A Medida Provisória nº 870, de 1º de Janeiro de 2019, extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). Dando indícios de como o desmonte de políticas de proteção social será feito neste novo governo.
terça-feira 8 de janeiro de 2019 | Edição do dia
A Medida Provisória nº 870, de 1º de Janeiro de 2019, extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). Dando indícios de como o desmonte de políticas de proteção social será feito neste novo governo.
O CONSEAfoi recriado em 2003, como um órgão de assessoramento direto da Presidência da República e integrante do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN (Lei nº 11.346, de 15 de Setembro de 2006). Composto de dois terços de representantes da sociedade civil e um terço de representantes governamentais exercia a importante função de espaço institucional para o controle social e participação da sociedade na construção, monitoramento e avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional. Promovendo a realização progressiva e efetiva do Direito Humano à Alimentação Adequada a toda população.
Dentre suas atribuições, cabia ao CONSEA propor à Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) as diretrizes e prioridades da Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, de acordo com as deliberações das Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional.
Institucionalizar a participação de diferentes setores da sociedade civil na formulação de políticas de alimentação foi essencial para o aprimoramento e fortalecimento destas. Um modelo de participação social que se tornou referência para diversos países.
O Consea debateu importantes propostas que, posteriormente, transformaram-se em políticas públicas de enfrentamento da fome e de garantia da alimentação saudável e adequada. Das muitas vitórias alcançadas pelo Conselho e sociedade civil, como o reconhecimento na Constituição Federal do Direito Humano à Alimentação Adequada (por meio da Emenda 64, no artigo 5º da Constituição Federal), também vale o destaque para, a implementação do Programa Fome Zero, o Plano Safra da Agricultura Familiar, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e o Programa de Aquisição de Alimentos, possibilitando as compras institucionais de alimentos da agricultura familiar para alimentação escolar e órgãos públicos.
Ações essenciais para que, em 2014, o Brasil fosse retirado do Mapa da Fome. O Consea levantava bandeiras importantes, como a da alimentação saudável e sem agrotóxico. Em um governo onde a bancada ruralista toma frente e medidas pró agronegócio já estão sendo executadas, extinguir um conselho como este – com a posição privilegiada de consultoria direta à Presidência da República, que possui posicionamentos contraditórios aos atuais interesses do governo e da bancada ruralista – é mais um ataque intensificado e cruel à população.
Já que, a política petista também realizou ataques ao permitir e dar espaço para crescimento de setores da direita ruralista (importante lembrar a aliança com Kátia Abreu no Governo Dilma). Barrando pautas essenciais para o combate e controle rígido do agronegócio, como a demarcação de terras indígenas e a reforma agrária, tudo isso blindando o agronegócio e permitindo a ascensão do poder da bancada ruralista.
Esta política de conciliação de classes favoreceu a concentração de terra na mão dos grandes latifundiários, impedindo reformas estruturais que pudessem afetar o interesse das classes privilegiadas.
Mesmo os programas, vistos como grandes vitórias e avanços em políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional, foram contraditórios em muitos momentos. Como, por exemplo, o investimento em agricultura familiar ter sido muito inferior ao investimento no agronegócio durante os governos de Lula e Dilma.
Outro ponto contraditório do governo petista foi a liberação da venda de milho e soja transgênicos no Brasil, com a promessa de maior eficiência agronômica e menor utilização de agrotóxicos. Algo que, de acordo com o relatório do próprio Consea, não aconteceu. Apenas beneficiou grandes empresas, como a Monsanto, sem beneficiar os agricultores familiares, indígenas e de comunidades tradicionais. Neste mesmo relatório, o Consea alerta para as consequências do crescimento do setor privado e achatamento do setor público na área. Além de mencionar a exigência não cumprida de realização de estudos de médio e longo prazo para avaliar os efeitos adversos dos transgênicos sobre o meio ambiente e a saúde humana.
Apesar disto, com uma importante participação e articulação da sociedade civil, grandes discussões e embates conseguiram ser travadas e avanços foram feitos no âmbito da segurança alimentar e nutricional para que o Direito Humano à Alimentação Adequada estivesse sendo gradativamente assegurado. Extinguir o Consea é um retrocesso brutal nas políticas públicas de alimentação e dos direitos sociais alcançados. É nos colocar a pontapés na direção do mapa da fome mais uma vez.
O descaso deste governo por um assunto tão primordial deve ser firmemente questionado. É preciso enxergar a fome como uma das piores e mais desumanas, arma política. Uma arma que fere brutalmente, que transforma um indivíduo em um fantasma do ser humano que uma vez foi incapaz de questionar e, por ter pressa e dor, capaz de aceitar qualquer migalha de um governo oportunista e ganancioso. Interesses econômicos e políticos não podem, de forma alguma, sobrepor à dignidade humana.
Não ao retrocesso! Em defesa do Direito Humano à Alimentação Adequada! Pela revogação desta medida provisória no Legislativo!
Posicionamento de importantes órgãos e instituições frente a esta medida:
Conselheiras (os) representantes da sociedade civil no Consea
Associação Brasileira de Nutrição
Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Parecer jurídico da Sociedade Vegetariana Brasileira
Links extras:
Direito Humano à Alimentação Adequada – DHAA:
Conselho Federal de Nutricionistas
Temas