nossa luta para que ela se torne inofensiva diante dos interesses daqueles que sempre fizeram sua riqueza sob o sangue e suor do nosso povo. Justamente pelo enorme peso social que a classe trabalhadora e os negros têm no Brasil, a classe dominante não pode assistir passivamente a esse transbordar da negritude, seja na luta antifascista e antirracista que ganha às ruas mesmo diante da pandemia, seja com nossos dreads, blacks, Batalhas de MC´s, Tags e Grafites, rimas de Rap, poesia nos Slams, rodas de Capoeira e turbantes. Cada vez mais negros têm andado de cabeça erguida reivindicando nosso passado, nossa cultura e vários aspectos de nossa identidade.

A burguesia tenta sequestrar a enorme energia que corre nas veias das negras e negros em nosso país e tenta aprisioná-la na esfera do “empoderamento individual”, do consumo dos cosméticos afro, da representatividade dos negros na indústria cultural ou dizendo que nos basta eleger mais parlamentares negros. Por isso, nosso antirracismo deve ter uma clara fronteira de classe, já que as empresas não podem oferecer nada aos negros a não ser exploração e opressão e se utilizam da nossa aspiração por sermos representados para canalizar nossa luta para seus interesses, esse é um dos debates que abrimos ao tratar sobre a propaganda de Djamila Ribeiro para “99 táxi” na mesma semana em que os entregadores de aplicativo protagonizavam uma forte luta conta a uberização do trabalho.

Outra saída tem sido canalizar essa energia para saídas políticas de conciliação de classes, como a Frente Favela Brasil, que se propõe a ser um partido onde caberiam explorados e exploradores, oprimidos e opressores. Tentam, assim, incorporar alguns poucos de nós, nas engrenagens do sistema enquanto mantém a esmagadora maioria do nosso povo na miséria. Se por um lado reivindicamos com muito orgulho nossa identidade negra, por outro não caímos em armadilhas que podem levar a que setores do movimento negro vejam como seus inimigos os indivíduos brancos, perdendo de vista que em uma sociedade de classes os nossos inimigos são a classe dominante e o estado capitalista.

Há outros setores, como os “coloristas”, que ao tratar a identidade negra de forma completamente desligada de um combate de classes, chegam ao patamar de alimentar a divisão das fileiras dos próprios oprimidos entre negros de pele mais clara e negros de pele mais escura. Neste país de “democracia racial”, posições como esta terminam jogando contra o fortalecimento da própria identidade negra, dividindo os oprimidos. Uma das consequências é, por exemplo, defender e fazer parte de “tribunais de cor”, comissões de heteroidentificação racial que negam o direito democrático de autodeclaração em processos seletivos. Somos absolutamente contra as fraudes, porém os “tribunais de cor” que confiam nas instituições racistas do capitalismo para definir quem é ou não negro, não são o caminho para aumentar a presença negra em esferas do funcionalismo público e no ensino superior e precisamos de uma saída que de fato possa abrir vagas à toda juventude negra na educação, como é o fim do vestibular.

Algumas alas do movimento negro, por críticas, em algumas medidas corretas, à esquerda e as direções do movimento operário, chegam a afirmar que “entre esquerda e direita, eu sou preto”. Saídas como essa acabam sendo trágicas, porque, como colocamos nesse material, para acabar com o racismo é necessário adotar posições anticapitalistas, portanto, de esquerda e radicais. O povo negro sempre teve um lado, o lado daqueles que se enfrentam com a ordem existente. Foi assim contra os senhores de engenho e a escravidão e precisa ser assim contra o capitalismo.

ABAIXO O JUDICIÁRIO, A POLÍCIA E O SISTEMA CARCERÁRIO RACISTA!

O golpe institucional e o avanço de posições racistas só foram possíveis através do fortalecimento de instituições racistas e reacionárias como o judiciário. Este poder é o que legaliza a prisão em massa dos negros no país; que dá à polícia o poder de assassinar a juventude negra das periferias - nas quais morre um jovem negro a cada 23 minutos - ao mesmo tempo em que compactua com o assassinato, pelas mãos de capangas do latifúndio, de camponeses que lutam por terra; é o Judiciário que não puniu ninguém no assassinato de 111 presos no Carandiru em 1992. É o mesmo Judiciário responsável por cerca de 36% dos presos não terem tido o direito elementar de defesa, estão presos sem julgamento, somente porque essa polícia racista e assassina os colocou em um camburão. É o responsável pela prisão de Rafael Braga, enquanto mantém impunes empresários e políticos corruptos. Essa justiça burguesa que em 2018 retirou o direito da população decidir em quem votar, prendendo arbitrariamente Lula e manipulando as eleições. A mesma justiça que até hoje não respondeu: Quem mandou matar Marielle? Um assassinato cujo o Estado é responsável, um crime político, racista e extremamente covarde ainda sem solução e que representa de maneira bastante cruel o que o capitalismo tem a oferecer aos negros.

Exigimos a liberdade imediata de todos os presos sem julgamento! O Judiciário é um dos pilares do domínio desta burguesia que se mantém no poder através da opressão e repressão sistemática do povo negro. Uma parte importante da esquerda aplaudiu o golpe. Há também quem afirme que a operação Lava-Jato e o fortalecimento desse judiciário racista são coisas positivas. Essas posições são absolutamente contrárias aos interesses dos trabalhadores e do conjunto do povo negro. Uma posição anticapitalista séria precisa se apoiar nos ombros de Luiz Gama, um gigante abolicionista do século XIX, que usava todos os meios jurídicos possíveis para defender a liberdade dos negros, sabendo que a Justiça era racista e que faria de tudo para evitar que os negros obtivessem a liberdade.

Nós precisamos lutar intransigentemente contra a polícia e o Judiciário, defendendo o fim da polícia e suas tropas especiais, e das chacinas e humilhações que a polícia promove todos os dias nas periferias. Acabando com os auto de resistência e a impunidade diante da violência policial. Basta de chacinas policiais! Basta de militarização das favelas! Os presos que foram julgados tiveram suas sentenças deliberadas pelos interesses do Judiciário. Que sejam julgados pelos seus iguais, em júri popular. Liberdade plena e imediata a Rafael Braga! Justiça por Marielle!

EM DEFESA DO FUTURO DA JUVENTUDE NEGRA

Para a burguesia não é suficiente assassinar e prender o povo negro. Esse Estado, a serviço dos interesses de nossos inimigos, rouba o direito ao futuro da juventude, principalmente da juventude negra e pobre que vive nas periferias. É a juventude negra que mais sofre com o desemprego, o trabalho precário, a precarização das escolas e com a falta de direito à cultura e ao lazer. A juventude negra fica para fora das universidades públicas pelo filtro social do vestibular, enquanto as universidades particulares financiam as fortunas dos megaempresários da educação.

Arrancamos as cotas raciais nas universidades e agora o governo Bolsonaro tenta destruir essa conquista com o corte dos investimentos e maior precarização da educação. É a juventude negra o alvo prioritário das chacinas policiais, que arrancam o seu futuro como fizeram com João Pedro, assassinado dentro de casa com 70 tiros pela polícia de Witzel. Nos bairros pobres, onde o governo não oferece nenhum acesso à cultura, os jovens sofrem com a repressão aos rolezinhos, aos bailes funks e slams. Seguimos exigindo justiça pelas vítimas de Paraisópolis, por João Pedro, Guilherme, Agatha, Maria Eduarda, por cada jovem negro assassinado.
A burguesia tem medo quando a juventude toma as ruas. Não somente pelo que pode fazer, como em 2013 e agora no levante antirracista internacional, tem medo especialmente da confiança que pode transmitir aos trabalhadores. O Estado e os governantes capitalistas não têm nada a oferecer à juventude a não ser mais privações, o ensino religioso, o reacionário Projeto Escola sem Partido e a redução da maioridade penal. A crise capitalista e a pandemia revelam como esse sistema reserva a juventude, especialmente a negra, um futuro de miséria, fome e exploração.

Em defesa do futuro da juventude! Por educação de qualidade e o direito ao lazer! Basta de assassinar nossas crianças e jovens! Basta de repressão aos rolezinhos, bailes funks e slams! Abaixo a redução da maioridade penal e o projeto Escola Sem Partido! Pela real implementação da lei 10.639 de ensino de História da África! Em defesa das cotas étnico raciais, rumo ao fim do vestibular e a estatização das universidades privadas.

ORGANIZAR A LUTA NEGRA, CONTRA OS ATAQUES DOS GOVERNOS E DOS PATRÕES

Os governos também atacam os negros pela via do congelamento dos gastos com saúde e educação. A EC 55-2016, que congela gastos com saúde, educação e moradia até 2036, é um ataque direto à população negra. O governo diz que não há dinheiro. Mentira! Há dinheiro de sobra, mas que vai para os grandes bancos e os grandes capitalistas do mundo através do pagamento da dívida pública.
Cerca de 47% do orçamento da União é gasto com a dívida pública, que também atinge estados e municípios. No Rio de Janeiro, estado que tinha em sua capital o maior porto de escravos das Américas, a situação é de calamidade social. Para conter manifestações de descontentamento maiores, o governo não hesita em recorrer à militarização da cidade, através das UPPs e do exército ao mesmo tempo em que sucateia a educação, a saúde e tenta privatizar recursos essenciais, como o saneamento básico. Pelo não pagamento da dívida pública! Esse dinheiro precisa ser posto a serviço dos interesses dos trabalhadores, do povo negro e do conjunto dos oprimidos, como por exemplo com um grande plano de obras públicas para garantir moradia digna a todos.

Em meio a pandemia os patrões avançam numa retirada histórica de direitos do conjunto da nossa classe, por meio de MPs, como 936 defendidas por Bolsonaro, pelo congresso, pelo STF golpista, pelas centrais sindicais patronais legalizam as demissões e a redução salarial em até 70%. Vergonhosamente vimos a CUT e CTB mascarar esse grande ataque defendendo como se fossem conquistas da classe trabalhadora. Por isso, é fundamental denunciar o nefasto papel das centrais sindicais, que não fazem o mais mínimo e elementar para defender os trabalhadores nessa situação, seguindo a batalha nos sindicatos para que estes saiam da paralisia e construam uma Frente Única Operária, a partir da pressão da organização dos trabalhadores pela base, numa mobilização que seja em aliança com o povo negro e o conjunto dos movimentos sociais. Esta política é também em denúncia ao PT que faz uma divisão de tarefas entre o partido e Lula que tentam aparecer como mais "radicais", enquanto as centrais sindicais controlam e impedem a luta dos trabalhadores e os governadores do PT aprovaram a reforma da previdência e agora lançam mão de repressão às manifestações contra a crise e os ataques.

O Esquerda Diário é parte de uma rede internacional de diários digitais, que no Brasil alcança centenas de milhares de pessoas e está a serviço de construir essa alternativa à esquerda do PT. O Quilombo Vermelho batalhará ao lado de todos aqueles que lutam contra o racismo. Existem grupos de esquerda, alguns que fazem parte das fileiras do PSOL e PSTU ou estão em seu entorno, que lutam pelos direitos do povo negro e contra o racismo. Apesar de importantes diferenças políticas e programáticas com essas organizações como, por exemplo, a vergonhosa defesa do sistema Judiciário e a defesa do golpe institucional, o Quilombo Vermelho batalhará permanentemente para ações conjuntas que possam ampliar a luta antirracista em perspectiva anticapitalista e de independência de classe. Por isso, hoje chamamos a conformação de uma rede de trabalhadores precários, que possam se organizar na perspectiva de levantar um programa para que sejam os capitalistas que paguem pela crise.

MULHERES NEGRAS, INDIGNAÇÃO E LUTA CONTRA O RACISMO E O MACHISMO

As mulheres negras carregaram em sua pele o maior sofrimento, dor e violência da ordem escravista. Eram submetidas as mais variadas formas de violência, entre as quais os abusos sexuais e o estupro sistemático. Mas também resistiam com todas suas forças contra a opressão racista e a brutalidade da violência sexual. Foram incontáveis os casos de escravas como Zacimba Gaba, que envenenaram seus senhores para resistir aos abusos e aos castigos. Essa trajetória de dor, mas também de determinação e bravura, ficou marcada na história de Aqualtune, líder palmarina, avô materna de Zumbi que liderou tropas de 10 mil homens contra a invasão de seu reino no Congo; Dandara, líder palmarina, que dominava as técnicas de capoeira e combateu ao lado de Zumbi, seu companheiro, em várias batalhas. Após resistir de todas as formas quando foi presa, Dandara se atirou de uma pedreira para não ser novamente escravizada. Até na morte decidiu seu próprio destino. Esses, e os exemplos de tantas outras que serviram para nos fazer chegar até aqui, devem ser também inspiração para nos manter em pé e lutar!

No capitalismo, as mulheres negras suportam o peso da exploração dos patrões, a opressão de gênero e o racismo, e são tratadas como objetos sexuais. São as que mais sofrem com as condições de higiene precárias dos abortos clandestinos. Por isso gritamos aborto legal, seguro e gratuito. Não é coincidência que as mulheres negras recebam 60% a menos que o salário de um homem branco! Que ocupem a maioria dos postos do maior exército de empregados domésticos do mundo, com 6 milhões de mulheres, das quais 55% negras, e que a terceirização tenha o rosto de uma mulher negra, nordestina e imigrante, sendo elas cerca de 90% das trabalhadoras nos piores postos de trabalho. Uma expressão emblemática disso foi o caso de Mirtes, doméstica que obrigada a continuar trabalhando em meio a pandemia, perdeu seu filho Miguel, depois dele cair do 9º andar de um prédio pelo descaso da patroa que não olhou nem por um minuto o menino.

Também não vamos nos calar até descobrir quem mandou matar Marielle. Essa é uma ferida aberta do golpe institucional que segue sangrando a cada dia. Exigimos que o Estado garanta recursos e todas as condições para que uma investigação independente possa trabalhar, disponibilizando materiais, arquivos para organismos de direitos humanos, peritos especialistas comprometidos com a causa, parlamentares do PSOL, representantes de organismos de direitos humanos, de sindicatos, de movimentos de favelas, etc, que sejam parte da investigação.

As mulheres negras apresentam os maiores índices de mulheres assassinadas, vítimas das chacinas policiais, como Claudia Ferreira, Luana Barbosa, Cícera e Maria Eduarda, e todas as crianças que polícia assassina roubou o futuro. São a maioria entre as desempregadas, 27%, e 3 em cada 4 mulheres que morrem por abortos clandestinos. É por isso que, como diz o grupo de mulheres Pão e Rosas em seu manifesto. “A luta pela identidade das mulheres negras só pode ter uma resposta contundente se estiver atada à luta revolucionária para destruir esse sistema capitalista, que até os dias de hoje busca se beneficiar dos resquícios da escravidão de negras e negros (...) Para nós, esta luta é a primeira ordem e deve ser tomada pelo conjunto da classe trabalhadora”. Se no Brasil, a precarização tem rosto de mulher negra, a revolução também será feminina e negra.

A LUTA CONTRA O RACISMO E O CAPITALISMO É INTERNACIONAL

A revolução Haitiana foi uma injeção de ânimo e energia internacional para os negros escravizados, libertos, quilombolas, em todos que lutavam e tinham esperança de ser livres. Palmares também era um exemplo para os negros que se organizavam em Quilombos na América do Sul e no Caribe. Desde essa época a luta do povo negro é internacional. Com o desenvolvimento do capitalismo, em sua fase imperialista os laços internacionais se estreitaram ainda mais, tornando mais necessário do que nunca entender a luta contra o racismo e o capitalismo em seu caráter internacional. A fúria negra nos EUA comprova como o que acontece em um país influencia os outros, de uma ou outra maneira. Na década de 60 e 70 o movimento negro no Brasil foi muito influenciado pelas lutas de libertação nacional em países do continente africano como Angola, Guiné Bissau, Moçambique, Gana, entre outros e pela luta por direitos civis nos Estados Unidos, que tinha como algumas de suas referências Martin Luther King Jr, Malcolm X e os Panteras Negras.

Nos indignamos com as milhares de pessoas que tentavam desesperadamente atravessar o mediterrâneo fugindo da fome e das guerras no continente africano. Ao mesmo tempo, nos incendiamos com as manifestações dos mineiros de Marikana, na África do Sul barbaramente reprimida pelo governo. A luta antirracista que se levanta nos EUA é contra Trump e os Republicanos, mas também precisa se enfrentar com a tentativa da cooptação dos Democratas, pois não esquecemos que foi no governo de Obama que surgiu o Black Lives Matter, que a violência policial contra os negros sequer diminuiu e que dezenas de países foram bombardeados por esse governo. Nossa luta não é por mais negros no poder, para gerir a barbárie capitalista, não é para ter negros entre os grandes bilionários do mundo, enquanto a ampla maioria do nosso povo é deixada na miséria e na fome. Não é para uma suposta representatividade das empresas capitalistas, enquanto segue a exploração e a opressão da ampla maioria da humanidade.

Para triunfar, a juventude que se mobiliza em todo mundo contra o racismo e a violência policial precisa conquistar uma aliança com a classe trabalhadora, que poderá se renovar com o espírito de rebeldia dessa juventude. Para isso, o desafio é transformar os sindicatos em forças de luta que se proponham levantar um programa hegemônico na luta contra o racismo, a repressão policial e toda política imperialista. É por isso que deve lutar a esquerda verdadeiramente socialista, nos EUA, no Brasil e em todos os países, como parte da luta por uma organização política da classe trabalhadora independente de todos os partidos do regime. Promovendo a auto-organização da juventude e dos setores combativos da classe trabalhadora, com exigências aos sindicatos e entidades estudantis para que deem passos reais de luta, é fundamental para evitar que os dirigente tradicionais desviem o descontentamento para reformas mínimas que depois terminarão permitindo que tudo siga igual. A realidade política, social e sanitária permite demonstrar a necessidade de um programa que ataque os interesses capitalistas, principalmente para que a crise não seja paga pelos trabalhadores e setores populares.

Fora o imperialismo no continente africano! Pela retirada de todas as tropas do Haiti! Não ao pagamento das dívidas dos países africanos e do Haiti! Basta de barreiras migratórias na Europa! Abaixo o golpe racista na Bolívia! Os imigrantes devem ter plenos direitos civis e políticos! Basta de Racismo e xenofobia contra negros e latinos nos Estados Unidos! Pelo o fim das sanções contra a Venezuela, Cuba e o Irã! Liberdade para Mumia Abu-Jamal e todos os Panteras Negras!

O nosso nome – Quilombo – reivindica os quilombos como a expressão e o símbolo de resistência, da trajetória heroica e revolucionária do povo negro. Das negras e negros que se organizaram em todos os lugares onde o racismo se fez sentir. É sobre seus ombros que olhamos para os desafios do presente, é sobre seus ombros que olhamos para o futuro. Somos Vermelho porque somos revolucionários. Nossa luta tem como objetivo a revolução operária e socialista, onde os negros serão decisivos. Uma revolução socialista na qual os trabalhadores negros, brancos, indígenas, homens e mulheres, decidam os rumos de seu país e se transforme numa barricada na luta internacional da classe trabalhadora e do povo negro, uma injeção de força, energia e ânimo nas massas negras e oprimidas ao redor do mundo. Para isso, é necessário construir um partido enraizado na classe trabalhadora, que organize os que estão à frente das lutas da juventude e dos trabalhadores que nossa época coloca e que assim nos permita conectar com os milhões que sentirão a necessidade de lutar quando os mecanismos de contenção social já não forem mais suficientes. Um Partido revolucionário, que supere pela esquerda a experiência do PT, a burocracia sindical e a esquerda institucional, para enfrentar Bolsonaro, a extrema direita e a direita tradicional e levante um programa para fazer com que sejam os capitalistas a pagarem pela crise. Queremos um futuro livre de toda exploração e opressão, uma sociedade socialista, sem divisão de classes sociais, que só pode ser conquistada pela revolução. Essa é nossa luta presente. Para isso, erguemos esse Quilombo Vermelho. Para que a luta negra em nosso país contribua decisivamente para a luta contra o racismo e o capitalismo internacionalmente. Preparado, com esse programa e essa estratégia. Esse processo nos permitirá confluir com grupos, correntes e ativistas para forjar juntos partidos revolucionários a nível nacional e um partido mundial da revolução socialista, a Quarta Internacional, e nele temos a certeza do papel decisivo que cumprirão as massas negras.

QUILOMBO VERMELHO – composto por Militantes do MRT (Movimento Revolucionário de Trabalhadores) e independentes.




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