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CRISE DOS REFUGIADOS | Breves notas sobre a escandalosa posição de Slavoj Zizek acerca dos refugiados

O filósofo esloveno, Slavoj Zizek concedeu uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo onde dá uma declaração escandalosa de uma possível solução para a crise dos refugiados.

Simone IshibashiRio de Janeiro

quinta-feira 12 de novembro de 2015 | 00:01

Pouco tempo após da explosão da crise dos refugiados, o filósofo esloveno, Slavoj Zizek concedeu uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo, que pode ser lida aqui em que defende posições escandalosas sobre o tema. Responsável por mesclar Marx e Lacan, Zizek é tido como uma das principais referências da intelectualidade de “esquerda” atual, tendo se alçado à posição de pensador pop através da utilização de sentenças polêmicas, analogias entre teorias e séries de TV, e outros recursos similares.

Politicamente foi um grande entusiasta primeiro do movimento Occupy, e depois do Syriza. Nesse terreno Zizek não se mostrou muito perspicaz ao ponto de não cair no engodo representado pelo Syriza. Mas isso não foi exclusividade dele. Muitos foram tomados pela ilusão de que seria possível responder à crise capitalista pelo alto, a partir do parlamento.

Mas agora se trata de uma situação distinta. As posições que Zizek defendeu frente à situação dos refugiados na Europa, em sua maioria fugidos da guerra civil síria, não devem em nada aos pensadores e políticos da direita. São verdadeiramente criminosas.

Militarização da Europa. Essa é a resposta de Slavoj Zizek frente ao drama vivido pelos centenas de milhares de refugiados obrigados a deixar seus países almejando chegar a países como a Alemanha, como uma via desesperada de salvar suas vidas e de suas famílias. Uma resposta formulada de maneira ainda mais explícita que a da chanceler alemã Angela Merkel. Que sem dúvida encontraria coro entre figuras como Marine Le Pen, política de ultradireita francesa, ou da organização de ultradireita Alternativa para Alemanha.

Ao invés de lutar para que os refugiados tenham o direito a uma vida digna nos países em que chegam para salvarem suas vidas, Zizek diz que “A única solução que enxergo, no curto prazo, é a militarização. Sim, você ouviu bem. O caos atual, com dezenas de milhares de pessoas andando pela Europa, sem saber onde vão ficar, é intolerável”.

O “argumento” de Zizek seria que a Europa não teria estrutura para receber os imigrantes - se não os países dentre os mais ricos do mundo, quem teria então? -, e que sua chegada seria responsável por uma “revolta populista de direita”. Em suas palavras, “o principal efeito político da onda de refugiados é o fortalecimento de políticos de direita, populistas e anti-imigração”. Bela lógica para alguém que se pretende um intelectual marxista! Defender uma política de direita para...evitar uma revolta da direita!

Vejamos o que isso significa na prática. Em primeiro lugar o que Zizek defende levaria a um aumento sem par da repressão aos imigrantes e refugiados nas fronteiras. Os condenaria ainda mais a ter que escolher entre morrer na guerra civil de seus países de origem, ou morrer tentando cruzar as fronteiras, não apenas afogados pela perigosíssima travessia, mas pelas balas dos exércitos e polícias europeias. Obrigaria os que conseguiram imigrar a viverem ainda mais oprimidos. Não é necessário ser muito inteligente para perceber que isso alentaria ainda mais a direita, por ser simplesmente parte fundamental da plataforma defendida por esses setores, e não o oposto.

Ademais, Zizek lança mão de uma manobra que não se sustenta, para defender essa posição escandalosa. Afirma que “abrir as fronteiras é uma solução errada. Pode ser chocante para você, mas a única solução realista de longo prazo é mudar a política do Ocidente. Obviamente o Ocidente é corresponsável pelo fluxo de refugiados”. Primeiramente Zizek cria uma oposição completamente artificial entre a necessidade da abertura das fronteiras europeias, e a de mudar a política do Ocidente para o Oriente Médio e demais regiões de onde provém os refugiados. Oposição que serve apenas para justificar sua posição de que os refugiados devem ser encarados como problema “dos países sunitas”, como defende na entrevista acima citada, e não da Europa.

É óbvio que a guerra civil síria, o surgimento do Estado Islâmico, e outros fatores que colaboraram para a explosão da crise imigratória foram produzidos pela política imperialista das potências que lá atuam. Sem a guerra do Iraque e a política norte-americana de alentar os enfrentamentos entre xiitas e sunitas não se pode entender o surgimento do Estado Islâmico, por exemplo. Mas desde quando isso deveria significar que os refugiados são problemas “dos outros” e não da Europa? Cabe questionar ao “realista” Zizek como ele imagina que essa mudança se operaria através de uma súbita crise de consciência de gente como Angela Merkel e Barack Obama?

Pelo contrário, as ações de solidariedade, o apoio popular e dos trabalhadores aos imigrantes em países como a Alemanha, que impediram o governo alemão de fechar as fronteiras aos refugiados, são justamente as forças sociais que podem inclusive obrigar a mudança da política do Ocidente no Oriente Médio e Magreb.

Não é de surpreender que o movimento de apoio aos refugiados e contra a xenofobia, que segue atuante na Europa, não seja sequer mencionado por Zizek. Greves estudantis em apoio aos refugiados e contra o racismo estão sendo organizadas na Alemanha, como a do colégio técnico Anna Freud em Berlim, convocada para 19 de novembro. Em 7 de novembro o partido populista de direita, Alemanha para Alemanha, teve que enfrentar-se com a resistência organizada de 3 mil pessoas, que se manifestaram contra a reivindicação de direita de que dizia “que o asilo necessita de fronteiras”. Se é certo que o populismo de direita está atuante contra os refugiados, é também certo que está havendo resistência. Qualquer “marxista” que se negue a ver isso, e que elabore suas posições buscando dar uma perspectiva a esses movimentos de combate ao racismo, não merece ser considerado sequer como progressista.

Como dizia o general prussiano Carl Von Clausewitz exagerar as forças do inimigo é a antecipação certa da derrota pela ausência da batalha. Essa máxima militar se aplica também à política. E nesse caso significa que por trás do argumento de não alentar o populismo de direita, encontra-se a visão cética e que termina sendo cínica, sobre a impossibilidade de combate-lo.

Na história houveram inúmeras ocasiões em que sob a alegação de “realismo” muitos indivíduos, e mesmo organizações políticas, da esquerda e de muito maior envergadura que Zizek que cedendo à pressão da realidade, defenderam as mais abjetas posições. Agora Zizek se soma à essa galeria de tristes figuras, clamando pela militarização das fronteiras europeias. É melhor que o autor esloveno, famoso por analisar as séries de TV povoadas por zumbis, se dedicasse mais a esse tema. Parece estar melhor familiarizado com o mundo dos mortos vivos.




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