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ANÁLISE | Bolsonaro: a união estável com o Centrão e o divórcio com a Lava Jato do filho indesejado do golpe

A Operação Lava Jato foi um pilar fundamental para a realização do golpe institucional que gerou, como filho indesejado, o governo Bolsonaro. Na aproximação de Bolsonaro com o Centrão este teve que se divorciar da Lava Jato, mas sem abandonar os métodos do autoritarismo judiciário que essa operação generalizou.

terça-feira 20 de outubro de 2020 | Edição do dia

Dias após Bolsonaro dizer que acabou com a Lava Jato e que não há mais corrupção no governo, o senador Chico Rodrigues, do DEM de Roraima, foi encontrado com R$2 mil reais na bunda, de um total de 47 milhões desviados do Fundo Nacional de Saúde. Esse dinheiro deveria ser destinado ao combate à Covid-19 no estado. O senador roraimense, com quem o presidente disse possuir uma união estável, visitou o gabinete de Bolsonaro onze vezes neste ano e emprega, como seu assessor, Leo Índio, pertencente à família Bolsonaro. Os fatos falam por si. Para retomar uma união estável com esse Centrão, o presidente teve que se divorciar da Lava Jato, mas sem abandonar os métodos do autoritarismo judiciário generalizados por essa operação.

Desde sua origem, a força-tarefa de Moro tinha como objetivo político modificar à direita a correlação de forças nacional para, assim, avançar nos ataques à classe trabalhadora e na inserção do capital imperialista no país. A operação Lava Jato - como denunciamos no Esquerda Diário e ficou comprovado com a Vaza Jato- nada tinha de combate à corrupção. Esta foi a narrativa criada e sustentada pelas mídias burguesas, como a Globo e aceita por um setor da esquerda que reivindicava essa Operação. Hoje, a mídia burguesa tenta opor um corrupto Bolsonaro às “puras intenções” de combate à corrupção da Lava Jato, querendo esquecer que o capitão reformado do exército foi eleito com o apoio de todo golpismo e teve no seu governo, como ministro da Justiça, Sérgio Moro.

Para esse objetivo, uma tarefa fundamental era avançar sobre o próprio PT porque os ataques pretendidos eram mais profundos do que aqueles que os governos petistas vinham realizando. Não é demais lembrar que Sergio Moro foi treinado no departamento de estado dos Estados Unidos e que sua Força Tarefa foi precisa em atender aos interesses de alguns setores como, por exemplo, as petroleiras estadunidenses, acabando com o pequeno voo sonhado pelo petismo para a Petrobrás e as global players brasileiras.

Esta operação, utilizando de métodos coercitivos e autoritários, foi o pilar para o estabelecimento de um autoritarismo judiciário no país, junto com o Supremo Tribunal Federal (STF). Juízes eleitos por ninguém que atuaram invertendo qualquer elemento básico do processo penal e que intervieram diretamente na política nacional para restringir ainda mais os direitos nessa, já restrita, democracia burguesa, impedindo, por exemplo, Lula de se candidatar em 2018.

O bonapartismo judiciário que se estabeleceu no Brasil com as decisões autoritárias da Lava Jato e do Supremo Tribunal Federal (STF) foi chave para a consolidação do golpe institucional no país e o rompimento com o regime de 1988. O que vimos depois disso foi o casamento de Moro com o Bolsonaro, que não era a primeira opção dos golpistas, mas em meio à crise orgânica do país, se tornou o seu filho indesejado.

Jair Bolsonaro foi eleito com o discurso contrário ao “toma lá dá cá” da velha política, dizendo que iria combater a corrupção apoiado no legado lavajatista e com Sergio Moro no Ministério da Justiça. O projeto bolsonarista quando recém-empossado era de levar a frente uma espécie de bonapartismo presidencialista imperial, no qual os métodos autoritários inaugurados pela República de Curitiba (como prisão preventiva, delação premiada e espionagem) eram peça chave, além das mobilizações de rua com atos de direita, para impor a predominância do Executivo em relação aos outros poderes.

De lá para cá, o pano de fundo internacional modificou completamente. Trump, que era um apoio fundamental para que Bolsonaro pudesse levar a frente a sua política aqui no Brasil, se enfraqueceu. Este movimento ocorreu também devido ao desgaste da posição trumpista em meio à pandemia e às manifestações pela questão negra nos Estados Unidos que, aliás, chegaram a reverberar em atos antifascistas aqui no Brasil.

Por outro lado, também outros atores do regime como Congresso, STF, um setor dos militares e Globo atuaram para conter os autoritarismos de Bolsonaro, preocupados que estavam em conseguir estabilidade para passar a agenda de ataques aos trabalhadores. Este foi o marco no qual se avançou nas operações do Ministério Público em relação ao esquema de rachadinhas (prendendo Queiroz na casa do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef), em diversos pedidos de impeachment no Congresso e nas investigações sobre a difusão de Fake News na campanha eleitoral que foi parar no STF.

O legado de Bolsonaro reivindicado por Renan Calheiros

O governo de Jair Bolsonaro passa por uma transformação importante, marcada pela busca da construção de uma base de apoio no Centrão (na velha direita brasileira) e no STF (com Toffoli, Gilmar Mendes e, logo menos, Kássio Nunes) para pactuar um novo regime golpista. E nesta aproximação com o Centrão, o combate à República de Curitiba é central. O objetivo é substituir o autoritarismo lavajatista por um autoritarismo apoiado no STF, mantendo o arcabouço institucional e apoiando-se nele para utilizá-lo a seu favor.

Dentre as principais ações que Bolsonaro teve para impedir que a Lava Jato chegasse a si próprio, aos seus filhos e, também, ao Centrão foi a nomeação de Augusto Aras para a Procuradoria Geral da República em setembro deste ano. Augusto Aras foi escolhido dizendo que iria acabar com as arbitrariedades no Ministério Público (MP). Para indicá-lo, o Presidente rompeu com o processo de escolha via lista tríplice, votada pelos membros do MP, como era de praxe, e decidiu por escolher um nome de fora da lista.

Vale ressaltar que a Lava Jato foi montada a partir da institucionalidade criada nos governos petistas para o funcionamento do Ministério Público e a escolha dos membros para a PGR pela via de uma lista tríplice foi inaugurada pelos governos Lula e Dilma. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, indiciou pessoalmente o seu PGR, Geraldo Brindeiro (conhecido como engavetador geral da república), e manteve esse mesmo nome por 8 anos.

Na briga entre os autoritarismos, o Aras tem o projeto de acabar com o modelo de forças-tarefa e centralizar as ações num único órgão, o que poderia dar poder de interferência do próprio presidente nas investigações. Fruto deste embate dentro do Ministério Público Federal e depois da Vaza Jato mostrando as relações da procuradoria com o juiz Moro, Deltan Dallagnol saiu da Lava Jato alegando razões pessoais. Além dele, um grupo de procuradores no Estado de São Paulo ligado a operação também se desvincularam.

Tanto é essa uma das condições para a aproximação com o Centrão e para a sua própria sobrevivência uma vez que as investigações estavam chegando por diversas vias as conexões que a família Bolsonaro possui com as milícias do Rio de Janeiro que, recentemente, Renan Calheiros, aquele que recebeu a visita de Lula no quarto de hospital, disse à CNN:

“Jair Bolsonaro, para além das diferenças que nós temos, ele pode deixar um grande legado para o Brasil que é o desmonte desse estado policialesco que tomou conta do nosso país e ele já tomou várias medidas desde o Coaf, a questão da receita, a nomeação de Augusto Aras para a chefia do ministério Público, a demissão do Moro, agora a nomeação do Kassio. Eu acho que esse é o grande legado que ele pode deixar para o Brasil. E é o desmonte desse sistema que causou muitas vítimas nos últimos anos e que tentou substituir a política nacional. Graças a Deus não conseguiu”.

Na busca por posições estratégicas, Bolsonaro tenta construir maioria no STF e a indicação de Kassio Nunes está em função disso. A decisão de Fux, de colocar em votação no plenário as decisões sobre pessoas importantes, mostra que existe uma disputa colocada. Além disso, outro campo de instabilidade são as relações do presidente com Alexandre de Moraes, relator do caso das Fake News, que prendeu Sara Winter e Alan dos Santos, e que trabalha com policiais federais ligados à Lava Jato.

Além da indicação de Kassio Nunes, Bolsonaro também já indicou o nome para ocupar a cadeira que ficará vaga apenas em dezembro no Tribunal de Contas da União com a aposentadoria de um dos ministros. Será o Secretário Geral da República, Jorge Oliveira, amigo de longa data do presidente, quem irá desde já para sabatina no Senado. Essa decisão que está sendo questionada por diversos setores por que, se generalizada, poderia constituir uma espécie de "cadastro reserva" para cargos desse tipo, foi avalizada por Dias Toffoli.

Essa mudança de Bolsonaro não significa deixar de lado os métodos autoritários, mas instrumentalizá-los de acordo com seus interesses. Um exemplo disso é que após à saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça, o seu sucessor André Mendonça, admitiu a realização do dossiê antifascista no governo, com uma série de dados de pessoas que se posicionaram contra o governo, numa postura claramente herdeira dos tempos da ditadura militar.

Nas disputas entre os autoritarismos, o Bolsonaro abandonou a Lava Jato e joga conforme quer o Centrão porque também a situação internacional não está favorável. A derrota no candidato golpista na Bolívia é mais um fator, além da possibilidade bastante grande de que Trump não seja eleito. Para continuar no poder e cavar a sua reeleição, Bolsonaro vai ter que se modificar, como já vem fazendo, ao sabor da velha direita brasileira.

Enquanto isso, o regime que se tenta consolidar tem como continuidade o autoritarismo judiciário, agora apoiado no STF, uma casta com cargos vitalícios e privilégios intocados. Estes sujeitos, eleitos por ninguém, são ativos em atacar os trabalhadores, em autorizar a venda das nossas riquezas nacionais para o imperialismo, em restringir ainda mais os traços de democracia burguesia que ainda permanece, enquanto mantém seus salários e privilégios.

É urgente o questionamento ao regime que quer se assentar no Brasil, sem nenhuma confiança no judiciário golpista (encabeçado pelo STF), lutando por Fora Bolsonaro, Mourão e os golpistas, mas também avançando para impor pela mobilização uma Assembleia Constituinte livre e soberana para que os trabalhadores possam definir sobre o rumo do país. Uma das principais tarefas de uma nova Constituinte, que seja verdadeiramente Livre e Soberana, é acabar com toda a estrutura de privilégios do poder judiciário. Batalharíamos nessa instância pela elegibilidade e revogabilidade de todos os juízes, e que todo magistrado recebesse o mesmo salário médio que um professor.




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