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TRIBUNA ABERTA | CARTA ABERTA DA COMISSÃO DE MOBILIZAÇÃO DO INSTITUTO DE ECONOMIA

Essa carta foi elaborada pela comissão de mobilização como balanço das atividades de paralisação.

terça-feira 17 de maio de 2016 | Edição do dia

A essência da universidade pública, ou seja, aquele conjunto de caracteres que melhor definem o seu projeto social – e a que aspiramos – é que esta universidade seja efetivamente pública (gratuita), acessível à sociedade (universal) e de excelência (na pesquisa, extensão e ensino). O debate consolidado sobre o assunto entende que tal essência somente pode ser garantida com a auto-afirmação da comunidade universitária, o que pressupõe sua auto-administração e, portanto, sua autonomia. Hoje o caráter da universidade pública tem sido estritamente mercadológico e é por esse motivo que devemos enfrentá-lo em nome de uma alternativa.

Desde a Constituição de 1988, a autonomia universitária tranformou-se num marco no desenvolvimento do ensino superior e da construção de conhecimentos no Brasil – através de um movimento organizado da sociedade, composto por aqueles que constroem e acreditam na universidade pública, com protagonismo dos alunos, funcionários e docentes. Lembremos que, neste contexto, o embate político em torno da questão da autonomia contou com o papel fundamental do Instituto de Economia da Unicamp (IE), que contribuiu no traçado do projeto que permitiria a gestão própria das universidades, atendendo às suas especificidades tanto no uso dos recursos financeiros como nas políticas públicas praticadas dentro dos campi[1].

No caso das universidades públicas paulistas, a luta pela autonomia e pelo ensino de qualidade é ordem do dia, tanto pelas entidades estudantis, quanto pelos sindicatos de funcionários e associações de docentes. Nesse sentido, a luta por verbas públicas para manutenção das universidades ganhou vital importância nos últimos anos. Mesmo em 2007, quando a autonomia das universidades públicas paulistas foi ameaçada por decreto do então governador José Serra (egresso do IE), a resistência e mobilização da comunidade universitária, contando com ocupação de reitoria, provou-se o método de assegurar aquela essência sobre a qual a universidade pública foi concebida.

Chegamos, então, no presente momento, a uma conjuntura nacional totalmente adversa. A recessão provocada pelo momento político-econômico impõe uma pressão sobre a auto-administração da universidade pública e, assim, põe em risco sua autonomia. Essa pressão se expressa, sobretudo, no orçamento universitário, cuja base de financiamento – no caso das universidades públicas paulistas – está, principalmente, na arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A questão do financimento da universidade é, pois, a chave para a discussão da essência da universidade a que almejamos.

Quanto ao ICMS, derivando das atividades de debate e discussão que promovemos no instituto no decorrer das paralisações, chegamos à seguinte formulação geral: primeiro, o imposto apresenta caráter regressivo, afinal, proporcionalmente, representa um ônus muito maior para a população de baixa renda, a qual já não conta com acesso amplo à universidade; segundo, o imposto confere volatilidade ao orçamento universitário, uma vez que está sujeito à atividade econômica do Estado de SP, o que varia com o ciclo econômico; terceiro, a abrangência do serviço prestado pelas universidades se expandiu, o que demanda um aumento equivalente do orçamento, garantindo a sustentabilidade do serviço prestado. Em relação à volatilidade da arrecadação, é bem verdade que, em momentos de crescimento da atividade econômica paulista, a universidade pode contar com o recurso à constituição de reservas. Já em momentos de recessão, estas reservas podem ser utilizadas para contrarrestar o efeito da volatilidade mencionada. Isto nos conduz a questionar o caráter dos contingenciamentos levados a cabo pela reitoria da Unicamp, que afeta os setores mais vulneráveis da universidade; não usa as reservas para os fins a que se destinam; não congrega todas as categorias da comunidade para decidir conjunta e democraticamente a utilização dos recursos disponíveis; e, no limite, não se pronuncia sobre os super-salários, os quais refletem a não observância às normas do teto salarial definido por lei.

Os cortes que vêm da reitoria são políticos e se conectam à conjuntura nacional. Não garantem a autonomia universitária e, ao fazê-lo, comprometem o caráter gratuito, universal e de qualidade da universidade – valores que perfazem a essência que buscamos. Paralisamos, portanto, para reunir as ferramentas necessárias e nos informamos suficientemente para intervir – igualmente de forma política – em nome de um projeto alternativo de universidade.

Para concretizar tal projeto, nos unimos ao conjunto dos estudantes, funcionários e docentes da Unicamp e tomamos por eixo a criação das cotas de acesso à universidade, bem como a ampliação dos recursos à permanência dos alunos ingressantes; problematizamos a questão da terceirização na universidade, condenando a precarização das condições de trabalho – que atingem, sobretudo, as mulheres negras; condenamos as retaliações aos alunos que, aderindo ao movimento de paralisação ou não, sofreram com a ingerência de docentes; condenamos a cultura machista, racista e homofóbica tão presente em nosso ambiente de estudos. Foi unindo-nos ao conjunto da comunidade universitária que organizamos uma série de debates e mesas-redondas, além de outras modalidades de atividades, agitando a reflexão tanto sobre os rumos da universidade pública e, em especial, da nossa universidade; quanto sobre a condição desta no longo prazo e, aí, refletimos também sobre a autoafirmação dos estudantes enquanto sujeitos deste processo, endossando o projeto de uma universidade universal e democrática.

Ressaltamos, por fim, que esta mesma autonomia conferida à reitoria – que é fundamental e legitimada através do acumulo de lutas políticas, como já destacado – torna a gestão financeira da universidade um escopo do reitorado, sujeito a decisões políticas. Desse modo, a retração econômica, surgida como justificativa aos cortes, tem em seu fundo também a ingerência anterior das contas da universidade. Ao propor o plano de contingenciamento, o Reitor toma a decisão política de congelamento da despesa em setores com condições vulneráveis, porém essenciais ao funcionamento da comunidade universitária, tal qual manutenção, infraestrutura e limpeza como também contratação de novos funcionários; propostas estas que, em última instância, auxiliam e acentuam o movimento de precarização da universidade pública e vão em direção ao projeto gradual de privatização da mesma.

Com base no exposto, concluímos com o entendimento de que a greve dos estudantes do Instituto de Economia é um recurso político legítimo da categoria para fazer frente aos cortes e, principalmente, para negociar junto à diretoria, reitoria e governo estadual nossas pautas – gerais e específicas. As pautas observadas e deliberadas possuem consistências, geradas através de uma construção ampla e democrática durante as paralisações ocorridas. O posicionamento que se surge em um Instituto em que, historicamente, se propôs a debater, questionar e sugerir um modelo de autonomia universitária precisa ressurgir, senão avançar. É necessário, através da reflexão passada e presente, criar um apontamento para o modelo de universidade, com uma nova essência que, impreterivelmente, deve ser universal, democratizada, pública e gratuita. É primordial a solidariedade dos alunos frente ao cenário de mobilização massiva e ímpar da comunidade universitária como um todo. É indispensável, portanto, o engajamento geral dos estudantes do instituto para que possamos construir, através desse meio, a garantia ao acesso e permanência na universidade daqueles que, hoje, a financiam.

“Cotas sim, cortes não! Contra o golpe e pela educação, permanência e ampliação. ”

[1] Decreto Nº 29.598, de 2 de fevereiro de 1989.


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Unicamp



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