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UMA ARTISTA NO PATRIARCADO | Camille Claudel, a penitência do talento em um mundo patriarcal

“Após se apoderarem da obra realizada ao longo de toda a minha vida, me obrigam a cumprir os anos de prisão que eles tanto mereciam...”, escreve Camille no manicômio quando se cumprem sete anos do que ela chamava de sua “penitência”.

Natalia RizzoArgentina | @rizzotada

sexta-feira 27 de março de 2015 | 00:00

Hoje apresentamos o caso de uma artista mulher enfrentou as adversidades de uma época, combateu os convencionalismos, a academia, a instituição familiar, sua própria família para converter seu fazer artístico em uma escolha determinante, em um modo de vida: Camille Claudel.

A história da arte segue negando parte de sua vida, ocultando alguns acontecimentos, inclusive questionando sua autoria em suas maiores criações, motivo pelo qual muitas das fontes consultadas se contrapõem.

Camille nasceu em Villeneuve-Sur-Fere, ao norte da França, em 8 de dezembro de 1864.

Desde pequena mostrou interesse e aptidão para a escultura e inclusive brincava com o barro que encontrava nos jardins e esculpia pessoas próximas. Para uma jovem mulher de uma família conservadora era muito difícil o caminho que escolheu tomar: mulher e escultora. Chegou a ter problemas de saúde mental, fez pelo menos um aborto e foi amante do “grande gênio”, Rodin, que por sua vez tinha uma relação estável com Rose Beurte. Assim, batalhou contra sua família para que aceitassem sua vocação artística, já que a escultura não era atividade para as mulheres nessa época e não se encaixava nos bons costumes da sociedade burguesa. Com seu irmão, Paul Claudel, escritor, compartilhava sua sensibilidade pela arte, e foi em quem encontrou apoio. “Uma fronte esplêndida sobre uns magníficos olhos de um azul tão raro que dificilmente se encontra fora das capas dos romances”, descrevia o irmão de Camille em relação ao encanto que lhe provocava a sua beleza.

Em 1881 vão viver em Paris com sua família, que nessa época era a região da boemia, onde confluía uma infinidade de artistas e estudantes de arte. Camille se inscreve na Academia Colarossi e é Alfred Boucher quem consegue com que seja aceita. A academia Colarossi admitia mulheres como estudantes, tal como a Academia Julian. No entanto, a Academia Superior de Belas Artes, que hegemonizava os mandatos acadêmicos sobre o que devia ser exposto como obra e o que não, não admitia mulheres entre suas fileiras de formação.

Em 1883, Camille conhece Auguste Rodin, que já era um escultor de renome. Auguste lhe propôs que trabalhasse em seu ateliê. A partir dali entraram em uma tempestuosa relação, tanto amorosa como profissional, de profunda admiração. “Te beijo as mãos, minha amiga, a ti que me presenteia com prazeres tão elevados, tão ardentes, junto de ti minha alma vive cheia de força e, em sua loucura de amor, o respeito por ti está sempre acima de tudo.” Escrevia Rodin a Camille no começo de uma carta.

A obra de Camille foi muito próxima a de seu professor, trabalhou ao lado dele em muitas de suas obras mais importantes, que depois Rodin assinava sozinho. Essa relaão que os unia tanto no amor como no artístico os fez manter durante cerca de dez anos uma relação conflitiva e cheia de ciúmes.

“Sakountala”

Em 1888 Camille realiza um de seus melhores trabalhos, “Sakountala”, que está baseada em um drama hindu. Le Clos Payen foi a casa que Rodin aluguel para que ambos usassem como ateliê. Mas nunca chegou a ser uma casa conjunta, já que Rodin tinha sua companheira Rose, da qual nunca se separou. No ateliê, ambos trabalhavam lado a lado, mas fora do espaço privado Camille era considerada pela sociedade apenas como aluna de Rodin ou sua amante.

A jovem artista sofreu uma enorme subestimação. Suas obras não eram vendidas, nem recebia encomendas porque circulavam rumores de que suas produções eram feitas por Rodin. Em uma sociedade na qual se glorificava “o gênio masculino criador”, não acreditavam que fosse capaz de criar por si mesma. Suas obras eram extraordinárias, de desempenho técnico igual às de seu mestre e mentor, com uma enorme sensibilidade expressiva, mas era ele que era reconhecido e valorizado. Em um mundo patriarcal e conservador, onde os homens se beneficiavam (e continua sendo assim hoje em dia apesar do avanço na luta pelo fim da opressão às mulheres) dos benefícios desse sistema, demonstrar ter paixão, constância e aptidões artísticas desenvolvidas parecia ser impossível.

Nós, mulheres, sempre temos que fazer um esforço maior e, inclusive no caso de Camille, essa tentativa de virar o jogo e se fazer visível terminou com sua própria vida.
Camille se distancia de Rodin, a situação se complica quando, em 1892, ela engravidou e ele, que não estava disposto a assumir, a convenceu que fizesse um aborto, prometendo, uma vez mais, um casamento que nunca chegaria.

No final de 1898 têm uma ruptura definitiva. Nesse ano Camille realiza o conjunto de esculturas de três figuras, “A idade madura”, no qual se vê ela suplicando a Rodin pelo seu amor, enquanto ele se vai com outra mulher, Rose Beuret. O escultor havia a conhecido no teatro Gobelins enquanto ela trabalhava como costureira. E praticamente se pode dizer que a escravizou; usava-a como modelo, criada, enfermeira e dormia com ela à noite, mas era com Camille que se mostrava na sociedade e com quem compartilhava as viagens.

La Edad Madura

Camille Claudel afirma sua própria identidade criadora, experimenta com cenas intimistas, nas quais capta momentos da vida cotidiana. Em 1905 expõe pela última vez seu trabalho em um salão de Paris. Adoecida, começa a ter os primeiros sintomas de demência e é assediada por problemas econômicos e materiais, já que sua família não a ajudava economicamente. Alguns anos depois, em 1914, morre seu pai, com quem ela tinha uma boa relação e que se negava a interna-la, como queria sua mãe. Nesse mesmo ano, sua mãe, contrariamente aos desejos de seu pai, assina os papéis para interna-la no sanatório Ville Evrard.

Lamentavelmente, Camille viveu na mais extrema solidão a última parte de sua vida. Por ordem de sua mãe, que se sentia desonrada, não era permitido que ela recebesse visitas onde estava internada.

A maior parte de sua obra foi destruída por suas próprias mãos quando passava por profundas crises nervosas, e assim muitas de suas produções foram esquecidas. Morreu em 1943, depois de 30 anos da maior penitência à qual foi condenada: viver dentro do manicômio sozinha, sem amigos, sem sua arte.

Camille sofreu o desprezo por querer ser livre e artista, por não se dedicar ao cuidado dos filhos e das tarefas domésticas, algo impensado para uma mulher nesse momento. Sofreu os duros tormentos de Rodin e de sua própria família. Que mais podia ser uma mulher tão diferente dos estereótipos burgueses dessa época senão uma “louca”? Na Idade Média a teriam queimado em uma fogueira, hoje poderia ser uma das mulher vítimas de feminícidio por não ser propriedade privada de um homem.
Pode ser tudo o que foi, e tudo o que hoje podemos saber dela remexendo arduamente os meandros da história oculta: uma grande escultora que enfrentou a sua época com paixão e determinação.

Suas obras, ironicamente, as que foram reconhecidas e as que tornaram reconhecido o artista de “O Beijo”, hoje se encontram no Museu Rodin.




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