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TRIBUNA ABERTA | Brasil no fim de ciclo dos governos “pós-neoliberais” latino-americanos

sábado 16 de maio de 2015 | 00:01

Está configurada uma conjuntura de crises no Brasil, onde se articula a crise econômica com a crise política num contexto de fim de ciclo de um conjunto de governos ditos “pós-neoliberais” na América Latina.

Para examinar este tema, esclarecemos que o tipo de crise capitalista a que nos referimos orgânica ou conjuntural, o que será abordado em termos gramscianos. Num segundo momento, estabeleceremos como a conjunção entre crise econômica e crise política marca um fim de ciclo, no só no Brasil senão também na América Latina. Posteriormente, nos referiremos ao ajuste no segundo governo Dilma, para avançar depois na particularidade deste fim de ciclo no Brasil e, ao final, afirmaremos, como uma breve conclusão, a necessidade política de construir uma alternativa independente dos dois blocos em que está divida a representação política das classes dominantes.

A crise capitalista mundial: uma crise orgânica ou conjuntural?

Nossa interpretação da crise capitalista mundial tem relação com uma leitura leninista de Gramsci e uma teoria do imperialismo também orientada pela obra de Lênin.
No estudo das estruturas, Antonio Gramsci expõe a necessidade de diferenciar os movimentos orgânicos daqueles que são conjunturais. Os orgânicos são relativamente permanentes e têm um grande alcance histórico, os ocasionais, conjunturais, dependem dos primeiros, podem levar a algumas crises cíclicas, onde se questionem os governos, as políticas ou se realize uma crítica particular, mas tem um menor alcance histórico. O problema central em política, segundo o comunista italiano, é poder diferenciar os movimentos orgânicos dos conjunturais, já que confundi-los si é um erro grave na historia, quando se procura reconstruir o passado, é muito maior em política, onde o que se procura é construir a historia presente e futura.

Nossa primeira hipótese, em relação à crise capitalista mundial de 2008 seguindo a Gramsci, é que estamos frente a uma crise orgânica, não só a uma crise conjuntural, não só frente à crise de una forma de capitalismo, à do modelo do capitalismo neoliberal, senão frente a uma crise geral do capitalismo.

É real que o capitalismo não pode garantir sua reprodução sem crises cíclicas, embora, nem toda crise cíclica do capitalismo seja uma crise cíclica mais, algumas são, mais profundas, são orgânicas. Não estamos frente a uma situação onde após um período normal de expansão segue um período de crise para ter logo um novo período de expansão e assim por diante. Sendo esta crise de natureza orgânica, é possível por em discussão o conjunto do modo produção.

A crise se inicia no coração da principal potencia imperialista mundial, os Estados Unidos, e se desenvolve com ritmos diferenciados, de forma desigual e combinada por todo o planeta. Temos, assim, uma crise que não se inicia nos países capitalistas semi-coloniais e que se expande muito rapidamente, primeiro à Europa, depois ao Norte de África e, de forma um pouco mais tardia, chega com violência à América Latina.

América Latina: crise econômica e crise política marcam um fim de ciclo

Aqui temos uma segunda hipótese: o ritmo do impacto da crise capitalista mundial nas formações econômico-sociais latino-americanas tem relação com o fim de ciclo em América Latina que foram denominados “pós-neoliberais”.

A crise econômica tem relação com as crises políticas e isso é um indicador de fim de ciclo. Durante os últimos anos – por detrás de discursos “neodesenvolvimentistas” no Brasil e Argentina; nacionalistas ou do socialismo século XXI na Venezuela chavista; em defesa de um capitalismo andino ou de um socialismo comunitário usados como sinônimos na Bolívia ou um discurso anti-exclusão no Chile – , nos encontramos, que depois de um crescimento econômico baseado fundamentalmente na exportação de matérias primas, diante de uma extensa reprimarização das economias latino-americanas. Neste sentido, a queda do preço das matérias primas no mercado mundial capitalista – uma realidade que os governos latinoamericanos não têm controle e é fato que nenhum deles questiona a divisão internacional do trabalhão imposta pelo imperialismo – é inexorável.

A crise econômica impacta com força e acaba com esses discursos por meio do qual se ocultava a reprimarização real das economias; inclusive, na Venezuela, para alguns o processo mais avançado na região, não se supera o modelo rentista petroleiro e se praticam ajustes. Essa cisão entre os discursos e a realidade faz que esses governos ataquem importantes setores de sua própria base social e sofram um desgaste político 3 importante. Mesmo ganhando eleições, os governos ditos “pós-neoliberais” estão mais fracos, golpeados por escândalos de corrupção; é suficiente observar o caso de Michel Bachelet que demitiu a totalidade de seu gabinete a inícios de maio de 2015 ou os desdobramentos do caso Lava-Jato no Brasil. Nestas situações, de forma um pouco mais ou menos organizada, as saída política, mesmo entre aqueles que aspiram a continuidade destes governos se dão por direita. Por exemplo, podemos mencionar que no caso da Argentina, o pré-candidato mais forte do projeto kirchnerista para suceder a Cristina Kirchner, é Daniel Scioli, governador do estado de Buenos Aires; uma figura de direita que liga seu ingresso na política à Carlos Menem, o ex-presidente argentino quem durante seu mandato entre os anos 1989 e 1999, aprofundou o modelo neoliberal.

Segundo governo Dilma: ajuste contra os trabalhadores no marco de uma crise econômica e política

Desde meses antes do inicio do segundo governo de Dilma, o conjunto dos poderes da republica burguesa parece haver realizado uma divisão de tarefas para atacar de forma sistemática e simultânea os trabalhadores. O Poder Executivo, o governo Dilma – Levy junto com o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e seus aliados – buscam realizar um ajuste contra os trabalhadores com as Medidas Provisórias (MP) 664 e 665, que mudam as regras para a concessão de benefícios sociais como previdenciários, auxílio-doença e pensão por morte e trabalhistas, como o seguro-desemprego e o abono salarial. O Poder Legislativo com o Projeto de Lei (PL) 4330, das terceirizações, que não é outra coisa consagrar a maisvalia absoluta com força de lei. E o Poder Judiciário julgando substantivamente a matéria sobre a constitucionalidade das Organizações Sociais (OS), que é uma das formas de garantir a terceirização no setor público.

O conjunto das frações das classes dominantes está unificado e sua preocupação central é que seja aprovado o ajuste de Dilma. Podem existir críticas pontuais ao governo, mas a preocupação central não é o impeachment da presidente, mas como se implementa e se aprofunda o ajuste do governo. Isso é o que chamamos de consenso direitista e é o que unifica a classe dominante, seus jornais, o governo e seus partidos e a oposição de direita, muito mais que um processo de desestabilização política num contexto de mobilizações que podem saber como se inicia, mas que depois das jornadas de junho de 2013, não tem controle político de como pode acabar. Logicamente que a 4 situação política no Brasil continua instável, pelo aprofundamento da crise econômica e a evolução dos escândalos de corrupção na Petrobras e as próprias mobilizações, paralisações e greves podem mudar de forma qualitativa o cenário político.

Mas a oposição de direita enfrenta um problema, pois não tem um programa alternativo ao programa de ajuste de Dilma e o PT; isso explica o esvaziamento de suas manifestações; por outro lado, as centrais sindicais dirigidas por forças governistas – mais preocupadas em blindar a Dilma do que defender os interesses dos próprios trabalhadores –, convocam, burocraticamente, obrigados pelas suas bases, duas paralisações nacionais nos primeiros meses de governo (15 de abril e 29 de maio de 2015) em um contexto onde se aprofunda a crise econômica e crescem em termos quantitativos os conflitos e as greves no país.

Em nossa leitura, a preocupação central das classes dominantes não é o impeachment da presidente, mas como se implementa e se aprofunda o ajuste, pois, é contrária a de vários intelectuais e acadêmicos que se consideram críticos, até marxistas; entendo que suas formulações em muitas ocasiões são profundamente impressionistas na analise da conjuntura o que leva a conclusões políticas, de forma mais ou menos direta, que o único que podem fazer os trabalhadores e a juventude é apoiar o governo Dilma Rousseff.

Fim de ciclo petista no Brasil

Quando falamos de fim de ciclo do governo petista inicialmente, nós estamos referindo, entre outros, a cinco elementos que se relacionam:

Em primeiro lugar há uma subestimação do impacto das jornadas de junho de 2013 e sua pauta progressiva que não foi resolvida. O PT em junho de 2013 perdeu o monopólio das ruas, mas também o conjunto do regime político ficou abalado e se demonstrou que para obter alguma coisa é preciso se organizar e lutar nas ruas.

Um segundo aspecto é que as bases sociais de reprodução do petismo em geral e do lulismo em particular, incluindo nele também ao governo Dilma estão abaladas com a crise econômica. Na linha do que apresentávamos na primeira parte deste artigo, durante os anos 2003-2008, o Brasil, assim como todos os países, cada um com suas especificidades em termos de formação econômico-social concreta, tiveram um crescimento econômico relativamente homogêneo, fato que conclui com a crise capitalista do ano 2008.

Enquanto os impactos da crise se manifestam de forma diferenciada em termos geográficos e temporais, é inegável que no último período a crise impactou com força na América Latina e no Brasil, bem longe da “marolinha” com que o ex presidente Lula havia se referido a esta. Estes movimentos na estrutura abalaram as bases sociais da mencionada reprodução política. Isto nos permite explicar porque, embora tenha conseguido um triunfo eleitoral, o segundo governo Dilma está bem mais fraco que no seu primeiro mandato. Nas eleições ficou evidente a dificuldade do Partido dos Trabalhadores (PT) de manter seus patamares históricos em termos de votação e seu enfraquecimento político no Estado de São Paulo, centralmente em seus bastiões operários fundacionais.

Nesta situação um terceiro elemento que podemos mencionar é que as políticas de ajuste do governo atacam suas próprias bases sociais o que tem um custo político alto a curto, médio e longo prazo.

Um quarto elemento é que a fórmula petista originária da construção de um partido não leninista nem socialdemocrata, com a incorporação de interpretações parciais de Gramsci e Rosa Luxemburg, interpretações democratizantes e não revolucionárias, na tentativa de uma democratização sem ruptura do Estado no marco de um programa democrático popular, se esgotou nos limites nos limites estruturais das possibilidades de ação política nos marcos do Estado burguês e da governabilidade. Isto vale também para fórmulas neo-reformistas em Europa como Syrisa na Grécia e Podemos na Espanha.

Um quinto elemento é a recomposição das lutas da classe trabalhadora no Brasil, com greves como as dos professores em Paraná e São Paulo ou a dos garis em Rio de Janeiro superando suas direções, o que dificulta o papel de contenção assumido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Central dos Trabalhadores Brasileiros (CTB) e sua defesa da política dos governos petistas no interior da classe trabalhadora.

Os desafios da esquerda no fim de ciclo: entender que a política do “mal menor” é o caminho mais curto para o pior

Nesta conjuntura complexa, onde se articulam crise econômica e crise política é preciso delimitar-se politicamente do governo Dilma do PT e da oposição de direita, tentando superar essa falsa polaridade entre dois blocos burgueses, na medida em que se apresenta como possível e necessário a construção de uma saída pela esquerda no país, um terceiro espaço político (nenhuma relação com a idéia do sociólogo Antony Giddens, de “terceira via”). Isso é um desafio para Brasil, mas também para o resto dos países da América Latina e tem relação com a articulação de uma decidida intervenção na luta de classes que se expressa politicamente de diferentes formas. No caso de Argentina, por exemplo, temos, no plano eleitoral, três fatos políticos relevantes, neste ano, realizado pelo Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT). Excelentes resultados eleitorais no estado de Salta no Norte, no estado de Neuquen onde um operário da fábrica recuperada Zanon, hoje Fabrica Sem Patrões (FASINPAT), Raul Godoy do Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) foi eleito deputado estadual duplicando a representação parlamentaria do FIT e o caso do atual deputado nacional Nicolás del Caño também do PTS, no estado de Mendoza, em particular na eleição para a prefeitura da capital. Del Caño merece um comentário aparte, pois protagonizou junto ao FIT um fato histórico: realizou a eleição mais alta da esquerda revolucionária para um cargo executivo desde a reabertura democrática em 1983. Com o 17 % dos votos ficou em segundo lugar na quinta cidade do país quebrando a falsa polaridade entre a oposição de direita e um kirchnerismo cada vez mais à direita, que foi relegado a um terceiro lugar pelo FIT.

Esse fato potencializou sua pré-candidatura presidencial de Nicolás del Caño dentro
do FIT. É um exemplo que com a intervenção na luta de classes se podem ocupar cargos institucionais, mas a serviço dessas lutas não do fortalecimento do regime, bem diferente da experiência petista e também do PSOL, que onde governa, em Macapá, utiliza os espaços institucionais respondendo da mesma forma que os partidos patronais frente à greve dos professores.

Os desafios políticos da esquerda no Brasil têm suas especificidades sem dúvidas. Neste país, em abril do ano 2015, sobre a base da ex-Liga Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional (LER-QI) – foi constituída o Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT) que junto com o mencionado mais acima PTS da Argentina entre outros partidos faz parte da Fração Trotskista – Quarta Internacional (FT-QI). Concordamos com a caracterização que realizam quando afirmam que é preciso construir um novo tipo de partido no Brasil a partir de um balanço político do fracasso das estratégias petistas que misturavam elementos reformistas com a possibilidade de democratização interna do Estado Capitalista. Este novo partido deverá ter uma visão ofensiva do marxismo e se constituir em uma organização de combate da classe operária e a juventude com um programa revolucionário, fusionando as idéias marxistas revolucionárias com a vanguarda da classe operária brasileira na luta pela revolução operária e socialista internacional.

Enfim, é preciso entender que não existem os atalhos na luta de classes, nem na América Latina nem no Brasil nem no mundo e nosso desafio é formulado nos termos do militante trotskista Daniel Bensaid: não nos fechar na lógica binária dos campos (neste caso a falsa polaridade PT-PSDB) que tem como resultado uma política do “mal menor” que constitui o caminho mais curto para o pior.

*Artigo originalmente publicado no blog Marxismo21 http://marxismo21.org/wp-content/uploads/2015/05/Conjuntura-Gonzalo-Rojas.pdf.

Foto: IG.


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