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ANÁLISE | Bolsonaro vai cair?

A permanente crise política no país ganhou novos episódios com o surgimento das denúncias que apontam para atos de corrupção no Ministério da Saúde, em especial na aquisição de vacinas, e ainda por cima envolvendo as digitais de uma importante figura do Centrão e, no mínimo, a condescendência de Bolsonaro.

Danilo ParisEditor de política nacional e professor de Sociologia

terça-feira 29 de junho de 2021 | Edição do dia

A combinação do tema da corrupção associada com a pandemia, colocaram ingredientes com potencial explosivo no país. A intensidade dos seus efeitos, danos, como impacta nas forças políticas, e na dinâmica política-social do país, é o que analisaremos neste artigo, e partir desses apontamentos vamos delinear alguns cenários que busquem apontar elementos para a resposta que todo mundo quer saber, afinal de contas, Bolsonaro vai cair?

As denúncias são bala de festim ou de prata?

As denúncias e evidências, trazidas pelos chamados “irmãos Miranda” - um funcionário concursado do departamento de logística da Saúde, responsável pela importação de vacinas, e o outro deputado Federal pelo DEM - não são poucas, e fizeram com que muitos analistas dissessem que agora sim havia se encontrado o “Fiat Elba” do governo Bolsonaro, em referência ao caso que foi a gota d’água para o impeachment de Collor. A comparação, por um lado, busca alentar uma análise que agora, enfim, o impeachment pode deslanchar; por outro, diz respeito à possibilidade de se comprovar que há corrupção no interior do governo, e com cifras graúdas.

Fato é que as atuais denúncias não parecem ser uma bala de festim, e seu dano tem potencial para gerar estragos no Planalto, uma vez que a bandeira contra a corrupção foi um dos principais ativos para eleição de Bolsonaro. São fortes os indícios de corrupção que mostram uma preferência e um interesse fora do comum de membros do Ministério da Saúde, junto ao principal denunciado de ser o operador do esquema, o deputado Ricardo Barros, do PP e líder do governo na Câmara, na vacina indiana Covaxin.

Entre os fatos denunciados, elencamos os mais importantes: pressão para importação da vacina inclusive com ligações nos finais de semana; nota fiscal (chamada de invoice) diferente do contrato, com números de doses diferentes, feitas inclusive por um Coronel indicado por Pazuello e uma superior nomeada por Ricardo Barros; previsão de pagamento integral e antecipado de 45 milhões de dólares, com pagamento para uma empresa offshore em um paraíso fiscal que tem patrimônio de mil dólares com uma sede que mais parece uma lojinha de artesanatos; superfaturamento no preço das doses; importador responsável por pagar multa e seguro que não estava no contrato, diferente de todos os outros já firmados até agora, agilidade para assinatura do contrato, enquanto a Pfizer demorou 11 meses, a Covaxin apenas 3; existência de uma empresa atravessadora no Brasil (Precisa), com empresários já envolvidos em casos suspeitos com o ministério da saúde.

Mas a “cereja do bolo” é o envolvimento do próprio Planalto no esquema todo. Luis Miranda, o deputado, relata que foi até o presidente junto com seu irmão no dia 20 de março apresentar esse conjunto de fatos suspeitos, reunião que Bolsonaro não desmente, e que os Miranda, ainda que não afirmam, insinuam que podem ter gravado. Nele, como foi revelado à CPI, Bolsonaro teria dito que isso era coisa do Barros, e que acionaria a Polícia Federal para investigar. No entanto, nenhum pedido foi feito, e apenas nessa sexta-feira, durante sessão da CPI com a presença dos irmãos, que o inquérito de investigação foi aberto. Não bastasse isso, o próprio Flávio Bolsonaro, foi o mediador de um encontro com o empresário atravessador com o BNDES para a disponibilização de linhas de crédito, o que reforça as ligações do clã Bolsonaro com o próprio esquema.

Essa montanha de evidências aponta para um escândalo qualitativamente superior aos que já surgiram no governo Bolsonaro. Vários deles, como os cheques de Queiroz para a primeira dama, as rachadinhas, o laranjal nas eleições que envolvia o Ministro do Turismo, o caso de Salles envolvendo contrabando de madeira ilegal, entre outros, não alcançaram a capacidade de dano que o atual pode atingir. Tanto pelos valores que envolvem as suspeitas, como pelo contexto no qual estão inseridos, nesse caso a compra de vacinas em uma pandemia que já ultrapassou as 500 mil mortes segundo as cifras oficiais ligou o alerta vermelho no governo.

O golpe foi sentido, e as primeiras reações exaltadas expressam isso, como de Onyx Lorenzoni, que deu uma declaração oficial em resposta às denúncias em tom de ameaça contra os denunciantes, com um conteúdo que mais lembrava os filmes de máfia.

No entanto, ainda não está claro se as munições podem aumentar o poder de fogo, ou seja, se configurar como uma bala de prata que pode impor um debilitamento irreversível ao governo. Estamos por ver ainda os próximos capítulos, como a sessão da CPI que irá investigar o empresário da Precisa, o possível depoimento da ex-mulher de Pazzuello que se ofereceu a falar na CPI - inclusive já dando declarações fortes dizendo que o ex-marido declarou que na crise de oxigênio em Manaus, por ele, só comprava saco -, e mesmo se os irmãos Miranda possuem outras denúncias, que eles já vêm insinuando que podem apresentar, como por exemplo na aquisição de testes para Covid.

Por outro lado o bolsonarismo já começa produzir sua contra narrativa, recuperando medidas provisórias assinadas por membros da CPI que pediam agilidade da Anvisa para acelerar o aval para a importação da Covaxin, junto a outras vacinas. Para manter a base dura coesa em torno do presidente, medidas assim podem até ter algo nível de eficácia, no entanto não parece ser suficientemente forte para conter os danos.

A CPI, que estava perdendo força, diminuindo sua atratividade no último período, recebeu um importante fôlego com as últimas denúncias, inclusive irá prorrogar seus trabalhos, para seguir desgastando o governo, enquanto promove uma ala do regime político que busca se apresentar como responsável diante da pandemia, e esconder que foram os responsáveis para que o país chegasse a atual situação, afinal, foram eles apoiadores do golpe institucional e de inúmeros ataques contra os serviços públicos, e em especial a saúde, como a emenda constitucional do teto de gastos, que cortou bilhões da saúde anualmente.

Quem são os irmãos Miranda?

Na história dos últimos grandes escândalos de corrupção, sempre surgem nos holofotes figuras “peculiares”, para se dizer o mínimo. O tresloucado Roberto Jefferson, Pedro Collor de Mello, o caseiro Francenildo, são apenas algumas das figuras obscuras e que emergem com alguma notícia bomba que por consequência se desdobram em crises maiores. Dessa vez, Luis Ricardo Miranda e Luis Miranda são os pivôs do novo escândalo e teriam até prometido que iriam “derrubar a República”, entre outras frases altissonantes, de que esse era o maior escândalo de corrupção da história.

Munidos de uma bíblia e com colete a prova de balas, os irmãos chegaram à sessão da CPI que, além de apresentar os documentos e notas fiscais suspeitos, entregaram o nome de Ricardo Barros. Os objetivos elevados, por assim dizer, dos denunciantes, indicam que há setores de mais peso nos bastidores dessa movimentação.

Luis Ricardo, o funcionário público, parece não ter grande aptidão para comunicação com o público. Seu papel principal é como testemunha, em um posto chave no ministério da Saúde. Já seu irmão, Luís Miranda, é deputado federal, eleito em 2018 pelo DEM. Ficou famoso sendo youtuber nos EUA, ensinando as pessoas a empreenderem, e conquistando o passaporte para viver o “sonho americano”. Reconhecidamente como um bolsonarista e entusiasta da Lava Jato, foi um dos primeiros a desembarcar da candidatura de Baleia Rossi, e apoiar Arthur Lira nas eleições para o Congresso, candidato preferencial de Bolsonaro.

O primeiro meio de comunicação escolhido para ser o porta-voz preferencial de suas denúncias e entrevistas, é a mídia lavajatista O Antagonista-Crusoé, que tem entre um de seus sócios fundadores, Diogo Mainardi. Antigo articulista da Veja, o jornalista, é um dos que aparecem nos documentos vazados pelo WikiLeaks em 2010, como um informante e correspondente do cônsul dos EUA no Brasil. Sua mídia, foi uma das responsáveis por dar expressão para Bolsonaro nas eleições, no entanto, conjuntamente com a saída de Moro do governo, passa a se localizar como uma oposição de direita ao governo.

É chamativo que a primeira denúncia pública tenha sido feita a esse veículo, e a primeira entrevista após a sessão da CPI, tenha sido feita para a mesma mídia. Nessa entrevista, o deputado é bem elogioso à operação Lava Jato, que ficou conhecida por promover inúmeras arbitrariedades, com objetivos evidentemente políticos.

“Terceira via” e imperialismo por trás dessa nova crise?

Considerar que as ações dos irmãos, são simplesmente pela sua própria consciência, seria no mínimo ingênuo. Se é um fato que a corrupção é inerente ao capitalismo e que permanentemente irriga os interesses que cruzam diferentes governos, a expressão e a tônica que cada caso assume, diz muito sobre os interesses que os acompanham.

É pública e notória a falta de predileção do governo Bolsonaro pelas vacinas norte-americanas. Como foi revelado, foram por volta de 85 emails e quase um ano de negociações com a gigante nova iorquina para que as primeiras vacinas chegassem de lá ao Brasil. A chamada “diplomacia das vacinas”, para além do seu valor econômico, é um fator chave para a geopolítica internacional, e eram declaradas as novas movimentações do governo Biden para reconquistar um terreno que estava sendo ocupado ofensivamente pela China, através da doação de doses de vacinas. Sem dúvida, a postura do governo brasileiro diante das vacinas americanas, era um fator que, no mínimo, gerava muito desconforto na Casa Branca. Ao mesmo tempo que Miranda denunciava as relações entre o governo brasileiro e a Covaxin, em suas redes exaltava a doação de milhões de doses da outra gigante americana Johnson e Johnson, articulada pelo embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman.

Somado a tudo isso, o Antagonista tem evidentes relações e é uma correia de transmissão do departamento de Estado americano. A própria Lava Jato, foi impulsionada e apoiada pelo Partido Democrata. Os mesmos que nunca estiveram muito satisfeitos com a presença declarada de apoiadores de Trump, dentro do governo brasileiro.

Globalmente, os interesses do Partido Democrata buscam dirigir o destino do bolsonarismo. Desde a eleição de Biden, foi colocado em curso uma operação de “destrumpização” do governo Bolsonaro. Ao mesmo tempo que não interessava ao imperialismo dos EUA desestabilizar um governo no maior país da América Latina, tão pouco era de seu interesse manter figuras diretamente associadas ao ex-presidente republicano. Um a um, a chamada “ala ideológica” trumpista foi caindo, Weintraub, Ernesto Araújo e recentemente Ricardo Salles. Esse último inclusive com ações diretamente envolvendo os EUA, uma vez que toda a madeira apreendida que levou à denúncia contra o ex-ministro tinha destino em portos americanos. Talvez não seja uma coincidência que sua renúncia ocorra simultaneamente ao escândalo com a Covaxin.

A interferência da Casa Branca, por vias diretas e mais comumente indiretas, se resume, por ora, em aproveitar ao máximo os ajustes econômicos antioperários que Bolsonaro e Guedes possam fazer, e garantir uma transição pacífica em que Bolsonaro não se reeleja em 2022, e seu desgaste dê espaço a uma alternativa de direita alinhada ao partido democrata, e não a Trump. Para isso, muitos artifícios vieram sendo testados; a operação da CPI, bem examinada, segue os passos da política Democrata antes das eleições presidenciais de 2020, em que através de sua maioria na Câmara dos Representantes os Democratas lançaram mão de um longo processo de desgaste contra Trump (no caso estadunidense, envolvendo inclusive a abertura do processo de impeachment, que não tinha como objetivo terminar e sim desgastar o Republicano). O bombardeio institucional contra Trump foi robustecido pelos efeitos do Black Lives Matter e a luta de classes nos Estados Unidos, decisivos para a derrota de Trump. No Brasil, Biden quer a “pressão máxima” nos bastidores, aparando as arestas trumpistas na política brasileira, para reduzir ao mínimo a possibilidade de que Bolsonaro questione uma eventual derrota eleitoral, como vem fazendo o fujimorismo peruano, negando o triunfo eleitoral de Pedro Castillo (Biden já declarou que as eleições no Peru foram “perfeitamente legítimas”, um anúncio antecipado contra Bolsonaro, para manter seus interesses imperialistas no Brasil). O que não parece estar em sintonia com os planos de Biden é a fraqueza da direita tradicional, que provavelmente não sustentará qualquer perspectiva de disputar um segundo turno com Bolsonaro. Lula, que vem aparecendo nas pesquisas como o único capaz de derrotar Bolsonaro, tem por outro lado a confiança de setores do establishment bipartidário estadunidense, que submeteram o Brasil aos desígnios de Washington durante todos os 13 anos de governo do PT, embora não admitissem o fortalecimento das “global players” brasileiras no cenário internacional.

A oposição de direita neoliberal ao governo Bolsonaro, também está eufórica com as denúncias, e pode ser parte daqueles que está no apoio aos irmãos Miranda. Diante das últimas pesquisas, com Lula já com a vaga no segundo turno, no mínimo, garantida, vêm ganhando cada vez mais força a tese de que para que a terceira via possa ter alguma chance, Bolsonaro precisa derreter mais, e liberar o seu lugar no segundo turno.

Rodrigo Maia já vinha alimentando essa opinião, e agora Amoedo (Novo) e Eduardo Leite (PSDB), se reuniram logo após as denúncias, onde o primeiro declarou que “fiz a ele uma observação sobre a importância, na minha avaliação, da defesa do impeachment.” Outros setores como o MBL e o Vem pra rua, voltaram com força a defender o impeachment em suas redes, e com suas figuras, partindo do mesmo cálculo político-eleitoral.

É a partir desses interesses que se pode compreender as movimentações dos irmãos Miranda em comprometer Bolsonaro, com a reunião no dia 20 de março que declararam ter feito com o presidente. Com o que tinha em mãos poderiam vir a público e gerar algum desgaste localizado, ou que o alvo fosse apenas Barros. No entanto, ao se reunir com o presidente, eles acabaram por comprometê-lo, fato que agora pretende ser enquadrado como prevaricação, e com notícia-crime que já foi encaminhada ao Supremo por alguns senadores.

Barros ter sido um dos alvos da denúncia também aponta para um tentativa de debilitamento maior do governo. Ele é uma figura proeminente do Centrão, foi figura de destaque no Congresso de distintos governos: líder do FHC, vice-líder dos mandatos de Lula e Dilma, e chegou a ser ministro da Saúde de Michel Temer. Além disso, foi o principal responsável pelo embarque desse setor no governo, se tornando líder do governo na Câmara em agosto do ano passado. A relocalização de Bolsonaro junto ao Centrão, para que ele se transformasse em base de sustentação e estabilidade para seu governo, se iniciou com a entrada do general Braga Neto na casa Civil, em fevereiro de 2020, e que teve como um de seus capítulos o desembarque de Sérgio Moro do governo, figura que seria um obstáculo para reaproximação entre governo e o Centrão. Diante disso, Bolsonaro preservar Barros como consta na denúncia dos irmãos Miranda, faz sentido diante da política do governo e de sua crescente dependência do Centrão.

Ainda, não é descartado que alas do próprio Centrão possam ter alentado, ou ao menos não ter feito esforços para impedir, as denúncias dos irmãos Miranda. O deputado denunciante, inclusive, declarou que consultou Arthur Lira antes de deflagrar a denúncia, e teria recebido como resposta que se tivesse algo errado, deveria denunciar. Lira e Barros tiveram desentendimentos e disputas sobre quem manteria relação privilegiada com o Planalto, e o desgaste do “competidor” pode ter efeitos benéficos ao atual presidente do Congresso para concentrar mais poder em suas mãos.

A dinâmica das mobilizações e a política do PT

Fruto da enorme crise econômica, social e sanitária que assola o país, as mobilizações começaram a ocorrer após um longo período. No 29M e no 19J, assistimos milhares de pessoas, em centenas de cidades se mobilizarem contra o governo e sua condução da pandemia.

No entanto, a política dessas direções nunca foi promover uma agenda de mobilização que pudesse ferir a morte o governo, porque isso poderia levar a efeitos indesejados. Com a continuidade dessa situação, e assim como mostram as pesquisas, é benéfico ao PT que Bolsonaro siga sangrado até 2022, porque garante ao Lula o primeiro lugar nas intenções de voto, disparadamente na frente dos outros concorrentes. A Frente Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo, UNE, CUT e CTB, estavam com um calendário que pretendia promover ações de rua de desgaste contra Bolsonaro, mas sem envolver a classe trabalhadora com seus próprios métodos. É por isso, que após o 19J, inicialmente marcaram a primeira manifestação para mais de um mês depois, no dia 24 de julho. No entanto, com a recente crise, a pressão de diversos setores sociais foi tamanha, que essas organizações foram obrigadas a antecipar as mobilizações para o próximo dia 03, um sábado. Inclusive, diante desse fato novo e da sensação que o governo está mais enfraquecido, é possível que as manifestações ganhem mais força e mais adeptos, e não à toa é chamada para um final de semana pelas direções de massas, justamente para impedir que haja qualquer possibilidade de que existam paralisações e greve impulsionadas pelos trabalhadores.

Ao mesmo tempo, com a pauta da corrupção entrando na cena nacional não está descartado que setores mais à direita possam começar a ter movimentos mais ativos. Foi tragicômica a declaração de Ivan Valente, deputado federal, e que é parte das forças majoritárias que dirigem o PSOL, que até o MBL seria bem-vindo nas manifestações, mostrando que há disposição inclusive de alas da “esquerda” para isso.

Esses fatos apontam, para que exista um fortalecimento da política da frente ampla, que inclui setores da direita para uma coalizão eleitoral contra Bolsonaro. Assim como Lula vêm fazendo, se reunindo com velha figuras da direita e do Centrão, assim como outras figuras como Freixo, que foi ao PSB para ter uma localização melhor para compor essas alianças, com a pauta anticorrupção é provável que essa confluência aumente, e que inclusive seja uma pressão mais a direita sobre as manifestações.

Parte central dessa política será o ato do chamado "super pedido impeachment", no dia 30 em Brasília, onde organizações que vão do PSOL, PSTU e PT, até o MBL e figuras grotescas com Joice Hasselmann e Alexandre Frota, vão estar unificados para essa ação que irá buscar os pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Essa bandeira, irá ganhar mais peso na opinião pública, justamente pela atuação desses setores.

Enquanto a oposição de direita se embandeira mais do impeachment, é chamativa a postura de Lula em suas redes e declarações. Alguns esperavam que ele, que foi acusado por corrupção, e foi preso pelas operações manipuladas do judiciário, estivesse altissonante acusando a corrupção do atual governo. No entanto, não é essa sua postura. Ao contrário, ele vêm ignorando o fato político, e enquanto a direita neoliberal se embandeira do impeachment, essa é uma palavra que raras vezes vimos os ex-presidente pronunciar. Tudo isso tem um motivo. Lula sabe que as denúncias o fortalecem objetivamente, no entanto não interessa ao representante do PT uma dinâmica destituinte, na qual Bolsonaro não possa concorrer, e que isso possa abrir espaço para realocação de forças, e o surgimento de outra figura que possa ameaçar sua dianteira na projeção para a corrida presidencial de 2022.

Primeiras conclusões, afinal de contas, Bolsonaro pode cair?

A partir de tudo que foi exposto, não parece haver, por ora, uma conjunção de fatores para abrir um cenário destituinte, ou seja, que Bolsonaro caia. Ainda que essa hipótese não possa ser descartada conforme evoluam os acontecimentos, outros fatores ainda precisam se colocar com mais força para que uma dinâmica desse tipo ocorra.
Em primeiro lugar, mesmo com a condução da pandemia desastrosa, e com os altos índices de desemprego e fome, Bolsonaro ainda vem conseguindo manter uma base de apoio que oscila entre 20% e 25% da população. Ainda que essa dinâmica esteja gradativamente em queda, e uma base na qual ele se apoia e inclusive promove ações em torno de uma base mais dura, como as motociatas, e promete benesses para policiais, para contar em seu favor um contingente de ultradireita que estaria disposto a bancar sua sustentação. Será importante acompanhar o comportamento do eleitorado que considera o governo regular, que pode estar mais suscetível aos impactos do novo escândalo de corrupção.

Além disso, não parece haver um desembarque do Centrão do governo, hoje um dos pilares para que o governo se sustente. Atualmente, esse setor recebe muitos benefícios do governo, irrigados por vultosas cifras de emendas parlamentares, como ficou conhecido no caso do orçamento secreto, além de seguir aprovando projetos que os beneficiam. A inclusão dos chamados "jabutis" na privatização da Eletrobrás é um exemplo disso, com a inclusão do uso de termelétricas e construção de gasodutos que interessam oligarquias regionais vinculadas ao Centrão. Além disso, não é ruim a dinâmica de um enfraquecimento do governo para esse setor, uma vez que fica mais dependente dele para se manter, o que também “aumenta o preço” para seu apoio. Também é chamativo que 11 partidos, incluindo o PP que é uma figura chave para o governo, tenha assinado uma declaração contra o voto impresso, política central de Bolsonaro para questionar as eleições e uma eventual derrota, o que também mostra que esse setor tem seus limites quando ao projeto bolsonarista e que estará sujeita a inflûencias quanto mais se aproximam as eleições.

Em relação aos militares, que são um outro sustentáculo de Bolsonaro, têm interesses materiais no governo, além de forte afinidade ideológica. Todo o episódio envolvendo Pazuello, com sua não punição, foram amostras fortes nesse sentido, e também é parte da jogada americana que, ao mesmo tempo que “destrumpiza” o governo, vai consolidando a relação ainda mais carnal que a cúpula das Forças Armadas brasileiras mantém com as americanas, e um grau de ingerência militar no regime que seja qualitativamente superior ao que existia no regime de 1988 não está em contraposição às pressões americanas que miraram até aqui somente bolsonarista civis. Por último, em especial o agronegócio, que vêm se beneficiando de um ciclo mais favorável com o aumento das commodities, têm interesses profundos para que o governo e os ataques se mantenham, como por exemplo a aprovação do PL490 que pode permitir a expansão da fronteira agrícola para reservas indígenas.

Como dissemos, não interessa ao PT uma dinâmica disruptiva, onde Bolsonaro pudesse ser derrubado, nem pela via institucional, menos ainda pela força da mobilização. Nesse último caso, está oposto ao vértice o PT e seus sindicatos e movimentos sociais serem promotores dessa política. Dessa forma ele rasgaria suas credenciais de administrador responsável do capitalismo brasileiro, para diversos setores burgueses que pretende se aliar. Também por isso desde já, sua política é de conter e impedir que as manifestações adquiram novas proporções, sobretudo envolvendo os trabalhadores a partir de seus métodos históricos de luta, se mostrando como uma variante necessária dentro do regime político, para canalizar institucionalmente a insatisfação popular, e inclusive por isso, sua principal figura teve seus direitos políticos reabilitados pelo próprio regime que antes o prescreveu.

Como dissemos, interessa mais a oposição neoliberal que Bolsonaro sangre mais, por isso, não está descartada que um processo de impeachment seja aberto em algum momento, para aumentar o desgaste de Bolsonaro. Tal como aconteceu nos EUA, durante o governo Trump, essa pode ser uma ferramenta para aumentar qualitativamente o desgaste do governo, mesmo que o impeachment não se conclua diante do calendário eleitoral. Conta nesse cálculo a agenda de reformas, ataques e privatizações. Enquanto elas estiverem passando, inclusive com algumas importantes em pauta como a Reforma Administrativa, a privatização dos Correios, entre outras, a abertura de um processo de impeachment poderia atrapalhar esse cálculo.

Ao mesmo tempo, se a instabilidade aumenta a tal ponto que atrapalhe a agenda de reformas, alguns desses setores que hoje são resistentes à saída de Bolsonaro, podem optar por um caminho de uma transição para que Mourão assuma o país, e o projeto de ataques não seja prejudicado. É uma ilusão semeada pelas direções burocráticas achar que um governo nascido de um impeachment é necessariamente fraco, muito pelo contrário. Itamar Franco não somente continuou como fez diversas privatizações que Collor não tinha conseguido fazer como a CSN e a Embraer.

Além do mais, como seguirá a dinâmica da economia e da pandemia, vão ser fatores decisivos para os futuros desdobramentos para a situação política. Bolsonaro aposta numa expectativa de melhoria na economia, mesmo que parcial, e maior controle da pandemia fruto do aumento da vacinação, para ter um pouco mais de estabilidade social que lhe permita, no mínimo, não perder mais base, e buscar alguma forma de recomposição. No entanto, com a inflação atingindo ítens de consumo básico, e os índices de desemprego e fome atingindo níveis históricos, esse cenário “otimista” para o governo encontrará fortes dificuldades de se realizar homogeneamente em todo país, e ainda mais nos grandes centros urbanos mais acometidos pelo desemprego. Além do mais, outros fatores podem aumentar o caldo do descontentamento social, como por exemplo a possibilidade de racionamento de energia, como vêm sendo aventado por alguns especialistas do ramo energético.

O fator fundamental, que vai ser decisivo para que Bolsonaro caia, seria a entrada em cena da classe trabalhadora aliada à juventude, aos movimentos sociais e indígenas. Por isso, diante de uma divisão maior entre os de cima, estamos defendendo, como está sintetizado em nosso editorial, a necessidade de uma greve geral para derrubar Bolsonaro, Mourão, os ataques e impor uma Constituinte para mudar não só os jogadores desse regime político podre, mas também todas as regras do jogo. É com essa perspectiva que iremos compor com todas as nossas forças as manifestação do dia 03.




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